O comércio e o esporte
É, meus caros Edu e Panda…
Parece que nos últimos tempos vocês vêm fazendo comparações entre a CART, a IRL e a F1, pendendo sempre a favor desta última, por vários fatores. Além disso, li em resposta a uma carta que o Rubinho seria o melhor piloto brasileiro em atividade, por estar na F1, por ter inapelavelmente batido o Schumacher em duas corridas, etc. e etc…
Enfim… eu discordo em algumas coisas.
A respeito da CART, da IRL e da F1, é meio forçoso compará-las mas, sinceramente, eu prefiro fazer uma comparação entre a F1 atual e a F1 dos anos 70 que, apesar de eu ter 29 anos de idade, cheguei a conhecer pela televisão e foi a F1 que eu conheci.
Sinceramente, por mais lindo que seja ver uma Ferrari vermelhinha recebendo a bandeirada a cada corrida ou era lindo ver aquela super McLaren recebendo a bandeirada a cada corrida em 1988, eu acharia mais lindo um campeonato mais divertido e disputado, com as equipes mais equilibradas e vários pilotos em condições de vencer corridas.
Essas superioridades tirânicas geralmente, dependem muito mais do carro do que do piloto… Todos os pilotos que estão na F1, ou pelo menos a maioria deles, podem ter credenciais para ser campeões, bastando que estejam com os carros certos (Damon Hill, em 1992, sofria na pré-qualificação com o Brabham em seu canto de cisne… para, apenas dois anos depois, ter um título arrancado das mãos por aquela batida do Schumacher… e, pois é, o Schumacher, mesmo que incontestavelmente seja o superdotado Grande Senhor do momento, conquistou um título dos seus cinco e tentou conquistar outro custasse o que custasse, na base da força). Enfim, é muito estranho. Certas coisas acontecem de forma muito artificial na Fórmula 1 e não aconteciam assim no passado.
Outro dia eu estava notando que anda muuuuito, muuuuuito difícil entrar na categoria, mesmo para os pilotos que se destacam nas fórmulas de acesso. Tem neguinho vencendo, vencendo e vencendo nas F3 e na F3000 e acaba ficando sem chance na F1, não por demérito seu, mas porque a categoria não anda mais abrindo suas portas ao talento… que, se existir, deve ser preferivelmente acompanhado por um gordíssimo patrocínio, interesses ocultos (sobre os quais falarei a seguir), ou um quem-indicou (talvez ser filho de ex-campeão ou ex-piloto queridinho possa ajudar)… caso claro, Michael Schumacher, cuja entrada na F1 se deu por uma porta meio que arrombada. Enfim, as categorias européias de acesso andam meio sem sentido… provavelmente existam apenas para engordar a já morbidamente obesa conta do Tio Bernie.
Engraçado também que muita gente anda entrando na F1 nofrescor dos seus 19, 20, 21 anos, e parece que isso virou moda. Neguinho que nem bem tirou carteira de habilitação pra dirigir na rua, mas já conta com uma imensa quilometragem em kart, f-Renault e afins, já vai direto pra elite. Antigamente, havia um ou outro jovenzinho entrando na F1 (Emerson foi um, com 23 anos), mas a média de idade dos novatos era maior, eles ralavam mais, e esse quesito, pelo menos no que diz respeito a vencer, não significa muito. Damon Hill, ele de novo, entrou na F1 com 32 anos e conseguiu seu título com 36 (Paradoxalmente, nisso ele se assemelhou ao pai Graham, que estreou aos 29 anos e permaneceu competitivo na F1 até os 40).
