VIRADA DA MICHELIN?

WITH A LITTLE HELP FROM OUR FRIENDS
26/05/2004
WITH A LITTLE HELP FROM OUR FRIENDS
02/06/2004

Os resultados do GP de Mônaco e, principalmente, dos treinos livres desta sexta-feira em Nürburgring sinalizam uma mudança no equilíbrio de forças do campeonato. Kimi Raikkonen fazendo o melhor tempo, quase um segundo a frente de Michael Schumacher, era algo impensável há duas semanas. E aconteceu. Seria uma repetição do ano passado, quando a Michelin tomou as rédeas do campeonato no meio da temporada?

Eu aposto que não. Há várias corridas a Ferrari utiliza a mesma tática nas sextas-feiras: andar de tanque vazio na sessão da manhã e encher o reservatório à tarde. Se foi o que aconteceu hoje em Nürburgring, Schumacher e Barrichello não têm muito com o que se preocupar e devem partir para mais uma dobradinha. De qualquer forma, os pneus franceses parecem, no mínimo, ter diminuído a desvantagem em relação aos Bridgestone. O clima na região de Eifel não era dos mais quentes e, antes, isto era sempre sinônimo de passeio para a borracha japonesa.

Dois lances legais do treino de hoje, transmitido ao vivo nas tevês européias (para o absoluto enfado de quem assiste): a quebra de um motor Ferrari (finalmente!) e espetacular rodada de Christian Klien no final da reta dos boxes. O primeiro fato, para desespero de quem quer mais emoção no campeonato, ocorreu numa Sauber, na de Giancarlo Fisichella. O segundo chamou a atenção pela estranheza de sua dinâmica. Em tempos de controle de tração e super freios, um carro perder a traseira da maneira que perdeu é sinal de algum erro de software. Ou uma constatação de que, realmente, os mecânicos da Jaguar só tem olhos para o carro que tem a bandeira da Austrália pintada na beira do cockpit.

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Os treinos de sexta-feira colocaram em destaque os pilotos de testes e, na última semana, duas notícias estouraram quase que simultaneamente. Uma diz que Ricardo Zonta assume um dos cockpits titulares da Toyota já no GP da Alemanha, no dia 25 de julho. A equipe só não decidiu quem vai sair, Olivier Panis ou Cristiano da Matta. A troca serviria para avaliar como o paranaense se sai em situações de corrida, já que nos testes ele está indo muito bem. Se fizer tudo direitinho, Zonta estaria confirmado para correr em 2005, provavelmente ao lado de Ralf Schumacher.

O outro fato de destaque é a entrevista que Patrick Head deu a um jornalista da “Autosport”, cobrindo o amazonense Antonio Pizzonia de elogios. “Apesar das dificuldades que teve no ano passado na Jaguar, creio que Antonio Pizzonia se daria muito bem se estivesse em um de nossos carros. Toda vez que ele testa, é pelo menos tão rápido quanto os pilotos de corrida. E, no caso dele, eram visíveis os problemas que ele teve e que era difícil funcionar algo lá“, foi o que disse o diretor-técnico da Williams. Difícil não enxergar que Pizzonia é um nome forte na corrida por uma vaga na equipe no ano que vem.

Embora, na Fórmula 1, nada é oficial até que um press-release oficialize tudo, aschances destes dois pilotos brasileiros ganharem uma nova chance para reconstruírem suas carreiras na categoria parecem boas. Tive a chance de trabalhar diretamente com eles em seus anos de estréia (Zonta em 1999, Pizzonia no ano passado) e é interessante observar que há diversos fatos coincidentes.

Os dois possuem currículos quase que irretocáveis nas categorias de base e chegaram na F-1 cercados de expectativas. Acostumados a vencer em qualquer carro que pilotassem, acreditaram que o sucesso viria naturalmente, como sempre ocorrera nos anos anteriores. Mas, cegados pela confiança no próprio talento, não perceberam o ninho de cobras em que estavam se metendo.

Zonta na BAR: o carro era uma cadeira elétrica e, logo na segunda corrida, o piloto machucou o pé esquerdo com uma certa gravidade ao bater na subida do Laranjinha. Foi operado no mesmo dia e ficou dois meses de molho. Quando voltou, percebeu que não teria chances em uma equipe completamente voltada para Jacques Villeneuve. Em Zeltweg, Zonta andou bem na sexta-feira e marcou o quarto melhor tempo dos treinos livres. No sábado, antes da classificação, fui atrás dele e o encontrei sozinho, no andar superior do motorhome da equipe, triste e com o olhar perdido no horizonte. Vim a saber depois que havia tomado uma sonora bronca de Craig Pollock por ter virado muito mais rápido que o canadense. Seu desempenho no resto do fim-de-semana foi bem aquém de suas possibilidades.

