A âncora

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Alonso é um piloto magnífico de se ver, mas suas escolhas o têm levado a caminhos que o afastam da glória.

Era uma convenção de empresa e aquela seria a última palestra, no final da tarde do dia de encerramento do evento. Com sua eloquência natural, o diretor foi além da apresentação modorrenta, normalmente apoiada em telas de PowerPoint, e fez um discurso comovente. Ele parecia ter ensaiado – pelo menos mentalmente – as palavras que dizia, mas a visível preparação não diminuiu a emoção da plateia. Anunciava sua aposentadoria, para surpresa de muitos, mas preferiu concentrar-se em um conselho, em vez de discorrer sobre a própria trajetória.

Falando a integrantes da alta gestão, pedia aos executivos que valorizassem os bons líderes potenciais que surgiriam na corporação dali para frente. E teorizava sobre eles, dizendo que há quatro espécies de gestor.

A primeira – ideal de toda companhia – é formada por profissionais qualificados e de boa índole. Estes, segundo o experiente diretor, deveriam ser acolhidos, desenvolvidos profissionalmente, valorizados e retidos, como verdadeiro patrimônio da empresa.

O segundo tipo, oposto do primeiro, é o executivo incompetente e mau caráter, que raramente se sustenta por muito tempo na função e, naturalmente, deveria não apenas ser limado da empresa como, preferencialmente, identificado antes mesmo que fosse contratado.

Na terceira categoria, os bonzinhos, mas ordinários. São aquelas pessoas que se destacam pela retidão de caráter, mas não tiveram as mesmas oportunidades de formação dos primeiros. Merecem ser alvo de investimento das corporações porque, segundo esse diretor, a falta de conteúdo pode ser sanada. A de honestidade, não.

O quarto e último tipo, ainda na opinião do decano executivo, é o mais perigoso e potencialmente letal do mundo corporativo. Trata-se do profissional bem preparado, capaz de trazer relevantes resultados financeiros para a empresa, mas desprovido de caráter. Justamente por gerar dividendos para a companhia, tem a capacidade de se perenizar no cargo, e na maioria das vezes ascender profissionalmente. Do alto de algumas décadas de experiência, o quase aposentado chamava a atenção dos futuros ex-colegas. “Cedo ou tarde, ele será um problema para a empresa, porque sua falta de caráter o leva a passar por cima de qualquer coisa, inclusive da empresa que o acolheu.”

Já faz alguns anos que presenciei esta cena e logo percebi que ela vale para qualquer relação humana, não precisa ser alto executivo para se enquadrar nos tipos.

Assim, nesta minha primeira coluna inédita do ano, gostaria de convidar os leitores a um pequeno exercício. Olhando para a história da Fórmula 1, quem seriam pilotos representantes de cada um dos tipos acima?

De imediato, penso que é muito difícil encontrar, no esporte de competição, um campeão que possa ser definido como totalmente bom caráter. Ora, se eu acreditasse nisso, jamais poderia proferir a frase “Fulano é bom, mas Sicrano é marvado”, identificando no marvado o fora de série que não mede esforços para obter o que deseja.

Em muitas ocasiões, já dei a cara a tapa ao dizer que supercampeões como Michael Schumacher, Alain Prost, Ayrton Senna, Nelson Piquet, entre outros, podem ser descritos com inúmeros adjetivos. Nunca como bonzinhos. Desta forma, poderiam ser encaixados no quarto tipo descrito acima. Mas as falhas (mau-caratismo?) de alguns podem parecer menos graves – ou atenuadas por circunstâncias – que de outros. Assim, nessa mesma categoria, haveria vilões mais desonestos que outros. Alguém se arrisca?

Há alguns anos, eu arriscaria afirmar que o espanhol Fernando Alonso enquadra-se nesse quarto tipo: amoral, não se incomoda de ver a própria equipe espionando um rival nem em dificultar ao companheiro de time a última tomada de tempo. Equiparar Alonso à categoria dos “marvados”, neste ambiente distante da bondade humana que é a Fórmula 1, pode ser visto como elogio.

