O mecânico mais veloz do mundo – Final

O mecânico mais veloz do mundo – parte 2
06/11/2017
O bom, o mau e o feio
13/11/2017

Confira o início desta história clicando aqui.

A Mercedes fazia marcas de giz nos pneus dianteiros para evitar largadas em falso, mas parece que Farina largou um pouco antes e assumiu a ponta.

Não era uma vantagem duradoura e as Mercedes logo o passaram. Desta vez era Müller na ponta, seguido por Lang, Nuvolari, Rudi, Farina e Seaman. Lang tenta passar Müller de todas as formas, mas este se mantém no meio da pista, bloqueando todos os espaços.

Lang era efetivamente mais rápido, mas o matreiro piloto da Auto Union tratava de lançar todo o spray possível na direção do compatriota. Como os capacetes eram abertos, primitivos, a água suja ia na direção da boca, o que gerava muito desconforto para Lang.

Neubauer protesta junto à direção da prova mas, estranhamente, os comissários passam a agitar a bandeira azul para… Lang!

Cansado, Hermann acena para Rudi, o Regenmeister inconteste, o passar, assim como Seaman. Rudi imediatamente ataca Müller, mas com igual resultado. Na ânsia, o veterano ás roda na La Source e não consegue mais sair do lugar.

Na volta 11 Müller vai para os boxes com problemas, e Seaman assume a ponta. Sentindo-se à vontade, passa a fazer voltas rápidas, tratando de se afastar de Lang.

Mas o boxe informa a este que Nuvolari está se aproximando e, apesar de nunca ter gostado de correr na chuva, faz a volta mais rápida da corrida.

Seaman pára na volta 17 e Lang também, mas uma porca de roda teimosa faz o ingles perder a ponta. Ele estava há algum tempo na equipe. Tinha consciência de que a única ameaça real à supremacia de Caratsch, depois de Fagioli, tinha sido Lang. E este tinha prevalecido. Dick ainda não tinha tido chance de mostrar serviço e aquele parecia ser o dia de consolidar uma posição, de preferencia com uma vitória sobre a nova estrela alemã. E assim ele ultrapassa Lang na volta seguinte e vai abrindo distancia. Logo está meio minuto na frente do rival.

Naquela época, perto da Bus Stop havia uma rápida curva para a esquerda chamada Club Corner. De repente Dick perde o ponto de freada dessa curva e sai fora da pista, em área cheia de árvores. O carro bate em uma delas e vai parar em outra, que praticamente o dobra ao meio. O inglês fica prensado contra o banco pelo volante. Com o pulso direito quebrado, não consegue sair do carro. Com o choque os dutos de conexão entre o tanque sobre as pernas do piloto e o traseiro se rompem e o combustível, uma mistura de álcool metílico, nitrobenzol, acetona e éter começam a escorrer. Pouco menos de 420 litros, ele tinha dado pouco mais de 4 voltas, inundam o cockpit e vão alcançar o escapamento. O contato com a superfície fervendo faz o combustível entrar em ignição. Os soldados penam para vencer aquela sucursal do inferno.

É creditada ao Tenente Haumann, do 1º de Lanceiros, a façanha de ter tirado o piloto das chamas.

Lang para nos boxes para informar o que tinha acontecido, perguntando se devia abandonar, mas Neubauer, sem ter uma noção exata da gravidade do acidente, o manda seguir.

Um erro no carburador de Lang leva a um consumo mais alto de combustível e 3 km antes de completar a penúltima volta o motor pára, religa e pára de novo. Lang dá um jeito de chegar até a La Source a aí embala para chegar aos boxes. A equipe rapidamente coloca 30L mas, com os dutos vazios, o motor se recusa a ligar. Lang desliza para a Eau Rouge e quando chega no topo o motor finalmente volta à vida. Hasse passa por ele nesse momento. Lang dispara e consegue cruzar a linha de chegada mágicos 17” à frente do segundo colocado.

Após a corrida os pilotos foram visitar Seaman no hospital. Tendo recobrado a consciência, este explica que se entusiasmou com a oportunidade de se firmar como um novo Regenmeister (Caratsch tinha rodado!) e cometeu um erro. Morre pouco depois, aos 26 anos. A curva Club Corner mudou de nome, em homenagem a Seaman.

No GP da França é a vez de Rudi, apesar da experiencia, exagerar, errar e sair fora da pista, na ansia de vencer aquele mecânico veloz. Ele bate na parede de uma casa na primeira volta. O tanque também se rompe, mas felizmente escapa ileso. Lang lidera, abre 2’ sobre o segundo colocado mas tem um pistão estourado e Müller vence.

No GP da Alemanha Lang larga em primeiro, pass 28” ao fechar a primeira volta e 40” ao fechar a segunda. Mas o motor começa a apresentar o mesmo problema que o privou da vitória na França e ele vai aos boxes, preferindo abandonar para não destruir de vez o motor (uma vez mecânico…).

Neubauer então sinaliza para o novato Brendel vir aos boxes, para passar o carro a Lang, mas este desobedece e continua. E bate na volta seguinte, dando de presente a que seria a última vitória da carreira de Caracciola.

Lang vence o GP da Alemanha de subida de montanha, realizado na Áustria. Vence o GP da Suíça, debaixo de chuva. Mesmo assumidamente inferior a Rudi nessas condições cruza a linha 3” à frente do Regenmeister, após renhida luta com ele e Farina (Alfa).

