Por motivos alheios à nossa vontade e ao nosso controle, o GPTotal infelizmente não esteve presente fisicamente à edição 2025 das 6H de São Paulo, ao contrário do que havia acontecido em 2024.
Desejando, contudo, dividir com nossa comunidade um pouco dos sentimentos próprios de quem ama e conhece a fundo o riquíssimo universo do Endurance, povoado por alguns dos melhores carros e pilotos do mundo, convidamos os amigos André Luiz Bonomini e Roberto Taborda, dos maravilhosos Graining & Marbles e blog A Boina, a abrirem o coração em duas colunas a serem publicadas nesta e na próxima semana. A primeira delas, assinada por Bonomini, está reproduzida abaixo.
André Luiz Bonomini é jornalista, mas vai muito além disso. Nascido em Blumenau, trabalha na Rede União FM, é memorialista e autor de inúmeras crônicas dedicadas à cidade, e também “poeta de fim de semana”, como ele próprio se define. Sua visão, portanto, não se prende tanto ao factual, mas acrescenta muito de sensações e experiências pessoais, tornando seu relato bastante rico e precioso para sintetizar a vivência de quem viajou muitos quilômetros para estar com amigos que compartilham da mesma paixão por esporte a motor, tendo como pano de fundo um dos eventos mais interessantes ao alcance do fã brasileiro de corridas.
Aos dois, amigos queridos que o esporte a motor nos deu, fica aqui nosso mais profundo agradecimento por terem tão prontamente aceitado nosso convite.
[Márcio Madeira]
São Paulo.
Metrô.
Subida da Brigadeiro.
Viaduto na esquina da Vergueiro.
Interlagos por nós mesmos.
Um país todo a nossa volta, um mundo inteiro falando ao mesmo tempo.
Falta de ar puro entrando, nariz recorrendo a lenços.
Um grito uníssono por um Barrichello e a apoteose na pista
Queen no fim da noite
Confraria com umas 15 pizzas, 20 e tantos amigos e “Bob Ramalho”.
Tentar definir experiências de uma forma que não soe um diarinho sincronizado é complicado até mesmo para mim que tenta fazer de tudo uma mistura de Nelson Rodrigues com poesia. Às vezes soa inútil e não escrevemos nada, as vezes soa tão belo e verdadeiro que, mesmo que falte algo, as pessoas leem e te entendem profundamente.
Nem mesmo voar traz mais a mesma sensação de adrenalina. Serviu como ponte de ligação entre o começo das férias e o momento de mergulhar numa experiência tão minha quanto da confraria que o Graining & Marbles (G&M) e os amigos e amigas do grupo viveram comigo ou conosco. Quatro dias, 190 e algumas voltas, algumas horas no vai-e-vem do paulistano nas caixas de metal, experiências, lições, risos, recordações.
O automobilismo? A causa e solução de nossos medos, problemas, sorrisos, reações, estupefações, das amizades que nos circundaram em cada momento, esquina e curva dos 4 Km de Interlagos velha de guerra.
Roberto Taborda, que aqui divide linhas, o pilar maior destes dias. Amigo tão comprobatório da verdade do gaúcho, de lealdade, parceria e ensinamento. Ele já tinha a marca da experiência de um ano antes, quase uma vereda a mim para entender o que é este arrepio que não queremos que acabe tão cedo: aquele que um V12 puro britânico causa ao rasgar a reta inocentemente.
Desde o primeiro pisar nessa veia nervosa do Brasil, São Paulo tem me sido divisor de águas, criador de histórias e propiciador de emoções únicas. Dos tempos da adolescência, onde a grande cidade era um sonho utópico, as primeiras aventuras e a abertura lenta e quase cuidadosa as experiências que a metrópole nos propicia nos elementos que a constitui no dia-a-dia, o que resumo muito no metrô, o cosmopolita metrô.
Tem quem nem prefira olhar para ele sem saudade e com arrepios, mas tem quem vem de um interior propriamente dito e se assusta com a facilidade, a velocidade e os panoramas sociais que ele traz em cada vagão. Da síndrome de pânico da estudante arrebentando no cume da pressão ao casal de namorados despudoradamente amante na porta do vagão. Os ambulantes e seus gritos e nós mesmos, a roda de um gaúcho, um cearense e um catarina, rindo dos termos tolos lembrados e do passado latente.
Detalhes que me ficam rondando a cabeça vez em quando, como sentir a maldade pulmonar ao subir a Brigadeiro Luiz Antônio com metade da capacidade de respiração, nariz fechado por um resfriado, tentando manter a guarda na noite, o compartilhar de ideias com o mestre Sergio Milani e entendendo a velha máxima da São Silvestre na pele e nos brônquios: a subida da Brigadeiro é o “ponto mais difícil” sempre.
Nestas esquinas todas, ladeiras acima e abaixo, lá estava Interlagos outra vez: imponente, vibrando e pulsando pouco a pouco a medida que o grande dia se aproximava. Bólidos desnudos nos boxes, acertos e ajustes discutidos nas salas de reunião e na ponta da chave de roda dos pilotos. E nós, reles testemunhas respirando tudo isso (mesmo comigo me debelando com os assoares eventuais).
