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Meu livro, lançado em 94, deveria ser monumento às vitórias que assombraram o mundo. Porém...

Meu livro “Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria” completou vinte anos na semana passada.

A noite de autógrafos, numa cervejaria no bairro de Pinheiros, em São Paulo, aconteceu no dia 22 de março, semana do GP do Brasil 94, e foi um sucesso, graças à generosidade de tantos amigos e à oferta gratuita de chopp.

Salvo por uma manifestação evidentemente exagerada de dois queridos amigos no FaceBook, durante o final de semana, a data passou despercebida. Não poderia ser diferente. O livro, afinal, é datado, retratando um período da história dos pilotos brasileiros na Fórmula 1 há muito superado.

Quem poderia, naquele momento, imaginar que sofreríamos em Tamburello, uns 40 dias mais tarde, o mais duro golpe que o destino poderia nos reservar? Quem poderia imaginar, depois da galante temporada de Ayrton Senna em 93, um penoso jejum de mais de seis anos sem vitórias na Fórmula 1? Quem poderia imaginar que, a partir de então, nossos pilotos na categoria seriam mais frequentemente alvo de deboche do que de regozijo? Meu livro, que deveria ser monumento às vitórias que assombraram o mundo, tornou-se epitáfio coberto por folhas caídas, que ninguém se deu ao trabalho de varrer.

Envaideci-me na época do lançamento por ter forjado – pensava eu – uma tese para explicar a supremacia brasileira nas pistas internacionais desde o desembarque de Emerson Fittipaldi na categoria, no GP da Inglaterra de 1970.

A tese me ocorreu uma madrugada, depois de algumas horas de trabalho. Meus processos mentais levam às últimas consequências, infelizmente, a máxima “99% de transpiração, 1% de inspiração”, esta só ocorrendo, na maioria das vezes, quando já estou encharcado de suor.

Fascinava-me naquela altura algo que havia lido em algum livro de Barbara Tuchman (mas – oh memória traiçoeira! – pode ser também em John Lukacs), que os operários ingleses se alinharam espontaneamente em filas ordeiras para o alistamento militar, tão logo foram convocados pelo Rei para as mortíferas trincheiras da I Guerra Mundial. Nada os deteve, como alguns esperançosos militantes comunistas imaginavam. “Alistaram-se e morreram como sempre fizeram até então: pelo Rei e pela Pátria” foi a frase que me motivou (e que não deve ser, em verdade, nada disso, não é, pérfida memória?).

Amalgamei a frase, cruzei-a com uma foto em close de Jack Brabham que me impressionou e nem sei mais onde vi, e a empurrei goela abaixo nas carreiras em nada semelhantes de Emerson, Nelson Piquet e Senna, concluindo que eles se destacaram no automobilismo porque tinham algum ideal superior, algo acima dos interesses mais mundanos e pontuais que moviam os pilotos europeus.

Minha tese nunca foi contestada. Imagino que por irrelevante. Algumas vezes, tentei eu próprio contestá-la mas não tive paciência e desprendimento suficientes para produzir uma antítese, muito menos uma síntese. Vá lá dizer que Emerson e Senna corriam movidos pela Pátria. Mas Piquet? Fala sério… Só arranjando as coisas de uma maneira tão parcial que a tese poderia caber a qualquer piloto que veio depois deles.

Enfim, cada um concebe a tese que pode…

Nunca reli o meu livro a sério mas me choca, hoje, o seu tom hagiográfico. Nossos três campeões podem até merecer a canonização mas, movido por um sentimento que me é inato – o de querer sempre agradar a todos –, estendi elogios aos demais pilotos brasileiros que trafegaram na Fórmula 1.