Na última corrida antes da guerra, nas ruas de Belgrado, Lang é obrigado a abandonar quando uma pedra atirada pelos pneus do carro de von B arrebenta não apenas o parabrisa como seus óculos de proteção. Ele vem aos boxes e é constatado que tem pedaços de vidro em um de seus olhos.

Até esse momento Lang tinha vencido 5 das 8 provas disputadas, apresentando-se super competitivo em todas elas. Sucesso completo.

É o campeão de subida de montanha.

Quanto ao campeonato europeu de GP, equivalente ao mundial de F1, houve uma controversia.

Como esse também foi o ano em que começou a 2a. Guerra Mundial o campeonato foi – brutalmente – interrompido. A autoridade do governo nazista responsável pela categoria, Hühnlein, declarou que Lang era o campeão, mas de forma não oficial. Posteriores pesquisas indicam que Müller seria o campeão por direito, embora ninguém tivesse dúvidas de que Lang tinha sido o melhor piloto da temporada.

O fato é que nunca houve um campeão oficial da temporada de 39.

Conforme escreveu em sua biografia, com o início do conflito mundial, “meu mundo desapareceu.” Lang teve que esperar até que acontecesse a primeira grande corrida do pós-guerra, em 21 de julho de 1946, a subida de montanha de Ruhestein na Floresta Negra, para retomar a carreira. Ele vence, com a BMW que tinha vencido a Mille Miglia de 1940.

Em 1951, após um hiato de 12 anos, a Daimler-Benz está forte o suficiente para começar a voltar às pistas e Lang é chamado.  

Em fevereiro desse ano ocorre a Copa Perón, na Argentina. Lang vence uma corrida e chega em terceiro em outra, com um dos Mercedes GP pré-guerra. Mas o foco da montadora alemã agora está no segmento de carros esporte, com o lançamento da 300SL gullwing.

Em 52 chega em segundo no GP de Berna e vence as 24 hs de Le Mans em dupla com Fritz Riess, com a 300SL. Esta é a famosa corrida em que Levegh quebra após liderar por 23 horas.

Ele vence ainda em Nürburgring e termina em segundo na Carrera Panamericana.

Em 53 faz uma corrida pela Maserati, GP da Suíça, substituindo Froilán Gonzalez, que tinha se ferido em um acidente em Lisboa, chegando em quinto.

Em 1954 a Mercedes já está pronta para voltar à categoria GP/Formula 1, e faz isso como antes, com força total (leia-se verba em aberto), algo inédito se comparado com Ferrari e Maserati, fábricas especialistas, pure racers, portanto com muito menos recursos.

Os carros eram um misto de inovação, com chassis multitubulares, e tradição, com freios a tambor.

O esforço maior seria feito no GP da Alemanha. Três carros foram construídos, para Fangio, Kling e Lang (que era piloto convidado) e um outro, streamlined, para Hans Herrmann.

Fangio faz a pole, Lang é apenas o 11º. Nos treinos, o terceiro piloto argentino em atividade na Europa, Onofre Marimón, tem um acidente fatal. Fangio e González ficam chocados e, a princípio, não querem mais participar dessa prova. Mas o profissionalismo acaba se impondo.

Froilán larga esplendidamente da terceira fila e assume a liderança, mas Fangio não tarda a se impor. Lang também faz ótima largada e alcança logo o 4º posto. Com o abandono de Moss (Maserati) ele sobe para 3º. Depois de 7 voltas Lang já estava em segundo, tendo passado Froilán. Kling vinha em terceiro, portanto a Mercedes estava ocupando todo o pódio naquele momento.

Kling começa a ter problemas de fluxo de combustível e decide ir ao limite para parar o mais cedo possível nos boxes. Ele passa Lang que, sem saber do problema, aceita o combate e acelera também. Na ansia, acaba andando mais que o carro e roda na Flugplatz. O motor morre e ele não consegue religar. Fangio fica com a vitória depois que Kling, que tinha assumido a ponta tem uma suspensão traseira quebrada.

O próximo GP seria o da Italia. A Mercedes decide que Lang e Herrmann teriam que disputar um assento. O jovem Hans é minimamente mais rápido e fica com o lugar. Com 45 anos, 20 anos passados desde sua estréia, Lang decide que é o momento de parar.

Mas não abandona a Mercedes nem é abandonado por ela: passa a ser inspetor de serviços ao cliente. Morre em sua cidade natal em 1987.

Nada contra colocar Hamilton entre os maiores pilotos de todos os tempos, mas é justo fazer isso sem comparar com gente como Hermann Lang, o mecânico mais rápido do mundo?

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

4 Comments

  1. bslnew disse:

    Mais uma fascinante história do pré-guerra! Obrigado pelos textos!

  2. Mauro Santana disse:

    Top Chiesa!

    Uma história incrível, de um tempo que mais parecia ter acontecido em outro planeta, vendo da óptica dos dias atuais.

    Parabéns, coluna Épica!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

  3. Fernando Marques disse:

    Chiesa,

    parabéns … ” O mecânico mais veloz do mundo” foi uma aula de história sobre o automobilismo mundial … emocionante e imperdível para quem ainda não leu.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  4. Rubergil Jr. disse:

    Que textos. Que história. É impossível ler estes textos e não se emocionar com estas histórias. Não tinha lembrado que Lang havia ganho uma Le Mans (justo aquela do Levegh!) e que tinha corrido de F-1.

    Todos estes relatos sobre estes pilotos feitos aqui no GPeto (sobre Lang, Rudi, Rosemeyer) são simplesmente imperdíveis, obrigatórios para qualquer um que goste de automobilismo.

    Obrigado!

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