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DAYTONA, 1983: UM BRASILEIRO CONQUISTA A AMÉRICA

Por Marcelo Caram

Se hoje os amantes do motociclismo vêem no grande Alexandre Barros a chance do Brasil brilhar no mundo das duas rodas, nos anos 1980 esse nome era Antonio Jorge Neto, também chamado de Netinho ou simplesmente Neto. E ele brilhou! Cinco vezes campeão paulista (nas categorias 50, 125, 250 e 350 cm³), sete vezes Campeão Brasileiro (nas mesmas categorias) e bicampeão sul-americano (uma vez na 125 cm³ e outra na 350 cm³, nesta duelando com ninguém menos que o bicampeão mundial Carlos Lavado), Neto é antes de mais nada um apaixonado pelas motos. A julgar pela harmonia que existia entre ambos, as motos são apaixonadas por ele também. E foi esse amor que o levou à sua maior conquista, uma das maiores do motociclismo brasileiro: a vitória na 100 Milhas de Daytona em 1983 – uma prova para motos de 250 cm³ (as mesmas do Mundial) que reunia a nata do motociclismo europeu e norte-americano.

Sem nada mais a conquistar na América do Sul, Neto tinha como objetivo o Campeonato Mundial. Assim, em março de 1983, foi a Daytona disposto a vencer a corrida, usar isso como vitrine para fugir do “paitrocínio” e entrar em uma equipe de ponta no mundial.

A experiência de Netinho nesta prova se resumia a uma única participação em 1982, ainda pela equipe Shell-Yamaha. Nas primeiras voltas ele já estava em 4º lugar quando um dos lideres caiu e ele não teve como desviar. Nesse mesmo ano, Netinho participou de algumas corridas do Campeonato Mundial da 250 cm³. Mesmo sem patrocínio e correndo com uma Yamaha particular, conseguiu um 7º lugar no GP da Espanha e um 4º lugar no GP da Itália – a 9 segundos do vencedor e apenas 0s7 do 3º colocado, o francês Jean-Louis Tournadre, que no final do ano conquistaria o título mundial.

No final de 1982, a equipe Shell-Yamaha acabou e Netinho foi aos EUA na raça e na coragem: ele, o cunhado e gerente de equipe Luiz Carlos Menendez, o “Pato”, e o preparador Jacinto Sarachu. O pai de Neto, Jorge Antônio José, chegaria na semana seguinte. Por incrível que isso possa parecer nos dias de hoje, Netinho foi a uma concessionária Yamaha e comprou a moto de corrida! Essa operação (equivalente, por exemplo, a entrar em uma concessionária Volkswagen e sair de lá com um carro de Fórmula 3000 completo, pronto para competir) era bastante comum nos Estados Unidos naqueles tempos: o tamanho do mercado norte-americano possibilitava às fabricas (especialmente as japonesas) oferecer para pronta entrega suas motos especiais para competições de motovelocidade, motocross, enduro e trial.

Neto não corria de moto havia seis meses. Praticamente sem treinos (dera umas poucas voltas em um autódromo próximo, o de Moroso), Neto chegou a Daytona sendo considerado apenas mais um piloto aventureiro. Mal sabia a organização da prova que o piloto ao qual eles deram um box com chão de terra passaria por cima de todos os outros. Já nos treinos ele pode perceber que seus planos de vencer a corrida não estavam longe. Sabendo que o americano Jim Felice (piloto de fábrica da Yamaha EUA) era o franco favorito, Neto saiu atrás dele nos treinos livres e seguiu-o. O gringo acelerava mais e mais e o Neto ali, na boa, botando pressão no gringo.

Esse episódio seria de grande ajuda na corrida. Jim Felice não era piloto de fabrica à toa: em campeonatos americanos, já tinha corrido contra e vencido ninguém menos que o “King” Kenny Roberts. E não era só ele o cara a ser batido. Daytona era considerada a abertura da temporada mundial de motociclismo, disputada por todas as principais fábricas e pilotos (americanos e europeus).