Agora me permitam causar polêmica e, mesmo que vocês discordem e caiam em cima de mim, a F1, mais do que ser artificial, se fundamenta muito mais em questões comerciais do que desportivas. Certos pilotos acabam obtendo chances muito mais pelas POSSIBILIDADES COMERCIAIS DE EXPLORAÇÃO DE SEU NOME E IMAGEM do que por seu talento ao volante… ora, há bons pilotos de sobra em comparação às vagas que a F1 oferece. E, convenhamos, a F1 é uma máquina de fazer fortunas para seus dirigentes, é um sistema publicitário forte para várias empresas, é um laboratório para a indústria automobilística expor seus avanços tecnológicos que em breve serão implantados nos carrinhos de rua, etc. e etc…
Então, se um piloto serve como chamariz para que algum filão gorducho do mercado seja aberto, ele pode ser bem-vindo… mesmo que não guie lá essas coisas. Ou que guie muito bem, mas esteja de aventureiro, com a cara e a coragem. Na minha opinião, Emerson Fittipaldi se prestou a esse caso, de uma certa forma. Não obstante suas qualidades de piloto, que nem cabe discutir, ele é bom de verdade, ele, chegando sozinho e humildezinho à Inglaterra para disputar o campeonato de F-Ford, estava abrindo um mercado imenso, de um país incipiente com 90 milhões de habitantes, muito espaço, fonte de riqueza e matéria-prima, para quem quisesse entrar e lucrar.
Ele mesmo, na minha opinião, cometeu um erro seguidas vezes em sua carreira: forçava um pouco a barra para divulgar seus patrocinadores e o peixe que vendia. Nos tempos da F3, sempre que ele ganhava, mostrava o nome da Bardhal escrito em seu macacão e dizia para a câmara: “BARDHAL!!!”… quando venceu em Indianapolis, tratou de beber suco de laranja em vez de seguir o hábito secular de beber o leite de quem patrocinava tradicionalmente, quando poderia ter dado um gole de leite e um de suco… e, pior que isso, foi quando, naquele acidente de ultraleve, foi salvo pelos bombeiros locais e depois fez uma propaganda dizendo que a UNIMED é que o tinha salvo. E, além disso, eu às vezes dou risada vendo-o, no “Fabuloso Fittipaldi”, pilotando e dando cavalos-de-pau num Maverick, modelo recém-lançado da Ford na época.
Para mim, o sucesso inicial do Emerson teve, como um dos propulsores, exatamente o portão que ele abriu para que o mundo da F1, direta ou indiretamente, fincasse pé no mercado brasileiro… li que em 1968 já havia muita conversa sobre o Brasil sediar um GP, tanto que o piloto Joakim Bonnier visitou Interlagos naquele ano e deu um parecer a respeito… com a chegada do Rato, tudo se precipitou.
A coisa aqui no Brasil, e que Edu me perdoe mais uma vez, passou dos limites com Ayrton Senna. Ele era “marketeado” como um ser acima dos humanos, alguém que via Jesus em curvas, uma espécie de super-herói motorizado e indestrutível, impecável no sentido mais estrito da palavra, etc. e tal. Pois é… na minha opinião houve uma situação muito complexa no mundo brasileiro da F1 naquele final de anos 80… e foi exatamente isso que contribuiu para tanta inimizade entre Senna e Nelson Piquet, que era mais humano do que tudo. O Senna, que durante uns dois anos, até entrar na McLaren, não venceu tantas corridas e nem títulos conquistou, concentrou (também graças ao esqueminha que foi criado na mídia Galvãobuênica sobre ele) as atenções do Brasil sobre si, e o Piquet, que historicamente merecia muito mais respeito e atenção do que teve, ficou de lado. Enfim… na hora em que Schumacher chegou para receber (ou roubar) o ramo de ouro, também motivado pelas tentações do mercado alemão que, com um novo campeão, abrisse mais portas e bolsos, o Olimpo começou a rachar e Senna morreu…
Nos Estados Unidos, essa valorização dos atributos comerciais do piloto não parece ser tão sensível como na F1. Existe espaço para pilotos mais pobres, existem maiores chances de conquistar resultados por méritos de pilotagem e, bom, aquele mercado, por tradições e por cultura, quer espetáculo, quer aquela coisa de redenção, de gente competindo até o final, e por isso mesmo as bandeiras amarelas…
Edu e Panda, tem uma coisa… se tanta gente abarrota os ovais americanos para ver os Boats, Hornishes, Helinho, Gil & cia., ou então os Pettys, Allisons, Wallaces e Christian Fittipaldi de NASCAR (os ovais podem parecer os mesmos, mas as pessoas nas arquibancadas não são… e as notas de dólares que pagam os ingressos de cada corrida também não são necessariamente as mesmas), é porque a receita dá certo. A CART tentou brincar de F1 de uma maneira meio esquisita, namorou a FIA, e por isso mesmo entrou bem… Tio Bernie teve que aguçar seu faro, sentiu em Tony George um aliado em potencial, a fim de ganhar um pouco da grana européia e abrir seu templo sagrado “since 1909” para as Ferraris & cia., e construir um mistão aproveitando as “runways” do campo de golfe na área interna do ovalzão… Haaammm… em ovais, os F1 devem andar mais ou menos na mesma balada dos IRLs… os CARTs andam muito mais, fazem 415 km/h de velocidade máxima… pode não… Os americanos, com exceção dos gloriosos GPs de Watkins Glen, nunca deram muita bola pra F1. É coisa de outro mundo pra eles, mas eles têm dinheiro.
