Ferrari vs. Ford, final

Ferrari vs. Ford, parte 1
05/11/2019
Clima de amistoso
15/11/2019

Confira a primeira parte clicando aqui.

Corta para o grid de largada.

Letreiro: Sábado, 3:00pm.

FL. (off): Assim que baixou a bandeira verde, Hill disparou na frente, seguido por Andretti, escalado para ser o coelho da esquadra Ford. O Chaparral cruza a linha em primeiro, já uns 45 metros à frente. E a distância vai aumentando, meio segundo por volta. Cerca de 90 minutos depois Spence assume e aumenta a vantagem. Mais 90 minutos e Hill volta. Mas ele pega um trecho com areia na pista, derrapa e vai bater forte no muro. A equipe torce para que só a roda tenha sido danificada mas após uma volta percebem que não ia dar para continuar. Um concorrente a menos. O outro Chaparral não era páreo.

De qualquer forma, durante a noite ele perde o fluido da transmissão automática e também é obrigado a abandonar.

Câmera mostra toda essa ação, até o Chaparral 2F sendo recolhido.

FL. (off): Andretti tinha sido escalado para liderar a esquadra da Ford mas nunca conseguiu alcançar o Chaparral. Depois de meia hora de prova o carro começou a ficar muito desequilibrado. Mario foi para os boxes, trocaram as rodas dianteiras e ele voltou para a pista. O problema continuou. Ele voltou para os boxes e trocaram os pneus traseiros, o que resolveu o problema. Havia uma fissura no pneu traseiro esquerdo que o esvaziava gradativamente.

Câmera mostra toda essa ação.

FL. (off): A transmissão do Mark II de Ronnie Bucknum começou a apresentar problemas e ele veio para os boxes na volta 15. Mandaram de volta para a pista e ele retornou 8 voltas mais tarde, sem a terceira e a quarta. O eixo tinha quebrado. Os mecânicos decidiram trocar a caixa. Ele retorna na volta 42, lá atrás.

Câmera mostra toda essa ação.

FL. (off): O Mark Ii de Bruce McLaren começou a superaquecer antes mesmo dele fazer a primeira parada. Um gasket de cabeça de cilindro tinha quebrado logo no início.Com isso era preciso adicionar água em todas as paradas e elas passaram a ocorrer a cada 20 voltas. Parecia certo que iria abandonar, a qualquer momento.

Câmera mostra toda essa ação.

FL. (off): Mark Donohue detectou problemas na suspensão na volta 62. Foi para os boxes e precisou esperar que um amortecedor fosse trocado. Nessa altura da corrida o carro de Andretti/Ginther veio para os boxes sem terceira e quarta. Problema idêntico ao de Bucknum. Novamente trocam a caixa.

Pouco depois Ruby entra e… troca a caixa de cambio.

Câmera mostra toda essa ação.

FL. (off): Nós não tínhamos pressa. Ficamos rodando à media de 2:00 por volta no início e quando o 2F quebrou assumimos naturalmente a liderança para não mais perder. Foram 21 horas na ponta. Ao cair da noite Mike e Ludovico passaram à frente quando a spyder demorou a sair dos boxes. Tinha ar nos dutos de freio e a sangria tomou mais tempo do que esperávamos.

Mas na metade da corrida os pistões do freio da P4 fechada demoraram a voltar à posição original na hora de trocar as pastilhas, elas estavam gastas demais, quase perdemos os discos, e assim eles perderam a ponta.

Em terceiro vinha a P3/4.

Câmera mostra toda essa ação.

FL. (off): Foram tão poucos os problemas que cheguei a dizer que tudo que fazíamos nos pitstops era colocar água, combustível e dar Coca-Cola para os pilotos.

Não era bem verdade. Ida Scarfiotti se recusou a dormir enquanto Ludovico estava na pista. Quando ele descia do carro ela tinha um espresso pronto.

Mesmo sem tomar espresso, Amon também optou por não dormir. Ele tomava café estilo americano enquanto mastigava sanduíches. E fumava sem parar.

Câmera mostra Ludovico tomando seu espresso e Amon fumando, com um café longo na outra mão.

Ludovico: Parece que a esquadra Ford não tem mais chances, hein Chris?

Chris: Mesmo que estivessem com todos os carros na pista acho que nós venceríamos. A P4 é melhor, era potencialmente melhor e isso se confirmou na pista. Mesmo com 50 HP menos ela é muito mais equilibrada, a relação peso-potência é muito melhor, os Mark II tem que carregar mais de 200 quilos a mais.

FL. (off): Os demais pilotos preferiam dormir. Atrás dos boxes tinha um lugar para eles.