No entanto, o tempo está passando, Alonso vai chegar à idade com que Senna morreu, neste ano, e sua superioridade na pista não lhe rende um título há oito temporadas. É um piloto magnífico de se ver, mas suas escolhas o têm levado a caminhos que o afastam da glória.

Foi para a Ferrari para ser o novo Schumacher. Venceu onze corridas pelo time italiano, lutou pelo título até o final do campeonato em duas temporadas, mas saiu de Maranello frustrado, e certamente frustrando a equipe. Esteve longe de ser o novo Schumacher, justamente por não conseguir agregar pessoas como um líder carismático consegue fazer.

Os testes de Jerez e Barcelona, por enquanto, mostraram uma Ferrrari mais competitiva. Por mais que a imprensa italiana já esteja canonizando Sebastian Vettel, pela potencial melhora do time, devagar com o andor. Bons resultados em testes de pré-temporada podem não significar muita coisa. Maus resultados, em geral, sinalizam dificuldades.

É o que tem acontecido com a McLaren de Alonso. Era natural que o time, novamente equipado pela Honda, encontrasse percalços nesta nova fase, ainda mais pela imensa complexidade do conjunto motriz dos carros de Fórmula 1 atuais. A culpa não é de Alonso, mas vai começar a ficar difícil desvincular uma imagem do espanhol. Para onde vai, o time afunda? Alonso, a âncora…

Nico Rosberg anunciou nesta sexta-feira que sua esposa Vivian está grávida e que o casal espera uma menina para agosto. Uma velha máxima dos paddocks diz que, a cada filho nascido, o piloto perde um décimo de segundo no tempo de volta. Se assim for, sorte de Lewis Hamilton, que teoricamente terá um adversário mais cauteloso na própria equipe, em 2015.

Mas Hamilton, diz-se, está de baixo astral, por mais um rompimento com a cantora Nicole Scherzinger.

Se Nico for mal, a culpa será de sua filha. Se Hamilton patinar, a culpa será da ex-namorada.

E assim Eva continua sendo a responsável pela expulsão do paraíso.

Alessandra Alves
Alessandra Alves
Editora da LetraDelta e comentarista na Rádio Bandeirantes desde 2008. Acompanha automobilismo desde 83, embalada pelo bi de Piquet e pelo título de Senna na F3.

4 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Interessante Alessandra!

    Ao meu ver, pilotos que só pensam em vencer sem utilizar de atitudes anti desportivas, não são mal caráter.

    Mesmo que a sua vontade de vencer seja muito maior, como Schumacher e Alonso fizeram com os bonzinhos Barrichello 2002 e Massa 2010.

    Vencer sim, mas de maneira limpa.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  2. Lucas dos Santos disse:

    Não me surpreendem as atitudes de Fernando Alonso na pista.

    Após aquela punição – ao meu ver injusta – na classificação de Monza 2006, o piloto deixou bem claro à imprensa: “Eu não considero mais a F1 um esporte!”: https://www.youtube.com/watch?v=dRV1SQwzONM

    Ou seja, dali em diante, se ele puder tirar alguma vantagem “jogando com o regulamento”, ele VAI tirar, sem pensar duas vezes! O problema é que, até agora, ele não conseguiu reverter isso em títulos.