Circuito oval??? Ah, Edu! Ah, Panda! Apesar das bandeiras amarelas, que nem sempre são tantas assim, andar 200, 300 milhas, ou 50/100 que seja, a uma média de 320/330 km/h, fazendo guerra do vácuo o tempo todo, abrindo caminho no tráfego, e no máximo de concentração (distraiu, foi pro muro), não é fácil não. Nem pro piloto, nem pro carro, que fica um bom tempo sendo exigido em picos… haja resistência… Da mesma forma que os ovais, os hipódromos, dos quais eles derivam, são sempre os mesmos e mesmo assim os cavalos continuam correndo, as arquibancadas continuam cheias e o dinheiro rolando.
Esses circuitinhos Mickey Mouse da F1, feitos para os carros andarem rápido em curva… blaaaargh… eu hein… quero Nürburgring Nordschleife, quero o velho Spa (o novo serve para consolo), quero Monza sem chicanes, quero o velho Interlagos, quero Reims, quero o velho Zeltweg, quero Le Mans-Sarthe sem chicanes na reta Hunaudiéres, quero Avus, quero Solitude, quero Bremgarten… não quero A1 Ring, não quero Hockenheim, não quero Nürburgring GP Strecken, não quero Interlagos de 4 km… para o público, saber que um F1 anda rápido em curvas é irrelevante… Bom mesmo é ver neguinho batendo roda, ultrapassando, andando a 300 por hora ou mais… tirando uma elite que sabe as nuances do automobilismo, o que o público quer é show mesmo, é emoção. E volto: por mais que seja lindo e um refresco à alma e ao ego italianos ver uma Ferrari tiranicamente superior, falta um pouco de variedade e animação SIM…
Sobre Rubinho, na minha opinião não é o melhor piloto brasileiro em ação, não.
É o mais bem-sucedido, não discordo, dos que estão em ação, mas não é o melhor. Se ganhar um título, provavelmente o fará de uma forma artificial, motivado mais pela equipe e por um carro superior do que por seus méritos. Sem contar que, ao contrário dos seus predecessores, não conseguiu se negociar ainda pra vencer. É um segundo piloto por enquanto, a serviço do chefinho alemão e da equipe. E, se lhe está sendo permitido vencer agora, é para que a EQUIPE obtenha a façanha de ter uma dobradinha no mundial de pilotos, além do título de construtores e de vários recordes batidos. E isso não é mérito dele, não. Ele simplesmente tem sido um bom menino, um bom funcionário, e está ganhando por agora seus pirulitinhos de Natal.
Os homens do Brasil na CART e na IRL podem, de repente, não terem sido bons comerciantes de si mesmos para entrar no mundo da F1, mas entraram onde puderam e ali estão vencendo de verdade. O juízo não é a vitória? Bom, pode ser que o Hélio Castroneves ou o Gil, se pilotarem uma Ferrari, tenham resultados melhores que os do Rubinho e tirem o sono e mesmo o ramo de ouro do alemão. Tudo é possível.
E, bom, se perdemos nosso tempo com essas comparações, é que os americanos andam dando uns arranhões na F1 sim…
[]s,
Alexei