A Yamaha tinha “acertado a mão” no modelo 1983 (250 TZ-K), que estava muito competitiva. Ainda assim, Sarachu trocou os freios, fez alguns ajustes na suspensão e colocou um novo cabeçote. Mas faltava o crucial: saber se o tanque levaria gasolina suficiente para completar a prova. Pela falta de treinos e estrutura, eles estavam às cegas neste ponto. E simplesmente não havia tempo de adaptar outro tanque a moto: eles chegaram aos EUA apenas 15 dias antes da prova. Foi então que Pato teve uma idéia que se mostraria salvadora: estufar o tanque! Sim, eles “tucharam” ar comprimido no tanque e este, como veremos mais tarde, “alargou” o suficiente para comportar a gasolina que faltaria para completar a prova.

Nos treinos oficias Neto foi bem, conseguindo a 12º posição de largada entre os 68 participantes que largavam. Os norte-americanos tinham um sistema diferente para determinar a posição de largada: incluía não só a melhor volta mas também a melhor velocidade final.

A largada em Daytona era dada com as motos ligadas, saindo enfileiradas lado a lado (igual a Le Mans). Imaginem o barulho e a fumaça no momento da largada! Era tanta fumaça que Neto não conseguiu ver a bandeirada e largou mal, saindo na base do “chutômetro”. “Na hora que o barulho ficou infernal eu pensei: é agora!”, lembra. O resultado dessa má largada foi a perda de umas 15 posições. Pilotando como um alucinado, Neto foi passando os pilotos à sua frente do jeito que dava. “Eu pensava: ‘Não posso perder essa chance, tem que ser hoje’”, recorda Neto.

Poucas voltas depois, o brasileiro estava atrás do líder Jim Felice. Olhou para trás, não viu ninguém e achou que já era, que os líderes já estavam longe. Mais algumas voltas e percebeu que estava em segundo lugar, na cola do grande favorito. Foi aí que o gringo sentiu a pressão e deve ter se lembrado dos treinos, quando viu um cara com uma moto completamente branca, de macacão branco e número 346 na cola dele, que andava com a moto de fábrica.

Felice começou a errar os pontos de frenagem, escapar, e Neto então ficou num dilema entre “cozinhar” o cara ou passar de uma vez. Lembrou-se então do ano anterior, quando um dos líderes caiu e ele foi junto. Não pensou mais, passou Felice e acelerou. E como acelerou! Bateu o recorde da pista cinco vezes, a última delas na antepenúltima volta!

Na última volta Neto pensava estar sonhando, sentia a vibração do público e não acreditava. Mas tratou de acelerar para não perder a concentração. Uma vitória que entrou para história do motociclismo brasileiro. Ao final da prova restava 0,8 litro de gasolina no tanque…

Após o final da corrida, todos se perguntavam: “Quem é esse cara?”. Entre outras coisas, os gringos descobriram que “esse cara” era brasileiro e que não tinham o hino do Brasil para tocar. Neto foi taxativo: “Sem o hino não subo ao pódio”. Não se sabe como, mas acharam o hino e a festa do pódio aconteceu.

Mas 1983 seria, infelizmente, o melhor e o pior ano da sua carreira. Neto recusou uma oferta para correr nos Estados Unidos por uma equipe profissional, visto que seu objetivo era o campeonato mundial. De volta ao Brasil, sofreu um gravíssimo acidente em Interlagos, quando se preparava para disputar o Mundial. Alguém fechou o anel externo de Interlagos e não avisou a equipe, pois já era final de tarde e Neto estava nos boxes. Devem ter “achado” que ele não treinaria mais. Neto saiu para mais umas voltas e na última delas resolveu usar o anel externo. Bateu a mais de 200 km na barreira de proteção – que ele não enxergou porque tinham colocado fogo no matagal ao lado do autódromo. Fraturas e mais fraturas, meses de fisioterapia e a temporada de 1983 se foi.

