Viagem Insólita – Parte 1

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Um passeio por alguns dos cockpits mais marcantes da história

Quando criança, um dos meus filmes favoritos do tipo “Sessão da Tarde” era Viagem Insólita (Inner Space, 1987). A obra, de ficção científica, tinha como mote uma experiência na qual um piloto militar norte-americano (interpretado por Dennis Quaid) conduziria um submarino exploratório que seria reduzido ao tamanho de um grão de areia e ‘navegaria’ dentro de um coelho de laboratório. Ladrões tentam roubar o submarino e Quaid, já miniarurizado, acaba injetado acidentalmente em Martin Short, que faz o papel de um neurótico caixa de supermercado. A mocinha da trama era a Meg Ryan, ainda linda e bem longe do botox.

A fantástica viagem de Quaid em seu submarino especial dentro dos mais diversos sistemas do corpo humano – que levaram o filme ao Oscar de melhores efeitos visuais em 1988 – mostraram um mundo do qual não estamos habituados e não temos possibilidade de ter acesso. Um ponto de vista certamente privilegiado – o de “dentro para fora”.

Com o mundo do esporte a motor acontece algo parecido. Nós, os entusiastas das competições, conhecemos os mais diversos modelos construídos através dos tempos, mas 99% de nós jamais vai ter a oportunidade de botar os fundilhos neles para saber como estes são internamente.

É por esta razão que quase caí da cadeira quando acessei pela primeira vez o siteGurneyflap.com – este, já mencionado por mim quando escrevi em abril sobre o motor BMW Turbo usado na F1. Lá é possível ter acesso a diversas fotos de carros históricos de competição em ângulos que nós, os pobres mortais, certamente não estamos acostumados, sobretudo em relação aos cockpits.

Escolhi seis fotos – uma de cada década da F1 – e vou comentar cada uma deste universo do Inner Space:

Década de 1950 – Maserati 250F (1954-60)

Um dos maiores hits dos anos 50, talvez apenas atrás da Ferrari 500 F2 e obviamente da Mercedes W196, a Maserati 250F, assinada por Gioachinno Colombo (o mesmo que criou a Alfetta 158/159, bi em 1950/51) é da época dos motores dianteiros e chassis tubulares em treliça – que Patrick Head uma vez disse possuírem resistência à torção equivalente à de uma banana bem madura.

O metal toma conta da cabine e um detalhe interessante é a chapa do painel, em aço cuidadosamente escovado, que ostenta um enorme conta-giros e mostradores de pressão de óleo, água e marcador de combustível. O câmbio ostenta a famosa guia em H e o túnel do eixo cardan separa os pedais – embreagem de um lado, acelerador e freio de outro, cuidadosamente colocados para que pilotos fizessem o punta-tacco sem dificuldade.

Desnecessário dizer que nada do carro visava a segurança do piloto. O cinto de segurança de três pontos nem ao menos existia, e a aplicação do dispositivo em carros de competição estava longe de ser realidade. Era melhor bater e ser ejetado, já que a chance de um carro acidentado virar uma bola de fogo era grande demais.

Lembrei de uma história das antigas que foi cotada nos primórdios do GP Total (2001) pelo antigo friend Alexandre Zamikhowsky Filho. No GP da Bélgica de 1958, Joakim Bonnier estava a bordo de uma 250F quando o cardan quebrou. O eixo, sem um dos pontos de fixação, continuou girando à toda e bateu no assento do sueco, que quase foi catapultado pra fora do carro! Sorte ele ter tido reflexo para segurar-se firme ao enorme volante de madeira e aros de alumínio antes de perder os sentidos depois de tamanha cacetada na poupança!

