Lewis, Nico e o verbo ‘To Be’

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Quando somos introduzidos à língua inglesa, uma das primeiras coisas que somos ensinados – se não é justamente a primeira – é a conjugação do verbo to be – I am, you are, he is etc.

E logo de cara nos avisam: esse verbo é o equivalente dos verbos ser e estar. A prática língua inglesa não distingue estes dois.

Ora, na nossa cabeça, portugueses filhotes do latim, assim como italianos, espanhóis, franceses e romenos, sabemos muito bem a importância da diferenciação de ambos. E não deixo de pensar como deve ser difícil colocar na cabeça de anglófonos e oriundos de outras línguas germânicas que existe muita diferença entre ser e estar.

Digo isso porque Lewis Hamilton é melhor. Mas Nico Rosberg está melhor. Se o inglês é mais piloto, o alemão neste ano tem lidado melhor com as dificuldades que encontrou pelo caminho, num campeonato que tem sido marcado mais pelos pontos que não são marcados.

Nestes rounds restantes da temporada, cada um deles vêm cumprindo rigorosamente seus papéis. Lewis, assim como nos States, dominou e venceu no México, correndo atrás de pontos que ainda não tem. E Nico, que vinha de uma fundamental vitória no Japão, continua coletando pontos importantes rumo a um título inédito, em que nem precisa arriscar o pescoço pela vitória contra um companheiro que ele sabe que é excelente. A lembrar que Nico não precisa mais vencer corridas para se igualar ao pai Keke em número de taças.

Tão contestado por americanos quanto mexicanos, o termo Tex-Mex vem a calhar, já que as duas corridas da América do Norte formaram uma narrativa contínua. No tomo mexicano, a vitória de Hamilton nasceu novamente de uma excelente volta de qualificação, manutenção da ponta na largada e ritmo correto para receber a bandeirada sem ameaças.

Praticamente todo o restante da corrida pode ser explicado pelo modo como a Fórmula 1 acabou com as caixas de areia e de brita e como se judicializou como consequência.

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Hoje, as principais áreas de escape dos circuitos da F1 possuem asfalto. E onde não há asfalto, o segundo piso mais ‘’popular’ é a grama. Aos poucos, caixas de areia e brita vão ficando num passado distante.

Antes, quem saía da pista se ferrava, perdia tempo ou ficava fora da prova e pronto. Era mais simples, não? Há, evidentemente, o argumento que o asfalto se apresenta como solução mais segura para algum carro que sai da pista. OK, mas há uma limitação fundamental: o asfalto exige que a desaceleração do carro ocorra pelos próprios pneus.

Em situações de estouro de pneus, o carro vai quicando no chão e pode não diminuir de velocidade como deveria. O pavoroso acidente de Mika Häkkinen em Adelaide 95 é um bom exemplo. Já areia e brita vão ter praticamente o mesmo coeficiente de atrito, independente da condição dos pneus.

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httpv://youtu.be/HPgkm-wsc6M

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Como em praticamente tudo o que vem acontecendo na F1, uma nova solução acaba acarretando novos problemas que antes não existiam – desculpem por bater novamente nessa tecla, mas ela torna-se inevitável.

A facilidade que hoje se tem em voltar para a pista após uma escapada faz com que seja preciso um corpo de arbitragem para decidir se essas saídas de pista são vantajosas ou não. E caímos num mundo de subjetividade judiciária em que muitas vezes é difícil (senão impossível) concordar 100%.

O primeiro lance da corrida a levantar polêmica aconteceu logo de cara. Lewis Hamilton freia mais tarde do que deveria com discos e pneus frios na primeira curva e vai para a grama. Só que seu movimento foi de corte de caminho, e ele mantém a ponta. É de se supor que antigamente, tal trecho teria apenas uma faixinha de grama, e predominância de areia, o que evitaria qualquer mergulho vantajoso.

Ao menos pelo que foi possível averiguar, ele não foi punido simplesmente por não estar em disputa de posição. Nico Hülkenberg, que viu de camarote o lance, disse que se isso não foi ganhar vantagem, ele não sabe mais o que é ganhar vantagem. O delegado Charlie Whiting disse que Lewis não ganhou vantagem porque desacelerou, e isso quem aponta é a telemetria. Até aí, temos metade da conversa. E quem garante que essa desaceleração já é suficiente para cobrir o caminho que ele cortou executando a manobra?

