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Veja as últimas respostas do Ricardo Divila, projetistas de vários carros de Fórmula 1, ao nosso leitor Gustavo Giroti Biajoli. Na semana passada, 9/10, publicamos as primeiras perguntas.

Gustavo – por onde anda Ralph Bellamy? Ele tinha uma personalidade difícil? E o Caliri? Por que não assumiu nenhum projeto se ele estava sempre acompanhando a equipe? Ele era “gente fina”? Sei que você não vai “queimar” os caras, mas só por curiosidade!

Divila – O Ralph esta semi aposentado, de volta a sua terra natal, onde continua trabalhando em corridas, com a BMW no campeonato de turismo australiano. O Caliri é atualmente diretor técnico na Maserati, deve se aposentar no fim do ano. Quanto a assumir projetos, a maior razão pela qual foi contratado por nós é que tínhamos necessidade urgente de mudar a carroceria do F5 e não havia disponibilidade de subcontratantes de fibra na Inglaterra, o mesmo para trabalho de fundição. Para fazer o trabalho no Brasil, só a logística e o tempo de reação atrapalharia muito, pois tínhamos urgência, visto os problemas do F5.
O Giacomo, que tinha um “studio” de consultoria automobilística baseado em Modena e no qual trabalhavam, à noite, muitos desenhistas da Ferrari que faziam “bico ” para arredondar o orçamento de fim de mês. Além disso, tinha acesso a um grande número de fornecedores na região de Modena que, como trabalhavam só com a Ferrari, Maserati e Lamborguini, tinham mais capacidade naquela época do ano que os fornecedores ingleses, sempre ocupadíssimos com as equipes de F1 inglesa, mais os sport-protótipo, F2 F3 etc.

Quanto ao caráter individual, o Ralph era realmente difícil. Não era um grande projetista em idéias (concepção) mas um ótimo desenhista em prancheta… Seus desenhos eram incrivelmente bem executados, não tinha um conhecimento de dinâmica de veículos ou de aerodinâmica muito bom , nem de estruturas. O bom é que vinha da Lotus, que estava um passo a frente de todas as outras equipes, como a Ferrari hoje (cada vez que digo Ferrari como o top da f1 dou risada, pois me acostumei por quase 20 anos de os ver como alguém muito bom em motores mas zero a esquerda em chassis e aerodinâmica… Se bem que o núcleo pensante hoje é a escola inglesa).

O Caliri era o típico italiano, boa companhia, mas também um pouco da velha escola, não muito técnico, mais “fuçador”, bom em estilo de carroceria e desenho de formas, mas o engenheiro de verdade do studio era o Luigi Marmirolli, que depois foi o diretor técnico da Alfa Romeo F1 (época que eram patrocinados pela Beneton). Continuo muito amigo dos dois e nos vemos todos os anos quando passo pela Itália e, é lógico, em contato quase semanal por email.

Gustavo – O Copersucar 6 rodas chegou a sair do papel?

Divila – Não. Foi um pouco uma tentativa de seguir o que poderia ser uma inovação que funcionasse, uma espécie de pre-projeto, mas já naquele período a Goodyear avisou que não tinham como desenvolver muito o pneu e todos que estavam trabalhando em projetos semelhantes deixaram por isso mesmo. Além do mais, nos demos conta que o Shahab Ahmed, que se tinha vendido como um dos principais desenhistas da Tyrrel, não tinha o nível de engenharia para se ocupar do projeto. O Ralph também foi um pouco o mesmo caso, obviamente com um nível técnico mais alto; tinha se vendido para nos como um dos principais projetistas da Lotus “asa” , quando na base era um dos desenhistas, seguindo as ordens de Peter Wright e também David Baldwin, que tinha trabalhado na Lotus 72 e 76 e que tinha feito uma cópia na Ensign. Ele também se vendeu a nós como um dos principais projetistas da Lotus. Faz parte da nossa natureza pensar que quem vem de fora é melhor… Hoje, com os anos que tenho no meio, posso dizer que esta percepção ainda existe. É hora de pichar menos o Brasil e acreditar mais no que podemos fazer, tentar melhorar o que temos. Não falta capacidade nem vontade, falta muito educação e respeito próprio.

Gustavo – Você sabe onde podemos ver alguns carros da família Copersucar+Fittipaldi?

Divila – Há muitos correndo na Europa, nos campeonatos de carros históricos. Também alguns nos Estados Unidos, inclusive o único F9. No Brasil, é o Pandini quem sabe!

Gustavo – Quem desenhou o F-5A foi o Caliri? Foi inspirado no Lotus MKIII? o Bellamy ajudou?

