A vez de Lando

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A história da F1 é recheada de primeiras vitórias populares. Vinte e nove anos atrás tivemos a famosa vitória de Jean Alesi em Montreal, bem no dia do aniversário do francês e cinco anos depois ocorreu o esperado triunfo de Rubens Barrichello em Hockenheim. Em ambos os casos, toda a F1 estava genuinamente feliz pela primeira vitória de dois personagens bastante queridos pelo paddock. A reação do público em Miami, nas últimas voltas da corrida desse domingo, demonstrou que Lando Norris entrou nesse hall de primeiras vitórias populares. Piloto dos mais carismáticos da F1 atual, Lando Norris também sofria uma pressão forte pela esperada primeira vitória, pois todos sabem do talento do piloto da McLaren.

E nesse domingo, chegou a vez de Lando! Foram cento e dez corridas antes de Lando Norris finalmente conseguir sentir o gosto da vitória, numa corrida onde Lando soube aproveitar muito bem o Safety-Car que estragou a corrida de Max Verstappen, mas com um ótimo carro, Norris colocou mais de 7s em cima do neerlandês, derrotando Max na pista.

O final de semana no circuito citadino de Miami foi bastante complexo para os pilotos. Com curvas das mais variadas, o muro sempre à espreita e muita sujeira no asfalto, praticamente nenhum piloto executou uma volta limpa nesse final de semana, gerando até um comentário curioso de Max Verstappen quando ele ficou com a melhor volta da Sprint: Cadê os outros? Minha volta foi horrível!

Falando em Sprint, fica a sensação cada vez maior que, por mais que modifiquem o formato das provas Sprint, foi algo que não pegou na F1, apesar de Stefano Domenicali já ter falado recentemente em aumentar o número de provas Sprint. Pilotos como Fernando Alonso não escondem que a Sprint Race é mais um estorvo do que uma boa novidade e a maioria dos pilotos tratam a mini-corrida como um ‘treino apronto’ de luxo, sem forçar muito, pois sabem que o principal, a corrida propriamente dita, é o que vale.

As últimas corridas em Miami tinham deixado bastante a desejar, mas haviam indícios de que algo poderia tornar a prova de hoje bastante interessante. Mesmo tendo dominado a Sprint Race e ter feito as duas poles no final de semana, Max Verstappen não cansava de reclamar do seu carro. A Red Bull não tinha o carro dominante visto em outras provas, enquanto a McLaren chegou à Flórida cheia de esperanças com updates no carro, lembrando que ano passado o time chefiado por Zak Brown deu um baita passo à frente quando colocou melhorias no carro. Porém, o final de semana de Lando Norris até esse domingo não tinha sido dos mais fáceis. Tocado na primeira curva da Sprint, Norris não pôde testar adequadamente as melhorias do seu carro e na classificação para a prova de domingo, teve que se contentar com a terceira fila.

Na largada, Leclerc saiu muito mal, deixando um espaço livre por dentro, que foi visto por Sérgio Pérez como uma oportunidade de ouro, mas que quase se transformou num sórdido acidente, quando por muito pouco o mexicano não acertou o carro de Max em cheio. Depois da corrida, Verstappen ficou estupefato com a manobra do companheiro de equipe e de quão perto sua corrida não terminou ali. Com Pérez passando reto, quem se aproveitou disso foi Piastri, que pulou para terceiro, ensanduichado pela dupla da Ferrari, com Pérez em quinto e Norris em sexto. Verstappen contornou a primeira curva na ponta, mas mostrando que não tinha o mesmo domínio de outras oportunidades, Max só abriu 3s para Piastri, que tinha ultrapassado Leclerc na quinta volta, num cochilo do monegasco. Piastri naquele momento liderava a McLaren contra os ataques da Ferrari, sendo que Sainz insinuou uma troca de pilotos. De saída da equipe, o espanhol foi completamente ignorado.