Tornei-me muito mais crítico depois de 94. Sigo identificando qualidades superlativas em Emerson, Piquet e Senna, e também em Wilsinho, Alex Dias Ribeiro, Ingo Hoffman, Roberto Puppo Moreno e Maurício Gugelmin. A coragem e os feitos deles nas pistas são, de fato, inspiradores, a ponto de ainda mover uma multidão de jovens pilotos brasileiros em direção à Europa, anos após ano. Se, no entanto, escrevesse ou reescrevesse o livro hoje, seria mais cuidadoso ao distribuir elogios e externar admiração imorredoura, como se todos fossem santos. Em minha defesa, digo apenas que, ao contar a história de Piquet talvez tenha chegado mais próximo do que sou hoje, como jornalista. No capítulo “Lutando contra o Super-Homem”, que narra os anos do brasileiro na Williams, consegui me distanciar o bastante para retratar com senso crítico e objetividade o desempenho de Piquet contra Nigel Mansell e situar o inglês num patamar de desempenho, naquele momento, claramente superior ao do rival. Edu, O Azedo, começa a mostrar-se naquelas páginas. Em muitas outras, ele simplesmente não existia ainda.

“Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria” foi um sucesso de vendas e – agradável surpresa – me valeu um bom dinheiro e muitas amizades no meio automobilístico, ao qual eu era totalmente estranho até então.

A primeira edição saiu com cinco mil exemplares, dois mil deles comprados diretamente por empresas. Os outros três mil se esgotaram nos dias seguintes ao 1º de maio, que me rendeu ainda a triste distinção de ser convidado a vários programas de TV, na vã tentativa de explicar o que havia acontecido em Ímola.

A Editora Globo me encomendou uma segunda edição, com um capítulo que tentasse narrar a morte de Ayrton Senna. Escrevi este texto febrilmente em poucos dias. Não passei nem perto da causa do acidente – quem poderia imaginá-la? – mas tive uma boa sacada em relação à empáfia da categoria em relação aos seus níveis de segurança.

A nova edição vendeu bem. Talvez tenha havido alguma reimpressão, não lembro. O fato é que, um belo dia, ela se esgotou. A Editora nunca mais se interessou pelo livro, inclusive por uma proposta minha de atualizá-lo, inserindo a história dos pilotos brasileiros a partir de 94. Hoje, só pode ser encontrado nos sites de compra e troca.

Não tenho no momento disposição de reeditar o livro. Seria uma trabalheira considerável resgatar a carreira tão longa de Rubinho e Felipe Massa e a miríade de pilotos brasileiros que passaram pela Fórmula 1 desde então.

Olhar meu livro, hoje, me traz sentimentos predominantemente bons. Gosto de alguns trechos, ele em nada me envergonhar humana e profissionalmente, é sempre bom ouvir de alguém que o leu e gostou.

Ele me lembra, contudo, que o mundo girou muito nestes vintes anos. Mudou a Fórmula 1, mudaram os pilotos brasileiros, mudei eu. E tudo só reforça a impressão que me domina e contra a qual – acreditem – luto diuturnamente, de que o melhor já passou.

Abraços

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

12 Comments

  1. Adriano Oliveira disse:

    Tenho meu exemplar a um bom tempo e sempre releio com prazer. Realmente você tece elogios para alguns pilotos brasileiros que não merecem tanto assim ( Fittipaldi sobrinho, Gugelmin, Ingo ). Talvez por gosto pessoal você foi mais jornalista ao narrar a história do Piquet, mostrando mais o lado malandro dele. Parabéns pela obra.

  2. Enzo Bettoni Bortolotti disse:

    Poeira……levantar poeira………….que venha Malásia!!!