De 1984 a 1989, Neto sempre voltou a Europa para tentar correr no Mundial da 250 cm³. Mas a falta de estrutura impediu-o de atingir o seu grande objetivo: ser campeão mundial. Braço, talento, técnica e amor para isso não faltavam. Em 1985, Neto conseguiu juntar dinheiro e disputou a maior parte do Campeonato Mundial com uma moto espanhola, a JJ Kobas. Era um fabricante pequeno, mas cujas motos eram competitivas – equipes bem estruturadas conseguiram vencer corridas usando motos da marca.

Naquele ano, o badalado Freddie Spencer correu nas categorias 250 cm³ e 500 cm³, e venceu os dois campeonatos. Nas vezes em que Neto andou junto com Spencer, pôde perceber que freava 10 metros depois do norte-americano. Outro que conheceu quem era Netinho foi o tricampeão Anton Mang. Em Le Mans, durante treinos para o GP da França, Neto passou o alemão como quis – por dentro, por fora, a ponto do Mang ficar tão puto que na hora de sinalizar que ia entrar para os boxes ele não levantou a perna de lado (sinalização padrão que os pilotos fazem): ele CHUTOU Neto. Por sorte a entrada dos boxes ficava logo após uma curva. Neto deitou ainda mais a moto e foi embora!

Em uma dessas idas à Europa, mais precisamente em 1982, Neto levou provavelmente o único tombo em que o piloto não se preocupou nem consigo mesmo e nem com a moto. Ele se preocupou mesmo foi com a grana que levava no macacão – nada menos que um polpudo maço de dólares! Naquela época, o Brasil não tinha cartões de crédito internacionais (o governo proibia, como forma de conter a remessa de dinheiro para o exterior) e Neto estava sozinho na Itália com toda essa grana no bolso – seu cunhado havia ido à Áustria para buscar uns motores. Sem ter uma pessoa de confiança para deixar o dinheiro, Neto escondeu a grana no macacão e foi para a pista treinar. Levou um tombo, o macacão rasgou e o dinheiro saiu voando. Enquanto rolava no chão, só pensava na grana! Não, ninguém roubou Neto – pelo contrário, os bandeirinhas ajudaram a catar o dinheiro.

Infelizmente a falta de estrutura (paitrocinio tem limites) impediu Neto de fazer uma temporada completa com uma moto competitiva. Isso acabou não só cansando, mas também fazendo com que o tesão e o amor pelo esporte fossem diminuindo. Neto admira Alexandre Barros justamente pela capacidade de, após tantos anos de carreira, subir numa moto com o mesmo amor que tinha quando começou. Neto o define como “carne de pescoço”, aquele cara f…da de passar, que você não quer atrás de si de jeito nenhum. Tem certeza que Alexandre será campeão do mundo assim que tiver moto, pois braço, raça e determinação para isso não lhe faltam.

Hoje, Antônio Jorge Neto corre na Stock-Car V8 brasileira e alimenta seu tesão pela velocidade correndo sobre quatro rodas. “Fiquei velho e coloquei mais duas”, brinca.

“É a mesma coisa?”, perguntei.

“De jeito nenhum. A moto e eu éramos um só, uma coisa que não tem como explicar. Levar uma moto ao limite para mim era natural, era quase como se não houvesse limite, chegava a assobiar dentro do capacete para o cara da frente. Não que estivesse desrespeitando o adversário, tenho o maior respeito por todos os pilotos de todas as categorias do esporte a motor, pois sei como é difícil chegar lá. Simplesmente o meu limite era maior que o dos outros. Diversas vezes pediram para ‘ir de leve’, mas eu ria quando falavam isso, pois sabia o que estava fazendo. Essa é a questão: quando a gente sabe o que está fazendo, não tem razão para ter medo”. Palavras de um campeão!

Marcelo Caram (Campinas-SP)

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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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