Ficou notório que a Red Bull não estava como sempre em 2024 quando Verstappen errou na apertada chicane e trouxe um cone para o meio da pista, provocando o SC virtual. Nesse momento, Norris atacava Pérez e quando o mexicano foi aos boxes, Lando aumentou o ritmo e começou uma sucessão de voltas mais rápidas. O ritmo da McLaren não magoou os pneus a ponto de Piastri e depois Norris assumirem a ponta da corrida quando Max e as Ferraris pararam, mas o momento em que Lando liderava foi essencial.

Kevin Magnussen e Logan Sargeant brigavam pela penúltima posição, numa batalha de alto risco, observando o cartel dos dois desastrados. Como não poderia deixar de ser, os dois se tocaram e acabaram fora da pista, com Sargeant no muro e terminando mais uma corrida dando prejuízo à Williams. Com Norris tendo que parar, era óbvio que o inglês teria vantagem com a entrada do Safety Car, principalmente com Lando mantendo o mesmo ritmo de Max, mesmo o piloto da Red Bull estando com pneus novos. Porém, a direção de prova vacilou e ajudou ainda mais Norris. O SC entrou na pista e ficou na frente de Max, atrasando ainda mais o neerlandês, deixando Norris livre para fazer sua única parada tranquilamente e manter a liderança. Porém, havia uma relargada pela frente e Lando não estava acostumado com essa situação, sendo atacado por Verstappen de forma imediata, mas logo Norris se impôs com um ritmo superior da McLaren. Quando escapou da temida linha do DRS (1s), Norris foi embora e surpreendentemente enfiou 7,6s na goela de Max Verstappen para vencer pela primeira vez na F1. E emocionar o paddock. Conhecido por sua extroversão, Lando Norris foi aplaudido efusivamente ainda nas últimas voltas e foi cumprimentado praticamente por todo o grid depois da corrida. Sua comemoração com a McLaren também foi tocante, assim como a lembrança por Gil de Ferran.

Num final de semana onde não tinha um carro tão dominador, Max Verstappen conseguiu controlar bem os danos e se conformou com a segunda posição numa semana complicada para o seu time, com a confirmação da saída do mago Adrian Newey no começo de 2025. Mais uma perda para a Red Bull, que parece implodir bem na melhor fase de sua história. Checo Pérez fez uma corrida sorumbática, lembrando seus piores momentos do ano passado e o mexicano já vê Leclerc bem próximo dele no Mundial de Pilotos. Com o contrato a renovar, Sergio Pérez terá que se mexer para não ser mais um a sair da Red Bull no final do ano.

Considerada a segunda força a pouco tempo, a Ferrari decepcionou novamente bem no final de semana em que estreou um novo patrocinador máster (HP) numa promoção que se provou ser ridiculamente errada. A Ferrari passou a semana indicando que correria com um carro diferente, remetendo ao famoso carro azul utilizado por John Surtees nas corridas americanas de 1964. Ao contrário do que foi dito por aí, a razão da Ferrari ter se vestido de azul sessenta anos atrás foi por uma briga de Enzo Ferrari com a FIA, que fez o dirigente não se apresentar oficialmente para as corridas finais daquele ano, mas sendo inscrito pela NART de Luigi Chinetti, que utilizava as cores americanas, ou seja, o azul e branco. No entanto, a Ferrari decepcionou a todos ao colocar algumas pinceladas de azul-calcinha no seu carro vermelho, causando uma hype negativa entre os fãs. O final de semana não foi muito diferente com a Ferrari agora perdendo não apenas para a Red Bull, como também para a McLaren. Charles Leclerc fez uma corrida solitária para terminar em terceiro, enquanto Carlos Sainz teve que suar sangue para ultrapassar Oscar Piastri na marra, após pedir punição ao australiano várias vezes, mas não sendo atendido. Na verdade, Carlos acabou punido pelo toque com Piastri e acabou caindo para quinto.