  3. Allan disse:

    Ah! O tempo… Inexorável, muda tudo e a todos, sem quaisquer distinção. Nada é como ontem, nem o que mudou se manterá amanhã. Ainda que não goste, sempre olho no retrovisor, diuturnamente, e vejo muitos defeitos e algumas qualidades. De tal forma que sim, mudaria muita coisa, muito embora tenho certeza que se voltasse no tempo com a mesma mentalidade e sentimentos de antes repetiria tudo igualzinho… Se voltasse com a mentalidade e sentimentos atuais, seria rico, provavelmente, mas velho e rabugento demais para alguém com 20 anos… Enfim, seu texto, embora extremamente ordinário (desculpe-me se era para tratar do livro e o que mudou; li e vi muito mais sobre mudanças nos seus sentimentos e mentalidade, sendo a obra uma escusa desculpável – afinal estamos aqui sempre falando de esportes a motor e seus personagens…), é excelente (outra vez) em mesclar tudo isso… Abs., Edu! E obrigado por ensinar mais uma palavra (hagiográfico, relativo a hagiografia, biografia de santo) 🙂

  4. Bruno Wenson disse:

    Excelente livro, considerando que tem opiniões e redação próprias, e não cópias e descrições simples de corridas e vidas. A teoria do ramo de ouro é muito bem sacada.

    Sobre ver com menos elogios e hagiografia, sugiro ler essas obras que tratam de grandes personagens e demonstram como são grandes e ao mesmo tempo comuns. E, nada angelicais ou sobre humanos.

    http://www.theguardian.com/books/2004/oct/09/highereducation.biography
    http://origin.veja.abril.com.br/090108/p_097.shtml

    Gostarás da leitura.

  5. Fernando Marques disse:

    Edu,

    adoraria ler o seu livro … me arranja um … nem que seja xerox …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  6. Annibal Silva disse:

    Olá Edu. Tomei conhecimento de seus textos pela antiga revista Grid, quando publicou uma valiosa materia, relativa ao GP da Alemanha de 1935 (como muitos não a conhecem, acho que vale a pedida de publica-la aqui no site). Passou anos até me deparar com seu livro numa loja no Rio. Considero uma das principais obras de referencia sobre F1 publicada em nosso país.

  7. Mauro Santana disse:

    Grande Edu!

    Sabes que sou seu fã, apesar de infelizmente nunca ter lhe conhecido pessoalmente, sou seu fã!

    Tenho a segunda edição do seu livro, e ele é diferente de tudo que vinha feito até 1º de maio de 94.

    Como músico, entendo o seu lado ao comentar que após 20 anos você modifica-se uma coisa ou outra, é a mesma coisa com certas canções, que com o passar do tempo em que foram compostas, passem pelo achismo de que deveria ter sido feita assim ou assado.

    Isso é normal, pois com o tempo nossa cabeça vai mudando, mas nossas raízes sempre estarão firmes e fortes.

    O trecho que mais gosto do seu livro encontra-se na página 221, que é um relato do inglês John Watson ao falar do que viu Senna fazer em Brands Hatch em 1985, simplesmente fantástico.

    Sempre tive a curiosidade em lhe fazer uma pergunta a respeito da capa do seu livro, e acho que o momento é agora:

    Por que nas duas capas das duas edições tem o símbolo do Sinal Verde que era aquele programa que passava no intervalo do Jornal Nacional no sábado à noite véspera de um GP?

    Edu

    PARABÉNS mais uma vez, você fez história e como o amigo Mário bem descreveu, nós leitores recebemos um baita presentão, primeiro com o livro, e depois com o site.

    Um dia ainda mando o meu livro pelo correio pra você autografa-lo.

    MUITO OBRIGADO EDU!!!!!!!!!!!!!!!!

    Abraço a todos!!!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  8. Luciano disse:

    Tenho a primeira edição, e posso testemunhar como ‘mero’ leitor: Com uma escrita madura, inteligente, lúcida e ácida como poucas já vistas no segmento, o Eduardo transmite nessa obra, com larga isenção e propriedade, os encantadores matizes quintessenciais do talento brasileiro na F1. É um livro obrigatório na estante de qualquer um que se julgue apreciador da categoria. Enfim, entro sem qualquer constrangimento para o time daqueles que se ‘manifestam exageradamente’ pelo aniversário desta bela obra! Obrigado, Eduardo, por elevar meu conhecimento e senso crítico acerca do circo automobilístico mais famoso do planeta!

