“Tenho saudades de coisas que não conheci.” A declaração do cantor Ed Motta, amante da boa música e estudioso da história dela, é perfeita para definir o estado de espírito de qualquer pessoa que tenha paixão por fatos históricos. Quem, por profissão ou hobby, estuda acontecimentos do passado acaba desenvolvendo a vontade de tê-los vivido, testemunhado ou ao menos acompanhado em tempo real, ainda que à distância.
Aqui no GPtotal não é diferente. A reconstituição de várias das histórias transcritasno site só foi possível por meio de leitura, vídeos, conhecimento do contexto histórico de cada época e, principalmente, a vivência de cada um. Eu, aos 36 anos e tendo começado a acompanhar corridas no final de 1978, não “vi” o nascimento da equipe Fittipaldi de Fórmula 1, entre 1973 e 1974. Pude apenas acompanhar os últimos anos de existência da equipe, torcendo desesperadamente para que ela ganhasse uma corrida que fosse – coisa que infelizmente não aconteceu. E ler, ler muito, sobre como ela surgiu. Também aproveitei (faço isso até hoje) todas as possibilidades de conversar com os personagens da história dela para saber um pouco mais da história da equipe – nunca é demais lembrar: a primeira, e até hoje única, a competir na Fórmula 1 com um carro construído abaixo da linha do Equador. (O respeitado construtor e preparador argentino Oreste Berta construiu seu Fórmula 1, o LR, na mesma época em que o FD 01 ficou pronto. Só que o Berta LR nunca competiu no Campeonato Mundial: dele, ficaram somente os rumores de que o carro disputaria o GP da Argentina de 1975, pilotado por Nestor Garcia Veiga.)
Lembro-me de, moleque, ler os relatos e ver as fotos dos primeiros testes do FD 01 em Interlagos, no final de 1974. Ficava babando, doido de vontade de ter presenciado, no meio daquelas muitas pessoas (as da equipe, mas alguns jornalistas, uns poucos curiosos e muitos fãs legítimos de corridas de automóvel), os primeiros quilômetros rodados pelo Fittipaldi FD 01
Por tudo isso e muitas coisas mais, eu não poderia perder a oportunidade de estar em Interlagos no começo de novembro. Depois de 30 anos, o FD 01 voltou ao autódromo paulistano para um evento de comemoração de sua restauração. Estavam lá Wilsinho Fittipaldi, Ingo Hoffmann, Alex Dias Ribeiro e Christian Fittipaldi, mais Darcy Medeiros (mecânico da equipe Fittipaldi durante toda sua existência e responsável pelo trabalho artesanal de restauração do FD 01), Sid Mosca (famoso pintor de carros e capacetes, criador da pintura dos Fittipaldi patrocinados pela Copersucar, com o beija-flor estilizado), Luiz Carlos Secco (veterano jornalista, talvez o primeiro a dar a notícia de que os Fittipaldi estavam montando uma equipe de Fórmula 1). Ausências sentidas: Ricardo Divila (projetista do FD 01), Emerson Fittipaldi, o mecânico japonês Itoh e o mexicano Jo Ramirez.
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Trinta anos depois, o momento exato em que o Fittipaldi FD 01 sai do box. Foto de Michel Toni Rost |
Foi de arrepiar. Era apenas uma demonstração, mas a expectativa de fazer o carro funcionar e andar na pista era imensa entre todos os presentes. Em alguns momentos, foi como se eu tivesse viajado no tempo e voltado a 1974. Tenho certeza de que várias pessoas sentiram algo parecido. A diferença maior, é claro, estava no nível de tensão do ambiente. Nas fotos de trinta anos antes, pode-se ver profissionais trabalhando duro, envolvidos em uma cartada para o futuro. Naquela bela manhã de sol em Interlagos, eu estava no meio dessas mesmas pessoas – mas elas estavam estavam apenas celebrando uma aventura acontecida no passado.
O uivo de um motor Ford Cosworth V8 de Fórmula 1 é impressionante, maravilhoso, sedutor. Em 1974, seu regime ideal de funcionamento estava em torno de 10.000 rpm. O motor instalado no restaurado FD 01 (o mesmo do GP da Argentina de 1975) estava com o regime máximo limitado a 8.000 rpm, devido a uma deficiência na válvula de combustível. Darci e sua equipe já haviam começado a fazer uma nova, mas ela não ficou pronta a tempo.
Sobraram emoções para todos. “Tive quase a mesma sensação de quando colocamos o carro para andar pela primeira vez. Foi espetacular!”, relembrava Wilsinho Fittipaldi. Ingo Hoffmann, que fez sua primeira corrida na F 1 pilotando o Fittipaldi FD 03 (no fundo, um FD 01 modificado), também guiou o carro. Quando voltou aos boxes, saiu do cockpit profundamente emocionado, quase às lágrimas e com dificuldade para terminar uma frase sequer. Enquanto estive ao seu lado, a única frase que ele conseguiu completar foi “Que sensação incrível!…”. Para Christian Fittipaldi, que guiou na F 1 quando a categoria já havia entrado na era das ajudas eletrônicas, andar no FD 01 foi uma experiência inesquecível. Além de guiar pela primeira vez um dos carros construídos pelo pai, Christian pôde sentir como era a F 1 em que Emerson e Wilsinho competiram: “Tá louco! Vocês eram muito corajosos…”. Alex Dias Ribeiro só guiou para a Fittipaldi em 1979, mas em 1975 era contratado como piloto reserva de Wilsinho, ao mesmo tempo em que disputava o Campeonato Inglês de Fórmula 3. “Minha fase foi outra, mas tive o prazer de guiar o Fittipaldi F5A”, lembrou, referindo-se ao modelo mais bem sucedido da história da equipe.
Aquela manhã de sol em Interlagos foi uma das mais prazerosas da minha vida. Pelo menos uma vez tive a certeza de ter aplacado a saudade de uma daquelas “coisas que não conheci”. Inesquecível.
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Duas boas notícias sobre colunistas do GPtotal. A primeira, sobre Ricardo Divila, é acompanhada por um enorme “Parabéns, campeão!”. Sua equipe, a Nismo (Nissan Motorsport), conquistou o título da divisão principal do JGTC, o campeonato japonês para carros GT. De quebra, os Nissan 350Z permitiram que o japonês Satoshi Motoyama e o irlandês Richard Lyons conquistassem o título de pilotos. Mais detalhes em breve, na próxima coluna do Ricardo.
A outra notícia é a chegada do experiente e vivido Castilho de Andrade para reforçar o time de colunistas convidados do GPtotal. Uma vez por mês, ele vasculhará sua memória para contar algumas boas histórias vividas em corridas nacionais e internacionais.
Para quem não o conhece, Castilho trabalha para os jornais do grupo Estado (O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde) desde 1969, tendo participado de coberturas de F 1 e de várias corridas nacionais e internacionais, além de vários outras modalidades esportivas. Entre 1991 e 1994, trabalhamos juntos na editoria de Esportes do Jornal da Tarde. Outro colunista do site, Luis Fernando Ramos, também trabalhou com ele durante algum tempo. Desnecessário mencionar o quanto eu e o Ico consideramos valiosa a experiência profissional adquirida durante a convivência com o “Casta”, como alguns o chamam.
A estréia do Castilho no GPtotal acontecerá nesta quinta-feira. Seja bem-vindo, mestre, e que este seja o início de mais uma longa convivência.
Luiz Alberto Pandini |