Com a confiança minada, o brasileiro só se manteve na equipe no ano seguinte porque seu empresário na época ameaçou armar um circo e contar à imprensa todos os podres que aconteciam lá dentro. Se a manobra garantiu um cockpit ao piloto, criou um péssimo ambiente para se trabalhar e isto se refletiu nos resultados discretos que Zonta obteve. Após encontrar abrigo temporário na Jordan em 2001 e brilhar na Super Nissan em 2002, o paranaense foi chamado pela Toyota para testar no início do ano passado.

Neste ano, com a nova regra que permite um terceiro carro nos treinos livres de sexta-feira, Zonta pôde mostrar com mais contundência a qualidade de seu trabalho. Há o argumento de que os pilotos titulares andam pouco para poupar os motores, por isso que o piloto de testes acaba marcando tempos melhores. Mas não façamos uma injustiça: nos testes de pré-temporada, quando os titulares também andaram à vontade, Zonta foi quase sempre mais rápido que Panis e Da Matta.

Pizzonia na Jaguar: era claro que Niki Lauda estava mais entusiasmado com o talento do brasileiro do que com o de Mark Webber. Mas o austríaco foi demitido exatamente no dia em que a nova dupla de pilotos que havia contratado fez o seu primeiro teste. Para completar, na mesma semana, Pizzonia julgou mal a capacidade de frenagem de um Jaguar de rua e capotou na primeira curva de Barcelona, com uma penca de jornalistas a bordo (pelo menos atestou a segurança do carro, né?).

Percebendo o momento propício, o australiano Webber fechou um pacto com a nova direção e assumiu as estribeiras da equipe. Seu carro ganhava as novidades primeiro e tudo era feito da maneira que o agradava. Um dos pontos cruciais estava na geometria da suspensão traseira. Para Pizzonia, a instabilidade atrás o atrapalhava demais. “Estou tendo de pilotar fora do meu estilo, como nunca pilotei antes na minha vida”, me confessou ele em meio ao processo de fritura que sofreu. Mas seus pedidos para uma nova suspensão eram negados pela equipe: Mark estava satisfeito com o carro e era isto o que importava para eles.

Logo a equipe trocou o brasileiro por Justin Wilson que, mesmo marcando um ponto no imprevisível GP dos Estados Unidos, ficou em média muito mais atrás de Webber nas classificações que Pizzonia. A vítima atual é o austríaco Christian Klien. Como havia feito com seus dois outros companheiros, o australiano encheu a bola dele no início da parceria para descer o cacete quando a falta de resultados ficou evidente. Esqueceu-se de falar em como a equipe é voltada para si. Uma fonte minha garante que o destino de Klien já foi selado e ele sai no fim do ano, ou antes disso. Impressionante como a porta dos fundos da fábrica da Jaguar continua girando mais que o motor Cosworth de seus carros.

Passada a tempestade, tanto Pizzonia quanto Zonta estão a beira de receber uma nova oportunidade de mostrar seu valor. Todos sabem que a Fórmula 1 não perdoa fracassados, o que torna o fato ainda mais impressionante. Para mim, é a constatação de algo que me era claro há muito tempo: temos aqui dois pilotos com um talento excepcional, bons demais para acabarem destruídos pela confusão interna das equipes em que estrearam. Uma hora, alguém com mais inteligência iria perceber isto.

Mas é preciso algo muito especial para que os dois brasileiros aproveitem esta possível chance e permaneçam de vez na F-1: cabeça. Ser piloto de testes é, de certa forma, um privilégio, pois sua performance está livre de qualquer pressão e seus erros ocorrem longe das câmeras e dos holofotes. Mas um cockpit titular implica jogo de cintura para agüentar a politicagem de dirigentes, imprensa e companheiros de equipe. Faltou isto aos dois no passado e o resultado foi catastrófico. Agora, ao invés de darem a outra face, é preciso manter fora do cockpit a mesma determinação, concentração e instinto animal que possuem ao pilotar. Não adianta acreditar apenas no talento, basta olhar para Rubens Barrichello e perceber que só isso não adianta.

Abraço e até a próxima semana!

Luis Fernando Ramos
GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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