  9. Mário Salustiano disse:

    Edu meu amigo

    Seu livro é um marco para gerações de entusiastas , até aquela data de 1994 vivíamos de raríssimas informações sobre automobilismo, e sem exagero de minha parte, o seu livro é um dos primeiros a fazer uma análise bem minuciosa da atuação dos brasileiros na Fórmula 1 ,da forma mais apropriada que o contexto daquela época te possibilitou, num dos textos de maior fluidez que tive a chance de ler nesses anos todos

    Tenho com muito carinho as duas edições lançadas e sempre vez ou outra releio e descubro novas perspectivas em seus textos, a poucos meses fiz uma releitura e sinceramente acho que tua auto denominação como pessoa azeda não é bem o que eu acho quando conversamos, acho sim que a idade nos traz um senso muito mais apurado e isento de fatos passados e quanto mais distantes os fatos vão ficando, melhor você foi ficando na forma de avaliar o que aconteceu, mas como qualquer escritor do seu gabarito imagino que a cada releitura tua deve te fazer pensar numa forma melhor de escrever.

    Você sem dúvida merece nossos aplausos e parabéns, mas o presente maior ganhamos nós leitores, pelo livro e pelo site, capitaneados por você nossa história está bem contada e preservada.

    Abraços

    Mário

  10. Sou fã incondicional do livro. Tive a sorte de encontrar meu exemplar quando ainda começava a caminhar no aprendizado da história automobilística pré-1980, e muita coisa aprendi ali, num texto que à época foi escrito com o mesmo entusiasmo com que o lia – e leio até hoje.
    Além do mais, é muito bem escrito. O próprio estilo narrativo foi sempre inspirador quando me vi diante da difícil missão de contar histórias (sempre achei mais fácil analisar), e digo sem medo que passei a escrever de forma diferente após essa leitura.
    Como publiquei há poucos dias em minha conta no Facebook, foi um dos 10 livros que mais me marcaram na vida.
    Se alguns planos derem certo, espero vê-lo de volta às livrarias num futuro não muito distante.

  11. joel vidal junior disse:

    Comprei o seu livro no Carrefour Campinas logo após o 1º de Maio. Mantenho-o até hoje e já o reli centenas de vezes. Leitura agradável e leve para quem gosta do assunto como todos nós que aqui frequentamos, porém ainda nos dias de hoje tenho a mesma sensação de que houve um certo desprezo em relação aos pilotos não brasileiros, no caso de Mansell e Prost, que foram tratados como imbecis e sem qualquer valor dentro do cenário esportivo. Ambos foram grandes, goste-se ou não, e quem gosta do esporte não concorda com este tipo de menosprezo quando o piloto não é brasileiro. O que conta é o esporte, sempre. Quem gosta de Formula 1 gosta de técnica, de projetos, das emoções que aparecem repentinamente, os pilotos sempre passam, a F1 não.
    O título é bem claro: Pela glória e pela Pátria !, trata-se um um livro de pilotos nativos e uma ou outra informação sobre Formula 1 ( interessante sua análise sobre o acidente de Rindt ), mas na realidade quando o comprei, eu estava a procura de algum material inédito deste esporte, pois a maioria dos fatos alí narrados, já eram conhecidos pelos textos de Lemyr, Francisco Santos, Auto-Esporte, Quatro Rodas, etc.
    Somos da mesma geração, eu acredito, e admiro uma pessoa que teve a ousadia de escrever sobre Formula 1 num país tão desinformado quanto o nosso. Foi uma grande surpresa e muito bem vinda. Esperava uma nova edição atualizada, mas pelo seu artigo eu acho que não virá. Uma pena. Em tempo: sempre torci pelo Emerson.
    Ainda assim, valeu e muito o seu esforço em nos apresentar um ótimo trabalho.

    Saudações e minha admiração.

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