Década de 1960 – BRM P261 (1964-68)

Concebida por Tony Rudd – que assinou toda uma linhagem de carros da marca até tornar-se aerodinamicista da Lotus em 1969 – a máquina mostra a era dos pequenos motores traseiros junto aos revolucionários monocoques em folhas de alumínio, introduzidos na Lotus 25 de Colin Chapman. É o tempo das banheiras de gasolina, uma vez que os tanques de combustível ficavam ao redor do piloto, dentro da estrutura que era muito mais sólida que os tubos soldados.

Particularmente em 1964, os carros eram muito parecidos entre si (apesar de, evidentemente, portarem mecânicas diferentes), tanto que Lotus, Ferrari, BRM e Brabham conquistaram vitórias numa temporada de apenas 10 provas. Este monoposto mostra um painel bem mais estreito, com o conta-giros em destaque e demais mostradores divididos num mesmo relógio. O volante já é praticamente metade da circunferência em relação à década anterior. E para quem assistiu o filme Grand Prix, está familiarizado com o câmbio à esquerda, como manda a mão inglesa, com trambulador à mostra, o que ditaria a moda.

O fim da década teve como novidade os cintos de segurança, ao mesmo tempo em que pilotos deixavam de lado os capacetes abertos que demandavam óculos. O primeiro a usar capacete inteiriço foi Dan Gurney, que estreou a peça na prova do Canadá pilotando pela McLaren.

Década de 1970 – Tyrrell P34 (1976-77)

A década foi de mudanças externas muito mais evidentes que as internas, pelo menos em sua primeira metade. Carros agora tinham asas, radiadores laterais e um monte de logotipos publicitários que ajudavam a pagar as contas. Os monocoques continuavam em alumínio e com muita gasolina dentro deles, mas a grande novidade eram os tubos em arco soldados acima das pernas dos pilotos e que estavam lá a título de proteção em caso de capotagem. Extintores também passaram a fazer parte do habitáculo, invariavelmente instalados abaixo dos joelhos, que eram atados por cintos de seis pontos.

O carro da foto, o modelo P34 criado por Derek Gardner, certamente foi o mais exótico da década, uma vez que o carro-ventilador da Brabham foi banido logo após nascer. O modelo de 1976 chegava a ter duas vigias laterais na carenagem (de fibra de vidro, frágil pra caramba) para que os pilotos pudessem ver o estado dos pequenos pneus Goodyear dianteiros. A coluna do complexo sistema de direção separava os painéis assim como o túnel de cardan fazia duas décadas antes.

No fim dos seventies meu herói (e de muita gente) Gordon Murray inaugurou os displays digitais pela Brabham em 1978. Mostradores de ponteiros conviveram com as pequenas telas de cristal líquido por toda a década seguinte. Mostradores ingleses Stack tornaram-se a moda entre as equipes nos anos posteriores, sobretudo o modelo ST8100, com conta-giros analógico em quartzo e um dashboard digital monocromático (fundo cinza-esverdeado) com informações de temperatura da água, de óleo, da pressão e da velocidade das rodas dianteiras. Tinha até (um) shift-light, um luxo só!

Outras décadas de cockpit na minha próxima coluna!

Aquele abraço!

Lucas Giavoni

___________________

Coluna publicada originalmente em 24 de setembro de 2010.

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

4 Comments

  1. Sandro disse:

    Ferrari F248 by Lego, hehehe!
    Nada se cria tudo se copia! :p
    http://www.1000steine.com/brickset/images/8142-1.jpg

  2. Fernando Marques disse:

    Mauro,
    assino embaixo

    Fernando Marques

    Niterp]oi RJ

  3. Mauro Santana disse:

    Olha, acompanhando os lançamentos dos modelos 2012 na F1 e na Indy, é nítido como os engenheiros da F1 tem um mau gosto do cac…t!

    E não me venham com esse papo de tecnologia, pois a minha indignação com esses caras é por falta de criatividade em criar um carro belo, uma verdadeira obra de arte, coisas que no passado era normal.

    Palmas para o novo modelo da Indy, porque estes lançamentos da F1, nossa, são muito, mas muito feios!!!

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