O poder judiciário da F1 (lê-se “Comissários”) abriu nada menos que NOVE investigações durante a prova. Nenhuma delas foi a respeito do lance de Lewis nessa primeira curva. O rol de processos começou pelo encontrão entre Nico Rosberg e Max Verstappen, que estavam imediatamente atrás de Lewis, e chegaram ao mesmo tempo para a tomada da curva.

Num lampejo de lógica, classificaram o episódio de “incidente de corrida” e não tomaram atitudes posteriores. Ainda abririam protocolos para o acidente entre Pascal Wehrlein e Marcus Ericsson – causado pelo piloto da casa Esteban Gutiérrez que não teve culpa, mas que há muito venho dizendo ser fraquíssimo. E para a espremida espanhola, de Carlos Sainz Jr. em Fernando Alonso, que deu uma salvada espetacular pra não rodar. Um car control fantástico e um time penalty de 5s para o piloto da Toro Rosso, que pagou essa em seu pit stop.

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Mas claro, as grandes polêmicas vieram nas voltas finais. Na disputa pela terceira posição, Max Verstappen claramente ganha vantagem ao usar a área de escape, após uma tentativa de Sebastian Vettel. Este, por sua vez, fica emputecido ao rádio e recebe a notícia de que apenas após a corrida o poder judiciário tomaria alguma alternativa.

Por que pilotos estão sempre de mimimi no rádio? Porque a existência de comissários propicia isso. Antes, tudo era resolvido na pista e o máximo que se podia fazer era queixar-se ao bispo depois da corrida. Agora, eles choram pro Charlie Whiting por qualquer coisa.

Isso acabaria tirando Verstappen do pódio momentos antes da cerimônia. Só que as coisas eram mais complicadas. Isso porque Daniel Ricciardo, que arriscou tática diferenciada, estava na caça dos dois, e aproveitou o lance para ele mesmo tentar superar Vettel.

E Vettel, que tinha herdado o pódio, ficou deserdado horas depois porque sua defesa de posição foi considerada desleal, por ele ter “mudando de trajetória durante frenagem”, uma bobagem abissal inventada pela FIA por reclamações anteriores do próprio Vettel. Irritante e ao mesmo tempo irônico.

No fim das contas, Ricciardo herda o pódio porque os dois que estavam na sua frente foram punidos.

Alain Prost classificou a punição a Vettel como ridícula. Ouçam Prost. Afinal, ele é perito em mudar de trajetória em frenagem, e Suzuka 89 não me deixa mentir. Ele também é precursor em judicializar as corridas, ao correr para a sala de Balestre exatamente após fazer essa manobra. Mais ironias…

Por sinal, Hamilton igualou o número de vitórias do francês – 51. Em sua frente agora, só Michael Schumacher e seus 91 triunfos.

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Podem me chamar de saudosista, ridículo, xarope, ranheta, rabugento, inadequado. Mas Hermanos Rodríguez sem Curva Peraltada e sem ondulações quebra-costela definitivamente não é a mesma coisa. O trecho do Estádio é legal pra caramba, mas trocaria pela velha curva inclinada todas as vezes que me perguntassem.

É como chegar a um restaurante mexicano e mandar preparar comida sem pimenta. Pode até ser gostoso, mas certamente não vai ser a mesma experiência. Pedro Rodríguez, um dos irmãos que dá nome ao circuito e que sempre carregava um vidro de Tabasco na bagagem, certamente concordaria comigo. Nas duas coisas.
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Isso nos leva ao começo da nossa discussão, do verbo to be. Todas as corridas da F1 atual mostram, com diversos graus de intensidade, como o crescente intervencionismo causou e causa problemas para a categoria. A corrida mexicana tratou de escancarar as questões das áreas de escape e do excesso de investigações sobre a conduta dos pilotos.

Na ânsia de melhorar a segurança, as mudanças das áreas de escape fizeram com que não apenas seja fácil corrigir um erro, como sair da pista pode ser até benéfico em alguns casos. Na ânsia de querer ser justa, a F1 acaba abrindo a possibilidade para injustiças.

A F1 não é ruim. Apenas está ruim.

Mas temo que as autoridades não estejam dispostas a serem menos autoridades do que são.

Abração!

Lucas Giavoni

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

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