  3. Fernando Marques disse:

    Alessandra,

    em 1989 quando Prost jogou seu carro contra o de Senna, acho que ele foi anti-esportivo, e por isso um mau carater e jogou contra a equipe, pois Ron Dennis ficou do lado do Senna. Em 90, Senna foi o mau carater da historia mas não jogou contra a equipe … Prost era piloto da Ferrari.
    Dentro das pistas nunca achei o Piquet um mal carater. Idem o Mansell. Dentro das pistas as brigas entre eles sempre foram limpas.
    O Schumacher da Bennetton ganhou um titulo de forma anti esportiva e quase tirou o titulo do Villenueve, com a mesma manobra a la Dick Vigarista que ele usou sobre o D. Hill. O Schumacher da Ferrari foi soberano, dentro e fora das pistas.
    Os titulos do Alonso, ao que me lembre, foram conquistadas de forma limpa nas pistas. Hamilton idem. Já o Vettel não foi lá muito correto com Webber, pois não obedecia as ordens da equipe, quanto o australiano sim …
    O Nico tem em 2015, mais chance de tentar um titulo. Mas se usar as mesmas manobras de 2014, quando a meu ver jogou sujo e perdeu, vai comer poeira do Hamilton novamente que me parece com mais prestigio dentro da equipe.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  4. Ronaldo disse:

    Um exercício mental muito bacana!

    O comportamento ético no ambiente de competição não se resume a ser bonzinho, mas a utilizar-se dos meios disponíveis sem ferir os demais competidores. Na batida de Suzuka-1990, diferente do ano anterior quando o culpado claramente muda a trajetória para atingir o adversário, Ayrton argumenta apenas não ter se esforçado pra evitar o contato; concordo plenamente. Comparável a 1989 temos Jeréz 1997. Da barreira ética para essa primeira categoria podemos dizer que é um pouco mais frouxa; eles apenas se isentam de fazer o certo quando não fazer nada é mais produtivo.

    O segundo tipo é bem complicado, mas acho que Sérgio Pérez seja um bom exemplo. Rápido, talentoso, chegou com um caminhão de dinheiro, trouxe alguns resultados expressivos. Mas incomodou muita gente, e se precisar ultrapassar alguns limites não exita, e nunca vai passar de um piloto arrojado, com o sério risco de levar uma reputação manchada para o futuro.

    O terceiro tipo é o mais abundante na F1 em todos os tempos. Ótimos pilotos, que trouxeram bons resultados para a companhia, mas não tinham o pedigree do vencedor. Ao contrário da primeira categoria, no kart indoor do fim de semana esse piloto vai tirar o pé no meio de uma volta rápida assim que vir a bandeira azul; o vencedor quer que o que vem atrás se vire (ou se f%@#). Stirling Moss, Felipe Massa e Nico Hulkenberg se encaixam nesse perfil; quando tentam ultrapassar seus limites são esmagados pela pressão por resultados e pelas personalidades mais poderosas do puro sangue. O acidente do Hulk no Brasil 2012 e o GP da Alemanha 2010 de Massa são bons exemplos.

    O quarto tipo é o mais fascinante de observar e não coloco Senna ou Piquet nela. Uma conversa de boteco sobre esses caras dura horas. Os merecedores do título não só deixarão de fazer o que é certo, mas sempre se utilizarão de tudo o que estiver disponível. Alonso, Prost, Schumacher, Hawthorn, Ascari, Jones e alguns outros não se limitaram apenas a mudar deliberadamente a trajetória para provocar uma colisão. Todos esses pilotos têm ao menos um episódio questionável em suas biografias, e queria citar os menos lembrados, ou que não são identificados como desvios morais. O de Jones foi o chilique em 1981. Hawthorn aceitou que Moss o livrasse de uma punição em 1958 para ganhar o campeonato, e sempre tratou o seu salvador como um otário. Schumacher bombardeou Irvine com pressões psicológicas em 1999, a ponto de contaminar o ambiente da equipe que chegou a sabotá-lo (na minha opinião) no GP da Europa daquele ano. Se ele não podia ganhar, como Jones-81, ninguém mais podia. O seu relacionamento com Balestre define Prost. Fernando “Reutman” Alonso gostou de se beneficiar da espionagem, mas ninguém me tira da cabeça que ele foi o garganta profunda do episódio. Ele vai acabar levando para a sua história a pecha de mau caráter, merecidamente mas sem nenhuma necessidade, considerando o talento fora de série.

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