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ACIDENTES DE TRABALHO
12/05/2004
Senna, no começo
17/05/2004

ACIDENTE VISTO POR DENTRO

Ricardo Mercede, o Mike, foi piloto de Stock Car em 1982. Naquele ano, ele montou uma equipe com patrocínio da Basf, em que ele mesmo era um dos pilotos. O outro carro teve como pilotos Hélio “Horácio” Matheus e, depois, o lendário Luiz Pereira Bueno. Por razões diversas, a equipe acabou no final do ano. Mercede ainda correu na Mil Milhas de 1983, conquistando o 2º lugar na classificação geral dividindo um Opala com Dedê Gomez e Luiz Evandro Águia.
A seguir, Mercede relata todos os detalhes de um acidente… Por dentro! (Luiz Alberto Pandini)

E aí, MIGUELITO!!! Quanto tempo, hein, cara? Que prazer enorme ler uma coluna sua . Tenho acompanhado seus trabalhos, parabéns, são magníficos. Como é bom ver um amigo dar certo, te conheci no começo de tudo,lembra? Como você batalhou! Sou testemunha. Sempre lembro de você e sinto saudades, afinal, você era um dos poucos caras legais naquele ninho de cobras e acompanhou todo o meu martírio. Mas valeu !!!

Bom,agora vamos ao que interessa… Já matei a saudade, já joguei confete, agora vem a porrada …Você continua MÃO DE VACA… Vi sua história sobre a decolagem do Mercedes em Le Mans. Você não tem vergonha de contar essa puta história e colocar SÓ UMA foto? Enfia a mão nesse arquivo!!! Põe a seqüência completa! Afinal de contas,faço parte da sua experiência e não foi a primeira decolada que você viu na vida: esse titulo acho que é meu.

Lembra no Rio em 1982? Só que lá você chegou atrasado e pegou só o resultado.Vou aproveitar que estou com a mão na massa e contar essa história.
Era a segunda prova do campeonato,em 18/04/1982. Quinze dias antes, tivemos uma estréia desastrosa em Brasília e tínhamos esperança de fazermos bonito no Rio. Chegamos cedo, na terça-feira estávamos no autódromo com a corda toda, com o intúito de treinarmos bastante e acertarmos as “baratas”. Na quarta andamos o dia todo e começou a chegar o pessoal. Na quinta já estava todo mundo e nada de vir tempo. Naquela época,o Paulão (Paulo Gomes) e o Jaime Silva (já aposentado, mas que preparava os carros do Affonso e do Zeca Giaffone) costumavam alugar o carro reserva quando eles mesmos não usavam. E nós, andando direto…

Certa hora olho no espelho e vejo um carro da equipe Coca-Cola. Imaginei que era o Paulão ou o Capeta (NDR: João Carlos Palhares) e pensei: “È agora…”. Nos treinos eu não me preocupava em não atrapalhar: queria medir forças pra ver o tamanho do charuto na corrida. Mas, desta vez, nada do cara passar… Aí me entusiasmei e desci a botina na barata. Dali a pouco dei uma marcada na curva Norte e o cara me passou no meio da reta. Quando olhei, vi que era o Alex Dias Ribeiro. Nem sabia que ele iria correr… Engatei na bunda dele (na pista, é claro) e nada dele ir embora. Andamos um monte de voltas, eu estava adorando aquela folia, por mim estaria até agora naquele racha…

Quando terminou o treino, cruzei com o Alex e perguntei se ele tinha gostado e se iria correr. Ele virou-se pra mim e disse: “Tá louco? Isso é uma cadeira elétrica!”. Aí caí na real outra vez. Bom,acabaram alugando a “cadeira elétrica” para o “Mequepê” (Manuel Queiroz Pereira), irmão do “Pequepê” (Pedro Queiroz Pereira, piloto português que correu na Stock Car brasileira entre 1980 e 1985). O Mequepê estava no Brasil visitando o irmão e nem imaginava que iria participar de uma prova de Stock. Veio acompanhando um outro português que tinha alugado um carro, da equipe do Reinaldo Campello.

