Que mingau é esse, meu filho?

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Eis que nas voltas iniciais do GP da Austrália pensei jocosamente “nossa, Valtteri Bottas é o líder da prova, que emocionante”, juntamente com um “faz de conta que a Mercedes vai deixá-lo ganhar”.

Parecia muito óbvio que o máximo do que ele poderia se orgulhar era de ter feito uma largada melhor que a de Lewis Hamilton, que conquistou a pole porque o companheiro arruinou sua melhor volta no qualify. E que depois os pilotos e a Mercedes achariam uma maneira de trocar as posições e fazer Lewis ganhar com a maior naturalidade do mundo.

Felizmente às vezes o óbvio é jogado pela janela e somos surpreendidos com uma performance de excelência.

Bottas teve destacadamente sua melhor corrida na Fórmula 1 e não deu margem para crítica alguma. Da liderança na largada, impôs um ritmo vencedor desde o começo até a quadriculada, conjugando velocidade e precisão, inclusive para garantir a melhor volta da corrida, em nova regra que eu tenho que elogiar: por um ponto a mais, os pilotos têm que fugir do ritmo burocrático e assumir riscos que antes não existiam. É como um mini-qualify no fim da corrida, quando todos estão leves, mas com carros bastante desgastados.

(Em tempo: que bobagem hercúlea esse pessoal que firma que “Piquet seria campeão em 1986; Massa em 2008 etc.” caso valesse a regra do ponto extra da melhor volta. Toda a abordagem de corrida também seria dramaticamente modificada com a imposição da regra (como aconteceu agora), o que significa que haveria muito mais competição para cravar a melhor volta. É razoável dizer que muitas das melhores voltas no passado mudariam de dono caso essa variável fizesse parte do jogo. Essa galera tem senso analítico pífio!)

A Mercedes diz ter achado o motivo para que Hamilton não tivesse a menor chance de acompanhar o ritmo do vencedor Bottas, a se contentar com um distante segundo lugar, a 21s na bandeirada e que chegou a mais de 25s durante a prova.

Via Twitter  a equipe disse que o assoalho do carro de Lewis estava com danos. “Faltava um pedaço” na frente do pneu traseiro esquerdo e eles não sabiam o porquê. Caso seja isso mesmo, uma Mercedes capenga vale mais que uma Red Bull ou uma Ferrari.

E vamos lá: palmas e mais palmas pra Mercedes (ou, no trocadilho conhecido, um Tocantins inteiro pra eles). Os caras conseguiram esconder direitinho o real desempenho nos testes da pré-temporada, na base do alarmismo e coitadismo cuidadosamente plantados a cada declaração. Todo mundo comprou essa história, até este que vos escreve.

Até então os holofotes eram da Ferrari, “a campeã do inverno de sempre”, aquela que não sabe blefar. A Ferrari teve que assistir as Mercedes de longe em Melbourne e ainda teve, na disputa pelo último lugar do pódio, a Red Bull de Max Verstappen, DE HONDA, a executar um lindo passão por Sebastian Vettel – a única ultrapassagem importante da corrida.

Enquanto um motor Honda conquistava um pódio que não vinha desde Silverstone 2008 (via Rubens Barrichello soberbo na chuva), eu gostaria de ver a cara de desespero nos rostos de Maranello, já que Vettel chegou P4 a 57.1s e seu novo companheiro Charles Leclerc P5 a 58.2s.

Vettel: “Por que estamos tão lentos?”. Ferrari: “Não sabemos”.

Sobre Leclerc, mantenho o que venho dizendo há algum tempo: filho, por favor, não se torne um novo Jean Alesi. Continuo morrendo de medo que isso aconteça. Esse medo se manifestou com mais intensidade quando Leclerc deu uma escapadinha na primeira curva, mas logo voltou à pista.

A piada do fim de semana. “Daniel não precisa de asas”, referência ao conhecido slogan da Red Bull, time que defendia. E não é que a torcida estava certa mesmo?

Vamos tentar estabelecer um Power Ranking, para comparar o potencial das equipes até o fim do ano?

1 – Mercedes;

2 – Red Bull;

3 – Ferrari;

4 – Haas;

5 – Renault;

6 – Alfa Romeo (ex- Sauber);

7 – Racing Point (Daddy Stroll Racing);

8 – McLaren;

9 – Toro Rosso;

10 – A Fossa das Marianas do Pacífico;

11 – Williams.

Romain Grosjean deu uma declaração que as novas asas dianteiras até facilitam que pilotos possam andar perto uns dos outros, em zona de turbulência, mas que, apesar disso, está difícil ultrapassar. O fato da corrida inteira só nos brindar com uma ultrapassagem importante (Max em Vettel pela P3) corroboram a afirmação.

O pobre Grosjean é uma espécie de ímã de encrenca. Até quando faz tudo certo as coisas dão errado. Assim como no ano passado, ele abandonou o GP da Austrália com a porca da roda dianteira esquerda solta.

Sim, o Perigoso Porca Solta ataca novamente!

Os novatos. Lando Norris, em seu primeiro GP pela McLaren fez um bonito oitavo lugar na qualificação, mas na corrida não teve fôlego pra ir além do 12º lugar. Isso faz com que ele tenha tido uma estreia pior que dos últimos três rookies da McLaren: Stoffel Vandoorne, Kevin Magnussen e Lewis Hamilton. Ao menos foi melhor que seu colega Carlos Sainz, que não foi bem na qualificação e foi contemplado com um motor estourado na corrida.