Divila – É, vejo que santo de casa não faz milagre… A suspensão foi minha, com assessoria do Marmiroli, a aerodinâmica do perfil asa também (a Fly Studio não tinha nenhuma experiência pois haviam trabalhado com a Ferrari, que tampouco tinha experiência por terem um motor “boxer” como o VW, o que dificulta muito as “asas”). O Giaccomo se ocupou da forma externa (parabrisa , bico, capô do motor) e a coordenação com os fornecedores locais. Foi uma das minhas memórias mais simpáticas os meses que vivi e trabalhei lá, ” al ambra del Guirlandein”, a torre no centro de Modena, uma bela e ensolarada cidade da Emilia Romagna, berco do automobilismo italiano e uma cidade que sabe viver bem, ótimos restaurantes e belas “ragazzas”… uma mudança imensa do parque industrial de Slough na cinza Inglaterra e os sanduiches de rosbife… O F5A não teve muita conexão com a Lotus, aparte a evidente idéia do carro asa.

O Ralph veio trabalhar conosco no começo de janeiro, logo antes do GP em fevereiro, recebeu muita publicidade pois na sua primeira corrida com a gente chegamos em 2o mas o único trabalho que fez no F5A foi a implantação do sistema de óleo que mudamos com o tanque de óleo novo do motor. A partir dai se ocupou mais do futuro F6, a nossa cruz.

Gustavo – O Derek Garner chegou a ser cogitado para projetista em 78?
Divila – No meio da Fórmula 1, sempre se conversa com o pessoal das outras equipes, mas nunca foi aventada seriamente essa hipótese. Muitos anos mais tarde (1998) o contratei para trabalhar como consulente para a Nissan na área de câmbios, sua especialidade (sabia que ele havia trabalhado no projeto da Ferguson, o único Formula 1 tração nas quatro, que ganhou um grande premio extra campeonato, com o Stirling Moss, nos anos 60?) e nos tornamos ótimos amigos, outro dos grandes “gentlemen” do automobilismo… Vinha a Nissan com um terno três peças e gravata. Esta hoje na faixa dos 70 anos, tenho inclusive uma dele com um boné Nissan vestido ao contrario, estilo “rapper”, resultado de uma aposta que fizemos a respeito do campeonato superturismo.

Gustavo – qual dos projetistas-chefes da equipe mais escutava, dava mais liberdade de criação para o senhor: Philiphe, Baldwin, Caliri, Bellamy, Postlewhaith?

Divila – A minha posição na equipe sempre foi a de diretor técnico. O que tínhamos eram ou consultores, como o Phillipe e o Caliri, ou projetistas, como Baldwin e o Bellamy. A única diferença foi na época da compra da Wolf, quando assumimos o Postlethwaite como diretor técnico e eu passei para a área de pesquisa e desenvolvimento e projetos futuros. Já naquela época, estava se tornando evidente que o tamanho e a forma de trabalho da Fórmula 1 estava passando da fase de equipes relativamente pequenas, onde uma pessoa era diretor técnico, projetista e desenhista, para não dizer também, engenheiro de pista e engenheiro de pesquisa e desenvolvimento.

Era um começo de reestruturacao em vista de uma nova maneira de trabalhar. Na mesma época, com a aquisição da Wolf, havíamos passado de 38 pessoas a 72, quase dobrando nossos efetivos, e foi lá que comecei a trabalhar em desenvolvimento com fibra de carbono, o projeto do monocoque inteiro em carbono, simulação em computador e dinâmica de veículos também em simulação , e os primeiros esboços de CAD (Computer Aided Design).

Lá também esta o começo da equipe de teste e desenvolvimento com o pessoal distinto, separado da equipe de corrida que fazia tudo anteriormente. Pena que logo em seguida tivemos a crise do petróleo e os problemas da economia brasileira que nos estrangulou economicamente.

Costumava trabalhar com todos eles trocando idéias e trabalhando em conjunto. A única coisa do qual me arrependo é de ter as vezes aceitado certas idéias ou concepções de projeto, mesmo contra os meus instintos, na crença de que vinham da Lotus ou da Ferrari e que a experiência deles era mais valida…


Gustavo – Os Fittipaldi chegaram a convidar Piquet para testes em 78? Pergunto porque o carro era legal, o piloto novato também. 

Divila – Se discutiu em geral, não sei se foi convidado oficialmente mas o Nelson sempre fez o seu caminho sozinho, e até que não se deu mal!

Gustavo – O senhor é brasileiro?

Divila – Senhor não – isso é coisa de velho! E sou brasileiro, paulista e paulistano. Ainda hoje, em todos os campeonatos ou corridas que participo, sempre tenho a bandeira brasileira nos meus fones de ouvido. Vamos ver se a nova geração vai me dar razão de ter orgulho do Brasil. Ultimamente está difícil… Está na hora de dar um jeito na bagunça. O Brasil tem muito do que se orgulhar.

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