WITH A LITTLE HELP FROM OUR FRIENDS

“Heróis de vidro”
11/04/2003
A Verdadeira história das caixas-pretas
17/04/2003

EVIDÊNCIAS DO ACIDENTE QUE MATOU PEDRO RODRIGUEZ

Escrevo com referência à resposta publicada por vocês à pergunta feita pelo Paulo Roberto, do Rio de Janeiro, a respeito do piloto Pedro Rodriguez (“Pergunte ao GP Total”, primeira quinzena de fevereiro de 2003).

Sobre o triste, lamentável falecimento de Pedro Rodriguez em uma prova da categoria Intersérie disputada em 1971 em Norisring, o Panda escreveu: “O acidente foi involuntariamente provocado por um piloto alemão chamado Kurt Hild, que pilotava um Porsche 910”. Esta é de fato a explicação mais comumente mencionada para o acidente: os carros de Rodriguez e Hild teriam se tocado quando o primeiro colocava uma volta no segundo, e a Ferrari 512 dirigida por Pedro atingiu as barreiras de proteção em alta velocidade, matando o piloto. Por muitos anos eu também repeti esta versão da história em conversas com amigos.

Recentemente, porém, obtive informações de um fã dinamarquês que possui um arquivo considerável sobre a vida de Jo Siffert e Pedro Rodriguez – e estas elucidam melhor o acidente que vitimou Pedro (também recomendo visitar o excepcional site http://www.porsche917.com.ar, de Juan Gebhard, que possui dados interessantes). Na verdade o acidente não teve início em um toque entre a Ferrari dirigida por Pedro e o Porsche de Hild – que foi injustamente considerado por muitos culpado pelo acidente.

Ao que tudo indica o que se passou foi o seguinte: Rodriguez liderava as 200 Meilen von Nürnberg, pilotando a Ferrari 512M de propriedade do seu amigo Herbert Müller (chassis número 1044). Na décima segunda volta Rodriguez saiu do grampo à esquerda, no final da reta-curva que caracteriza o circuito urbano de Norisring, e despejou o acelerador, preparando-se para colocar uma volta no retardatário Kurt Hild.

Os comissários mostraram a bandeira azul a Hild. Este, um piloto de pouca expressão e que largara em uma das últimas posições, reduziu a velocidade de seu Porsche 910, colocando-o esquerda da pista. Rodriguez ultrapassou Hild pela direita, e então – em uma fração de segundo – tudo ocorreu.

O comissário Fritz Hössinger deu a seguinte entrevista ao jornal local Nürnberger Nactrichten: “Eu estava bem atrás do muro da ponte sobre a pista [nota por S. Chiappetta: trata-se da ponte para pedestres da Hans-Kalb-Strasse sobre a Beuthener Strasse] quando a Ferrari veio na nossa direção. De repente, um pouco antes da ponte, a roda dianteira direita bloqueou e o carro virou para a direita, onde acertou o guard-rail; a roda da frente foi arrancada. A Ferrari foi então jogada de volta para a pista, mas rodou de volta para a direita, onde atingiu a borda do muro da ponte. O carro foi jogado de volta para a pista, rodando uma vez mais, até parar do lado da pista”. Outras testemunhas confirmaram que a roda dianteira direita da Ferrari – provavelmente com o cubo quebrado, ou com uma falha completa de freios – estava praticamente desprendida do carro ainda antes do primeiro impacto.

A Ferrari de Rodriguez envolveu-se em chamas já no primeiro choque. Além disso, o depoimento de Hössinger não menciona, mas a Ferrari quase foi atingida pelo Porsche 917 do finlandês Leo Kinnunen, que seguia em segundo lugar. No último instante, e em momento de puro reflexo, Kinnunen jogou seu Porsche para o lado, livrando a Ferrari por uma questão de centímetros.

Hild, tendo sido ultrapassado também por Kinnunen e seguindo este de perto, não pôde porém evitar o choque com a Ferrari do pobre Rodriguez, e a atingiu em cheio. Se desde o primeiro impacto o acidente fôra brutal, este último choque foi como um golpe de misericórdia.

Considerando os padrões de segurança da época, Pedro foi retirado do carro com relativa rapidez – e ainda com vida, embora inconsciente. Entretanto, pouco se podia fazer pelo piloto mexicano: Rodriguez sofreu queimaduras em pelo menos 25% do corpo, teve os braços quebrados, fraturas múltiplas e complexas em ambas as pernas. O falecimento foi declarado cerca de duas horas mais tarde, sem que Rodriguez jamais tenha recobrado a consciência: a provável causa causa mortis foram as fraturas que Pedro teve na base do crânio. Terminou assim a vida do mais extraordinário piloto mexicano – “o piloto latino-americano mais destacado depois de Fangio”, como considerou a revista argentina Automundo de 31 de julho de 1971. Encerrava-se a dolorosa odisséia automobilística dos hermanos Ricardo e Pedro Rodriguez.

A confusão com relação à causa do acidente que matou Pedro Rodriguez pode ser explicada de diversas maneiras. Em primeiro lugar, as 200 Meilen vom Nürnberg eram uma corrida considerada menor, e a imprensa automobilística tinha poucos representantes cobrindo a prova. Muita gente escreveu matérias “de orelhada”, com o que “ouviram dizer”, e as semanas seguintes foram cheias de retratações e redizeres. Além disso, o acidente ocorreu em alta velocidade (estima-se que a Ferrari impactou o guard-rail a cerca de 250 km/h), com Rodriguez sendo atingido por um carro que acabara de ultrapassar – uma situação pouco comum.

Entretanto, o verdadeiro motivo que explica o fato de que muita gente acredita ter havido um choque (ou um desentedimento) entre Rodriguez e Hild reside no relatório sobre o acidente publicado pela comissão que o investigou, chefiada por H. Leistner. Esta comissão concluiu que “Kurt Hild não respeitou o sinal dos comissários, provocando o acidente. Hild corria a uma velocidade de 210 km/h, 40 a menos que Rodriguez. Um comissário de pista agitou a bandeira azul para indicar a Hild que deixasse o centro da pista e desse passagem a Rodriguez, porém não obedeceu a sinalização”. Esta comissão pediu a suspensão da carteira de pilotagem de Hild “pelo resto de sua vida”.

Hild, chocado com o acidente, protestou, dizendo ter dado passagem a Rodriguez e não ter tocado em sua Ferrari. Kinnunen – que, como vimos, seguia de perto a tudo – confirmou esta versão. Ao fim Hild não foi suspenso, mas sua reputação estava acabada. Mais tarde ficou claro que a comissão preparou um relatório corrido (divulgado à imprensa em menos de uma semana), com pouco critério científico e usando de toda linguagem para desculpar os organizadores ̵1; que, curiosamente, constituíam praticamente todo o corpo da comissão. Em uma época em que as discussões sobre automobilismo e segurança ainda eram incipientes, era mais importante encontrar um culpado que debater o que fazer para tornar o esporte menos brutal, isto não seria de todo surpreendente.

Ainda hoje, porém, muitos – como o Panda e eu, até recentemente – ainda acreditam que um “mal entendido” entre Rodriguez (um dos maiores pilotos de carros esporte de todos os tempos) e Hild (um desconhecido amador) tenham causado este terrível acidente, enquanto os fatos indicam que, provavelmente, uma falha mecânica o tenha deflagrado.

Espero ter colaborado com seu excelente site.

Abraços,

Sal “Muzza” Chiappetta
Eau Claire, Wisconsin, Estados Unidos

GPTotal
GPTotal
A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *