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PODE MAIS… QUEM MAIS TEM

Manuel Blanco

Nos últimos anos, a Ferrari vem exercendo um domínio que a ninguém deixa indiferente e não é raro ver opiniões diversas sobre os motivos alegados para tal superioridade.

Para encontrar uma explicação desprovida ao máximo de subjetivismos, tentei buscar uma espécie de relação causa-efeito no rendimento apresentado pela Ferrari, a partir de 1989, em comparação com as outras duas grandes equipes da F1 – McLaren e Williams. Tratei de achar alguma relação entre a competitividade apresentada por estas equipes e as circunstâncias e contexto em que essa competitividade se manifestava.

Para ter uma referência visual do comportamento dessas equipes, fiz um gráfico representando a percentagem de pontos conseguidos por cada uma delas sobre o total possível, usando o sistema que atribuía 9, 6 , 4, 3, 2 e 1 pontos aos seis primeiros colocados.

Uma simples olhada ao gráfico já suscita curiosidades e, na continuação, apresento as minhas conclusões sobre o acontecido nesses anos, tendo a Ferrari como referência e dividindo essas 15 temporadas em 4 períodos que me parecem bem definidos.

O primeiro período vai de 89 a 92 e é o que apresenta uma forte decadência da Ferrari. 89, seria o último ano de John Barnard na equipe e primeiro de Baldisseri. Depois de uns anos medíocres, Barnard tinha conseguido que a Ferrari voltasse a ser competitiva e, em 90, mesmo que ele já não estivesse na equipe, o seu modelo 641 permitiu a Prost lutar pelo título com Senna. Nesse ano, entram na equipe os engenheiros Nichols, Mazzola e Almondo, e sai Scalabroni. Em 91, entra Lombardi, mas a anarquia já tinha tomado conta da equipe e a sua eficiência cai rapidamente. No fim de 91, a Fiat designa a Luca Cordero Di Montezemolo para dirigir a equipe, mas 92 ainda registra uma nova caída, que leva a equipe ao seu ponto mais baixo. Os engenheiros Lunetta e Taylor entram na Ferrari.

Enquanto isso, a McLaren continua dominando com o motor Honda até 91. 92 seria o último ano dos japoneses na McLaren. A Williams, contrata a Newey em 90 e o FW14B se mostra muito competitivo com a sua suspensão ativa e o motor com válvulas pneumáticas, lançado pela Renault em 92, da à equipe a primazia na Formula 1.

O segundo período analisado vai de 93 a 196, e é o da recuperação da Ferrari. No fim de 92, Montezemolo chama de volta a Barnard e contrata Jean Todt para ocupar-se da direção esportiva da equipe (algo que Todt já tinha feito com sucesso na Peugeot). Entra o engenheiro Ryton. 93 já mostra uma discreta melhora da Ferrari.

A McLaren, que vinha perdendo rendimento, passa a usar o motor Ford (93), porém na sua versão mais pobre e os resultados são pouco satisfatórios e, em 94, com o motor Peugeot, a equipe apresenta um rendimento ainda mais medíocre. A Williams vê o seu domínio freado pela FIA, que proíbe a suspensão ativa em 93. Em 94, Senna perderia a vida em Imola, alterando os planos da equipe.

94 seria um ano crucial na recuperação da Ferrari. É contratado Osamu Goto, responsável pelos admirados motores Honda. Para reforçar ainda mais o departamento de motores, Todt também contrata a Gilles Simon e Paolo Martinelli. Nichols sai da equipe mas entram Coughlan, Brunner, Sala e Fleming. A FIA decide proibir as ajudas eletrônicas e Williams e McLaren são as mais prejudicadas.

Logo o talento de Barnard e a disciplina imposta por Todt começam a dar os seus frutos e a Ferrari melhora bastante nesse ano. Em 95 e 96, a equipe mantém o seu nível e incorpora os engenheiros Ascanelli, Toet, Fainello, Atzori, Czapski e Costa (que passaria a ter um papel destacado na equipe como chefe de projetos). M. Schumacher entra em 96 e Marlboro e Shell começam o seu patrocínio.

McLaren chega ao seu ponto mais baixo em 95, ano da estréia do motor Mercedes, mas já começa a melhorar em 96. A Williams recupera o seu domínio com o excelente motor Renault RS8 montado no FW18, último carro desenhado por Newey para a equipe.

A FIA, estabelece os motores de 3.000 cm3 em 95 e eleva o peso mínimo dos carros a 595 Kg e a 600 Kg em 96.

O terceiro período vai de 97 a 2000 e se caracteriza pela ascensão que a Ferrari experimenta. 96 foi o último ano de John Barnard na Ferrari e Todt, consciente da importância que a saída de Barnard teria no futuro desenvolvimento técnico da equipe, toma a decisão de contratar a Braun, Byrne e Tombazis da Benetton, pois eles já tinham conseguido grande sucesso na equipe britânica, continuando o trabalho iniciado por Barnard (os engenheiros Taylor, Coughlan, Fleming, Ascanelli e Czapski, contratados anteriormente, também tinham trabalhado com Barnard na Benetton). Todt reforça ainda mais o departamento de motores contratando o engenheiro D’Agostino, pois Goto vai para a Sauber, que a partir de 97, receberia os motores Ferrari.

97 é o ano em que a Marlboro deixa a McLaren e concentra todo o seu patrocínio na Ferrari. Com recursos em abundância, Todt ordena construir um novo túnel de vento e contrata os aerodinamicistas Short (99) e Allison (2000). Também entra o engenheiro Gundel, especialista em eletrônica que vem da McLaren- para trabalhar com Roberto Dalla.

98 resultaria ser um ano crucial no destino das três equipes. A Williams, perde os motores Renault, pois os franceses decidem sair da F1, e a caída de rendimento da equipe é ostensiva. Também surpreendente é a ascensão da McLaren, que passa a contar com Newey e com os pneus Bridgestone. A FIA tinha estabelecido um novo regulamento que exigia que os pneus deviam ter sulcos e que os carros fossem mais estreitos e a Bridgestone se adaptou perfeitamente à situação. Porém, a alegria da McLaren duraria pouco pois, em 99, a Bridgestone passa a fornecer os seus pneus também à Ferrari, dando-lhe um trato preferencial, o que lhe permite ganhar o título de construtores. A Williams continua sofrendo da falta de um bom motor e, em 2000, passa a usar o propulsor da BMW.

O último período, começa em 2001 e mostra o domínio exercido pela Ferrari desde então. A equipe italiana está comodamente situada no cume e McLaren e Williams não representam ameaça. Todt segue reforçando a equipe com a contratação dos engenheiros Dyer, Colli, J.J. His (vindo da Renault) e o aerodinamicista Iley.

A McLaren, além de perder o favor da Bridgestone, sofre a proibição da FIA de utilizar o berílio no motor e o seu rendimento cai subitamente. Williams passa a calçar pneus Michelin, que voltam à F1 em 2001.

Enquanto isso, a Ferrari segue alheia ao que acontece “lá embaixo” e, em 2002, aumenta ainda mais os seus recursos com o patrocínio da Vodafone, o gigante das telecomunicações. Esse mesmo ano, a Ferrari é acusada de violar o regulamento com os seus defletores flexíveis mas, no fim, tudo fica por isso mesmo.

Em 2003, parece haver um reagrupamento entre as três equipes mas foi só uma ilusão devida aos pneus irregulares da Michelin que equipavam McLaren e Williams. Quando deixam de ser utilizados, tudo volta à “normalidade”. Em 2004, a FIA estabelece que os motores devem ter maior autonomia e, uma vez mais, a Ferrari é a grande beneficiada, pois eles já tinham o motor mais fiável.

Como vemos, parece haver uma clara relação entre a competitividade das três equipes a as condições em que tiveram que desenvolver-se. Na minha modesta opinião, há três fatores que influenciaram decisivamente no rendimento da Ferrari: o primeiro, foi a entrada de Todt e o regresso de Barnard. O segundo, foi a entrada de Goto e o terceiro foi a entrada da Bridgestone.

Os efeitos destes três fatores foram sucessivos e acumulativos, melhorando aequipe um após o outro de maneira continua e inexorável. O talento de John Barnard, ao estabelecer os alicerces técnicos da equipe, foi fundamental no seu ressurgimento e posterior progresso, e a decisão de Jean Todt de aproveitar isso, contratando gente que havia trabalhado com Barnard, foi simplesmente genial e permitiu que o projeto avançasse sem ruptura, convertendo-se o francês no verdadeiro artífice da estabilidade desfrutada pela equipe nestes anos. A grande maioria dos engenheiros que passaram pela Ferrari tinham trabalhado com Barnard e a maioria deles ainda segue na equipe.

Com Osamu Goto, a Ferrari teve acesso ao segredo da superioridade dos motores Honda e logo se beneficiou disso. Os motores italianos que normalmente já eram muito bons, passaram a ser excelentes e com uma fiabilidade jamais vista. Quando a Sauber passou a receber esses motores, Goto foi para lá também, talvez para vigiar que nenhum estranho ponha a mão neles.

Enquanto à Bridgestone, pouco pode ser dito. Os seus pneus simplesmente são os melhores e desenvolvidos em íntima colaboração com a Ferrari e para a Ferrari. Neste caso a relação causa-efeito é claríssima, pois o período de domínio da Ferrari coincide com a presença do pneu japonês.

Por último, não devemos esquecer que tudo isto não teria sido possível sem contar com generosos patrocinadores. As milionárias injeções de capital da Marlboro, Shell, Vodafone etc., fizeram realidade reunir uma numerosa e eficiente equipe de engenheiros e dotar-lhes do melhor equipamento disponível para o seu trabalho. A presença de bons pilotos foi o aditamento perfeito para toda a estrutura construída e M. Schumacher, adaptou-se perfeitamente a essa estrutura. Muito se comenta sobre os intermináveis testes que Schumacher leva a cabo na equipe, o que realmente é admirável e diz muito em favor da profissionalidade, perseverança e vontade de superação do alemão. Porém, devemos ter em consideração que fazer isso demanda respeitáveis somas de dinheiro e, se os outros pilotos não fazem o mesmo, é por falta de recursos, pois não creio que seja por falta de vontade.

Em resumo, me parece que o sucesso da Ferrari representa a confirmação do velho ditado popular que diz : “Pode mais… quem mais tem”.

Manuel Blanc
GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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