Câmera mostra porta atrás dos boxes com placa “QUIET PLEASE, FERRARI TEAM SLEEPING.”

Volta para Ludovico e Amon conversando.

Ludovico: Desculpe se faço uma pergunta pessoal mas… você não se interessou em continuar na equipe Ford?

Amon (tomando um gole de café): Poderia sim, mas a Ferrari está neste negócio há 50 anos. O capo já viu de tudo, já fez de tudo e sempre esteve entre os potenciais vencedores. Acho que aprendo mais aqui em um ano do que em oito com a Ford.

FL. (off): Quando faltavam 10 minutos para completar as 24 horas sinalizei para nossos pilotos se colocarem em formacão. A P4 spyder de Amon/Bandini completou 666 voltas, a fechada de Parkes/Scarfiotti 663 e a P3/4 de Rodriguez/Guichet, que tinha se atrasado por alguns problemas superficiais, 637.

Câmera mostra o box sinalizando “1, 2, 3”. Corta para os carros se colocando em posição para aparecerem juntos na linha de chegada.

FL. (off): O único Mark II que sobrou chegou em sétimo, 593 voltas completadas. Aquele com o vazamento de água, que acharam que não iria até o fim. O problema no cambio eram eixos defeituosos entregues por um fornecedor externo.

Câmera mostra a última volta, com os carros mantendo as posições.

FL. (off): Uma vitoria grandiosa. Silenciosamente, eficientemente, demos nossa resposta à Ford, ganhando no seu território, com as posições reais dos carros, sem prejudicar nenhum piloto, como a Ford fez com o pobre Ken Miles.

Eles ganharam Le Mans em junho de 66, nós demos o troco em Daytona em fevereiro de 1967. Muito pouco tempo para uma disparidade de forças tão grande.

Câmera mostra os carros parando e sendo envolvidos pelos membros das equipes etc.. Clima de euforia.

FL. (off): Assim que pude corri para telefonar para o capo. Mais tarde Mike Parkes encomendou a um artista uma pintura retratando a linha de chegada com os Ferrari e deu de presente ao Comendador.

Câmera mostra papel que envolve quadro sendo rasgado. Close da pintura mostrando os três Ferrari após o papel ser removido.

FL. (off): Ele a pendurou na parede de seu escritório e nunca mais tirou. Pena que eu não tinha uma câmera para registrar seu riso.

Se gosta de spoilers, adiantamos que as P4 não puderam se impor em Le Mans em 67, mas venceram o campeonato da categoria. O 12º da Ferrari.

Daytona se tornou um marco na história da Scuderia, a um ponto que o primeiro GT lançado após essa vitória se chamou Daytona. Sem verba de propaganda, era o meio que Enzo tinha para perpetuar essa espetacular e certeira pedrada em um Golias enfurecido, em plena forma e transbordando de auto-confiança.

 

*Guarda come dondolo
Edoardo Vianello

 Guarda come dondolo,

Guarda come dondolo con il twist,

Con le gambe ad angolo,

Con le gambe ad angolo ballo il twist

Olha como balanço

Olha como balanço com o twist

Com as pernas dobradas

Com as pernas dobradas danço o twist

 Sarà perché io dondolo,

Saranno gli occhi tuoi che brillano,

Ma vedo mille mille mille lucciole

Venirmi incontro insieme, insieme a te!

Será porque eu balanço

Serão teus olhos que brilham

Mas vejo mil, mil, mil pirilampos

Virem ao meu encontro junto, junto a você

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

4 Comments

  1. Carlos Mauricio Carneiro Vieira disse:

    Li a parte final ontem à noite. Muito legal. A Ferrari 330 P4 e o Porsche 917 são os dois carros que eu sempre penso primeiro quando o assunto é 24 Horas de Le Mans. E não muitos sabem sobre essa verdadeira injustiça feita com a dupla Ken Miles/Denis Hulme, que acabaram chegando em segundo em uma vitória pra lá de merecida em 1966.
    Estou aguardando a hora de assistir a esse filme. Acho que deve entrar para a galeria de filmes clássicos do Automobilismo, junto com Grand Prix, As 24 Le Mans e Rush-No Limite da Emoção.

  2. Mauro Santana disse:

    Grande Chiesa, duas belíssimas colunas.

    E este filme tem tudo para ser um clássico, pois só o fato de vermos estas duas beldades produzidas pela Ferrari e pela Ford, já vale o filme.

    Grande abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Carlos disse:

      Grande Mauro. A P4 é, em minha modestíssima opinião, o mais belo carro de corridas de todos os tempos. Para mim foi paixão à primeira vista. Grande abraço

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