Ao contrário do companheiro de equipe, Piastri não teve uma corrida para lembrar, pois com o toque com o Sainz, teve a asa dianteira quebrada e caiu para as profundezas do pelotão, só se recuperando até a 13º posição, além de ter tirado o pontinho de Norris pela melhor volta. Porém, a McLaren não tem do que reclamar. Com a vitória de Norris, encostou um pouco mais na Ferrari e já soma praticamente o dobro de pontos da Mercedes, que tem o mesmo motor. Hamilton fez uma corrida decente e chegou próximo do apagado Pérez para ser sexto, enquanto George Russell ficou num decepcionante oitavo lugar, tendo Tsunoda o separando de Hamilton. O japonês conseguiu mais pontos no campeonato e já aparece em décimo no Mundial de Pilotos, num bom esforço de Yuki, o que só aumenta a decepção com a temporada de Ricciardo, muito longe dos pontos hoje. A boa exibição na Sprint foi mais uma exceção a regra da temporada ridícula que Daniel Ricciardo vem fazendo até agora. Liam Lawson agradece.

A Aston Martin sofreu o final de semana inteiro, viu Alonso ficar de fora do Q3 pela primeira vez em 2024 e o espanhol ainda teve o dissabor de ficar atrás de Lance Stroll no grid. E ficar atrás de Stroll é algo realmente a se registrar para o espanhol, demonstrando que o final de semana não foi dos melhores para Alonso, que ainda assim conseguiu a nona posição nas voltas finais, após uma briga dura com Esteban Ocon, que garantiu o primeiro pontinho para a Alpine nesse ano. Não sem um susto, com Ocon e Gasly quase batendo nas primeiras voltas.

Após marcar pontos na Sprint com Nico Hulkenberg, recebendo uma ajuda providencial de Kevin Magnussen, que levou inacreditáveis 35s de punição em dezenove voltas, a Haas ficou zerada no domingo. Hulk está de saída para a Sauber, que aos poucos vê a Audi assumir suas operações e os alemães já perceberam que não pode contar com Guanyu Zhou e principalmente com Valtteri Bottas. O finlandês não conseguiu andar na frente do seu companheiro de equipe o final de semana inteiro e dificilmente emplacará na F1 em 2025, permanecendo com esses desempenhos e mais preocupado em mostrar o traseiro por aí.

Foi uma corrida interessante, com um vencedor diferente do que estamos vendo nos últimos anos, mas a vitória de Lando Norris tem um significado especial por não ter sido um triunfo circunstancial. Por mais que tenha se aproveitado do Safety Car, Norris derrotou Max na pista, ao contrário do triunfo de Sainz na Austrália. Não restam dúvidas de que Lando tinha o carro mais rápido do domingo e o inglês não entregou a rapadura no final, controlando a corrida rumo à vitória.

A Red Bull mostrou mais uma vez algumas vulnerabilidades, principalmente em circuitos de rua, e as voltas lideradas por Max no início da prova podem ser colocadas no braço do neerlandês.

Uma vitória é sempre uma vitória e o triunfo de Lando Norris pode elevar sua confiança e fazer com ele e a McLaren melhorem ainda mais nesse restante de temporada.

Abraços!

João Carlos Viana

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

3 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    J.C Viana,

    Não vi a corrida. Vi os melhores momentos. Foi bem movimentada. Mas adorei a sua leitura da prova .

    Leandro

    Fazer testes na fórmula 1 custa tanto quanto um fim de semana de corrida. Daí o calendário com tantas corridas e sprints.
    Resta saber quando temos corridas de verdade ou “testes”.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Leandro disse:

      Pois é Fernando, eu penso que se é para ecomonizar, sprint não é o caminho. Os testes que me referia eram aqueles saudosos nas pistas das próprias equipes ou quando alugavam circuito, não necessariamente todos juntos como hoje.

      No fim, poderia ficar sem testes… e sem sprints rs

  2. Leandro disse:

    Eu não consigo entender uma F1 de redução de gastos com testes limitados ter corrida sprint, como todo ônus que isso acarreta. Não gosto das sprints, preferia mil vezes que dessem mais tempo de testes do que ter corrida sprint.

    Não gosto tanto, que nem na MotoGP sou a favor e olha que lá as sprints são bem mais interessantes, mas os risco também dobram.

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