Alex Albon, primeiro tailandês na F1 desde o príncipe Bira dos anos 50, teve uma estreia discreta, mas andou mais que seu experiente colega Daniil Kviatt. O mesmo para George Russell na irreconhecível William. Russel só tomou duas voltas, seu companheiro Robert Kubica tomou três.

Depois dos atrasos do novo carro, tentativa de greve de funcionários (!), erros do projeto que precisou ser refeito pro carro não ser considerado ilegal (!!) e das “férias” do diretor técnico Paddy Lowe, Kubica declarou durante o fim de semana que estava evitando jogar o carro nas zebras porque não havia peças sobressalentes.

Dá pra piorar ainda mais essa várzea total, Williams? É assim que você vai terminar seus dias? Parecendo uma EuroBrun?

Charlie Whiting. Concordando ou não com seus pontos de vista, ele foi profissional incansável, primeiro como mecânico, depois como funcionário da FIA na busca por mais segurança nas corridas.

Morre, sobretudo, uma figura da velha guarda, cada vez mais escassa nos autódromos.

Dez anos do milagre da Brawn GP. Não dá pra deixar passar.

Termino meu texto com a explicação do título. No pódio, o entrevistador Mark Webber (ele já foi piloto, sabia?) perguntou a Bottas o que diabos ele tinha tomado de café da manhã pra pilotar tão bem.

– Comi um pouco de mingau.

Sabemos, via James Hunt, que sexo é o café da manhã dos campeões. Mas fiquei curioso pra saber que raios de mingau é esse!

Em nome de uma temporada 2019 mais animada, Valtteri, continue comendo mingau e nem pense em passar a receita para o Hamilton.

Abração!

Lucas Giavoni

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

4 Comments

  1. Walter disse:

    Que Valtteri não pare de comer mingau e que você não para de escrever. Excelente artigo.

  2. Fernando Marques disse:

    Gostaria de saber o por que da moderação nos comentários?
    Na coluna anterior do Flavis fiz um comentário que não foi publicado
    Nada contra a moderação
    se necessário for tudo OK

    Fernando Marques

  3. Fernando Marques disse:

    A corrida na Australia foi mais ou menos em termos de disputas ou seja um pouco monótona … mas seu resultado final foi muito surpreendente …a começar pela vitoria do V. Bottas que levantou uma boa poeira na cara do L. Hamilton …
    outra surpresa sem duvidas foi a Mercedes não interferir no resultado final da sua dupla de pilotos …
    Verstappen no podio não é surpresa … RBR idem … mas a Honda no pódio aí sim foi outra bela surpresa … meteu poeira na Mclaren/Renault
    A Ferrari decepcionou … em todos os sentidos …

    Fernando Marques

  4. Lucas dos Santos disse:

    A primeira prova da temporada de 2019 foi bem interessante. Não teve lá muita ação na pista, mas as partes interessantes estavam nos detalhes. Uma “corrida técnica” por assim dizer.

    Sobre a Mercedes estar escondendo o jogo durante os testes de inverno, ela realmente pegou muita gente de surpresa. Não sei se é porque só recentemente eu passei a acompanhar a mídia internacional/estrangeira, mas uma das palavras que eu mais li (e que eu não conhecia) durante a pré-temporada foi “sandbagging”. Gostei desse termo, pena que não consegui encontrar uma tradução adequada para ele, embora tenha entendido seu significado. Dizem as más línguas que a Williams ainda está escondendo o jogo (sandbagging) e está por revelar o seu verdadeiro potencial (que maldade!).

    A frase “Ricciardo needs no wings” foi demais! Engraçado que, quando vi esse cartaz, antes ainda da corrida começar, lembrei imediatamente disto aqui: https://www.youtube.com/watch?v=xH5Fg5FO04k

    O ruim do GP da Austrália ser a primeira corrida da temporada é que a pista é muito travada e acaba tornando difícil ver o verdadeiro potencial dos carros e dos pilotos. No GP do Bahrein vai dar para tirar muitas dúvidas que ainda permaneceram após o GP da Austrália.

    Gostei do desempenho do Raikkonen, que se mostrou bastante competitivo com o carro da Sauber, digo, Alfa Romeo, fazendo seu companheiro de equipe “comer poeira”. A propósito, parece o Giovinazzi vai dar trabalho para ultrapassar. Lembro-me que, quando ele participou dos treinos livres do GP do México do ano passado, teve piloto se estressando com ele.

    A decepção foi o Pierre Gasly. Foi muito aquém do que se esperava de um piloto como ele em uma equipe em que se encontra. Vamos ver como ele se sai na próxima corrida. Do Carlos Sainz eu também esperava resultados melhores, mas como ele tendo sido atrapalhado no Qualify e tido problemas com o carro durante a corrida, vamos ter que esperar pelo próximo evento para ver como ele se sai. E estou muito curioso para ver como o Kvyat, vulgo “Torpedo”, vai se sair nessa temporada, tendo que mostrar serviço para recuperar sua confiança.

    E a corrida do Bottas foi excelente. Eu também esperava que haveria troca de posições, mas com o Hamilton sofrendo com o carro daquele jeito, não teve como fazer. Foi um excelente início de temporada para o finlandês!

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