Edu,
O quê? Você não gosta de Gilles Villeneuve? Bem, meu amigo, neste caso a união que deu origem ao GPtotal está correndo sérios riscos, pois não posso dividir espaço com alguém que não admirava a ousadia, a coragem e a loucura do piloto canadense.
Calma, é brincadeira… Não sou tão radical assim e sei que, pelo menos fora da Itália e do Canadá, o estilo selvagem de Gilles não chegava a ser uma unanimidade. Eu mesmo, vez ou outra, tentei avaliar friamente se o caso dele era de coragem e o destemor ou de demência pura e simples. Nunca me preocupei muito em chegar a uma conclusão. Eu gostava de vê-lo correr e isso bastava (sim, é um julgamento extremamente subjetivo, mas não espere de mim objetividade para analisar determinadas coisas).
Conheço gente que adorava Ronnie Peterson (outro piloto de estilo “quente”) e não apreciava Villeneuve, basicamente pelos mesmos motivos que você citou. Isso me parece contraditório porque, depois da morte do sueco, Villeneuve tornou-se o único “piloto-show” da F 1. Naqueles tempos, eu era garoto e torcia muito por Nelson Piquet – mas Villeneuve, para mim, era a melhor coisa para assistir num GP, independentemente do resultado final que ele alcançasse.
Já que falei de Piquet e Villeneuve, cito uma passagem de seu livro em que você descreve fotos de ambos, publicadas lado a lado em algum anuário qualquer e tiradas no mesmo local e na mesma corrida. O canadense está de lado, guiando como louco para se manter em linha reta, enquanto Piquet, dono de um estilo mais suave, faz a curva de maneira certinha, sem dar espetáculos mas terrivelmente eficiente. E você conclui com um pensamento mais ou menos assim: “Talvez isso explique por que Villeneuve, vencedor de apenas 6 GPs, fosse tão adorado pelos torcedores. E talvez explique também por que Piquet foi três vezes campeão mundial e Villeneuve, nenhuma”.
Arrisco algumas razões que tornaram Villeneuve um piloto tão especial: 1) Ele guiava para a Ferrari, o que já é meio caminho andado para qualquer um ser considerado um semideus na Itália e por várias pessoas de outros países; 2) Seu estilo espetacular enchia os olhos de qualquer um, mesmo do espectador ou telespectador menos familiarizado com as particularidades do esporte; 3) Ele nunca se abatia. Com carros bons ou ruins, inteiros ou se desfazendo em pedaços, disputando a primeira ou a penúltima colocação, sob sol ou chuva, ele mantinha o pé no fundo enquanto a máquina andasse; 4) Por sua coragem, ele conseguia ultrapassagens que nenhum outro piloto seria capaz de tentar. Lembro-me de uma em Mônaco, em 1980, sobre René Arnoux. Gilles havia perdido muito tempo no começo da corrida e foi se recuperando até encontrar Arnoux pela frente. Os dois tiveram uma disputa quase tão intensa quanto a do ano anterior em Dijon. Na 34ª volta, Villeneuve fez alguma mágica na Saint Devote e, voando por cima da zebra, aproveitou um espaço minúsculo entre o Renault de Arnoux e o guard-rail do lado direito para assumir o… 11º lugar. Foi uma manobra tão rápida e improvável que o francês se assustou, errou e foi ultrapassado por Jan Lammers, que era retardatário e não tinha nada a ver com a história; 5) Gilles era um grande piloto. Só alguém muito habilidoso e com sangue de vencedor seria capaz de conseguir uma vitória como a do GP da Espanha de 1981: com um carro visivelmente ruim, ele resistiu a corrida inteira ao assédio de pelo menos três pilotos que tinham equipamentos melhores que o seu. É por isso que a bandeirada daquela corrida foi dada a um “trenzinho” formado por Villeneuve, Jacques Laffite (Talbot Ligier), John Watson (McLaren), Carlos Reutemann (Williams) e Elio de Angelis (Lotus).
Em suma, a adoração que muitos fãs têm ou tiveram por Gilles Villeneuve não pode ser justificada por números. Se pudesse, encerraríamos a discussão sobre quem foram os quatro melhores pilotos de F 1 de todos os tempos colocando Fangio em primeiro lugar, com seus cinco títulos; Schumacher em segundo, com quatro títulos e 53 vitórias; Prost em terceiro, também com quatro títulos mas duas vitórias a menos que o alemão; e Senna em quarto, com seus “míseros” três títulos e 41 vitórias…
Por isso, repito: não espere que eu seja objetivo para analisar certos assuntos. Na minha opinião, Villeneuve foi um dos grandes, sim. Só não conquistou o título de 1982 porque se matou antes.
+++
Não tiro a razão de quem acha que Villeneuve era um débil mental que pagou o preço disso com a morte. Se ele não morresse na pista, morreria de outra maneira estúpida qualquer. Ele costumava voar com os tanques de seu helicóptero vazios, apenas para poder ir mais rápido… Ao chegar a Zolder para aquele GP da Bélgica de 1982, ele anunciou sua chegada fazendo vôos rasantes e quase atingiu fios de alta tensão com as hélices. Um cara assim não poderia ter vida longa e realmente não teve.
Uma informação adicional sobre a reação fria de sua esposa, Johanne, quando da morte do marido: o casamento estava indo para o saco quando Gilles morreu. E, pelas entrelinhas das muitas biografias e reportagens que li, pode-se concluir que ele não foi exatamente aquilo que pudesse ser chamado de “um pai exemplar”. Isso também explicaria a atitude de Jacques Villeneuve, que sempre recusa qualquer comparação ou alusão a seu pai.
+++
Declaração de Bernie Ecclestone em entrevista publicada na revista “Quatro Rodas” em 1977: “Não estou na F 1 para ter lucros nem para ficar rico. Para isso, tenho meus negócios particulares”.
Não há razão para duvidar que Ecclestone foi sincero. Mas que ele ficou muito rico gerenciando (com muita competência) a Fórmula 1, não há dúvida…
Abraços e boa semana para você, se o fantasma de Gilles deixar…
Panda