Acabei largando lá atrás, ao lado do Mequepê. Como havia muitos carros (largariam 32), a organização resolveu que o grid seria em frente ao box, mas a largada seria no retão. Não gostei da novidade: embora a primeira curva do lugar habitual fosse mais fechada e estreita, no fim da reta principal chegaríamos muito mais rápido. Pensei: “Isso não vai dar certo…”. E não deu outra: saiu um sauceiro daqueles, era carro pra todo lado, fumaça e poeira…

Não me pergunte como, mas saí ileso. Quando vi,o Mequepê estava na minha frente. Como o acidente tirou alguns e outros se atrasaram, estávamos até que bem e assim fomos. Ele tinha um pouquinho mais de motor que eu, mas estava meio perdido com o “Stocão” – era piloto de rally em Portugal. No miolo eu era mais rápido e na reta ele dava uma abridinha mixuruca. Pensei: “Vai ser na freada da Norte: dou uma cercada nele na reta e, se eu conseguir fazer a Sul na frente, ‘um abraço pro gaiteiro’, como diria o Edgard Mello Filho.

E assim fomos fazendo nossa corrida. Fui estudando e não tinha mais dúvida que teria que ser na Norte. Uma hora saí da Pace engatado nêle e pensei: “É agora!”. Esticávamos a terceira, púnhamos a quarta na tomada do Cheirinho e pé embaixo até a freada da Norte. Como ele tinha um pouco mais de motor que eu, dava uma abridinha de leve – mas normal, tudo sob controle.

O Ingo não vinha muito bem e acho que estava em quinto ou sexto quando explodiu o motor exatamente na tangência do Cheirinho. Atrás dele vinha o Campello, que escorregou no óleo do Ingo, encheu a zebra e decolou. Campello passou por cima do guard-rail, bateu nas telas que cercavam o autódromo, deu um cavalo de pau no ar e ficou atrás do guard-rail virado pra pista. Atrás do Campello vinha o Sidney Ardito. Não sei como, o cara saiu rodando pra dentro da curva. Atrás do Sidney vinha o Bolão (Waltemir Spinelli), que saiu reto e deu “meio de frente-meio de lado” no guard-rail, bem no lugar em que estava o carro do Campello.

Atrás do Bolão vínhamos o Mequepê e eu. No calor da disputa, ninguém viu nada, nem o óleo nem os carros já batidos. Quando o português escapou, pensei: “Legal!”. Mas antes de terminar de pensar eu já estava no sufoco: o português saiu reto e encheu a traseira do carro do Bolão, que já estava parado. E eu enchi a zebra e decolei… PQP (não é piloto…), que susto!

Tudo acontece tão rápido e ao mesmo tempo dura uma eternidade. Naquele ponto estávamos em quarta a quase 5.000 giros. Calculo que estivéssemos por volta de uns 160 km/h. Quando me vi no óleo, “alicatei” com tudo, o motor apagou e foi aquele silêncio demoníaco… Deu pra escutar o barulho do vento, me senti na sala de espera do inferno. Do momento em que entrei no óleo até bater pensei tanta coisa… Lembrei do cinto de segurança que não estava bom: o Chiquinho Lameirão estava fabricando e o meu era um dos primeiros. Mas estava com defeito, nos treinos Ele soltava sozinho e eu me sentia num salão de festas, tinha que parar para atá-lo de novo. Quando eu estava ainda na sala de espera, pensei: “Essa merda vai soltar e eu vou me quebrar todo”. Mas felizmente o cinto resolveu colaborar e segurou a bronca.

Bom, aterrissei na coluna traseira direita do carro do português. Se não fosse o santantonio ele teria se dado mal, porque chegou bem perto dele. Fiquei lá em cima esperando alguém bater em mim. Demorou muito, ninguém bateu e eu achei que poderia pegar fogo, aí saí lépido. O Campello já tinha deixado o carro e correu pra pista pra avisar quem vinha, porque bandeirinha que é bom só tinha na Norte e ele, vendo todo aquele sauceiro, nem se abalou.
Entre mortos e feridos salvaram-se todos. Nessa prova o meu parceiro ainda era o Horácio (Hélio Matheus). Fez um corridão, disputou a corrida toda com o Dado Andrade, Paulinho Valiengo e Edson Yoshikuma e ganhou deles. Foi o primeiro ponto da equipe no campeonato.

Bom, por hoje chega, acho que me estendí demais. Depois tem outra. Abraços a todos.

Ricardo Vassilakis Mercede, Ourinhos-SP

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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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