Giovanni, o Giogio, um dos felizes “Pee” era a minha reação mais perfeita da sonoridade do lugar. Ao rasgar de Cadilac e Aston Martin, aquela sensação que o motorsport tem sua “pornografia”, sua “obscenidade”. Era um orgasmo sonoro que rompia o ar e levava os verdadeiros racers ao extasio. Ele reagia, eu reagia junto, nós todos reagíamos juntos, um deleite.
Naquelas esquinas, encontros e mais encontros. Amigos e amigas atrás das telas de celulares e computadores tendo suas faces e maneirismos únicos revelados, fora os abraços emocionados como uma grande turma de faculdade se reencontrando, como amigos que se conheciam da mesma quadra e frequentadores dos mesmos lugares, gostos, sabores e músicas.
No sábado, dia puxado, pernas não funcionando mais sozinhas, mas degustando toda uma mistura pura de história e presente. Os olhos emocionados diante da memorabilia da exposição e seu hall de boas-vindas brilhando com a obra de Gordon Murray: o BT53 de Nelson Piquet, que até em silêncio nos fazia ouvir o engenho bávaro na mente, domado nas curvas pelo “cara da bola de tênis”.
Exposições, música, ambiente entre o pop cosmopolita dos endinheirados e o Rock do povão racer autêntico, sem a chateação daqueles pseudo-fãs do DTS atual que mela qualquer rolê da atualidade. Até mesmo a nova geração arrancou lágrimas, eles existem e fazem acreditar que há vida no futuro da autêntica torcida, do autêntico acompanhar do movimento do motorsport ao redor do mundo, sem o pachequismo vigente de muitos.
Jhone, Vitor, Isa, Lari, tem meu respeito. Não é só rir com vocês, é aquela torcida saudável e analítica que a gente espera lá na frente, e um dia podem contar que a resenha estará com vocês numa reunião daquelas de encantar gente como os velhos que escrevem aqui.
A confraria! Enfim, teve tudo: a diretoria do G&M junta no mesmo lugar, irmãos abraçando irmãos, pizza com ketchup (para lágrimas do italiano), Rodrigo Mattar tão gente como a gente entre a análise e os versos musicais acompanhados pela red guitar do autodenominado pela mesa “Bob Ramalho”. Aqueles sábados que a calmaria da pizzaria é quebrada pela baderna necessária de todos nós.
Foi uma catarse, uma necessidade fora de qualquer contexto que fez feliz do dono da Fornalha ao tio do Jhone, imerso numa maré automobilística que tinha a mesma velocidade de virar curvas atrás do segundo final para mudar de assuntos, do veloz ao musical, do social ao aleatório. Eu mesmo nem percebia, a minha enxaqueca era um asterisco que não parava toda aquela verdade que nos rodeava.
Ao domingo, a carta final. Nem parecia o último dia completo. Sol a pino, a Zaratustra de Strauss, a chegada ruidosa dos bólidos até o estouro final. Um dia inteiro entre o contar ansioso para o fim da prova e muitos mais encontros, risadas, momentos de calmaria e contemplar do misto paulistano do esporte dominical e a calidez das residências e prédios distantes aguardado o eclodir de outra semana no horizonte.
Já encerrava o dia quando a adrenalina bateu no teto. Dudu Barrichello nos fez lembrar do pai no sábado e nos levou ao pelo final da voz no domingo, entre todas as hurras possíveis o empurrando ao pódio momento a momento. Michelle Gatting, loira de pé pesado e gana digna dos grandes, foi uma adversária a altura do garoto e fez o espetáculo completo, arrematado com o lance final.
Por fora, no lago, inapelável, Aldo perde as cordas que resta e a arquibancada mais racer desaba em vibração e ansiedade. Temos um brasileiro no pódio, o francês no microfone sorri emocionado nas palavras do Chicão de todos os domingos, a pista invadida e a vibração junto do velho Rubens Gonçalves, envolto entre lágrimas e sambadinhas passadas.
O beijo no solo sagrado arremata toda esta jornada de loucura e amizade. Na Esquina da Breja, a testemunha mais sorridente de um punhado de arrebatados arrematando com Queen a plenos pulmões a viagem vivida naqueles dias era a jovem Isabelly, que talvez tenha esquecido o escorregão do Timão em casa naquele dia e guardou consigo a lembrança daqueles doidos nos seus primeiros dias naquele lugar tão colorido, tão musical, tão veloz quanto a pista do outro lado.
No avião, fora todas as gratidões impossíveis de nominar em um parágrafo, certeza maior da experiência mais intensa vivida: não apenas da cidade que não dorme mostrando seu lado mais acolhedor possível, mas aquela de que a velocidade deslumbra e une as almas independente da ponta do país que elas venham, como uma gigante sala de faculdade em que o Brasil é feito.
Que o metrô pode ser o inferno semanal, mas deslumbra pelo seu plural.
Que um kit gripe sempre é importante ter a mão.
E que, morrer só se morre uma vez. As outras a gente vive, então viva todas.
Com os amigos, amigas, velocidade, Graining and Marbles!
1 Comments
Marcio,
Que pena o GP TOTAL não estar presente este ano em Interlagos.
Em compensação estamos sendo brindados por uma coluna solene
Clap
Clap
Clap
Fernando Marques
Niterói RJ