DESPISTANDO OS ADVERSÁRIOS

Testes servem para testar – e enganar…
23/01/2002
R$ 2.047.986,80
28/01/2002

Edu,

Pode ser que alguns leitores, principalmente os mais jovens, não conheçam Ricardo Divila. A estes, eu apresento o engenheiro que acompanhou toda a trajetória da equipe Fittipaldi na F 1, sendo o responsável direto pelo projeto de pelo menos cinco carros (FD 01, FD 02, FD 03, FD 04 e F9; o “D” dos primeiros significa Divila). Foi o primeiro projetista sul-americano a projetar um F 1. Depois da Fittipaldi, Divila passou por equipes como Ligier e Minardi. No ano passado, trabalhou para uma equipe de F 3000.

Fiquei muito contente por receber de Divila uma mensagem para o GPtotal, comentando nossas impressões sobre testes dadas nas cartas de 21 e 23 de janeiro. Passo a palavra a ele:

“Hoje, o dever de toda equipe de teste é voltar com um bom tempo para os patrocinadores, e a condição do carro ao fazer os tempos é sempre uma incógnita. A questão dos carros das equipes com problemas de patrocínio até levou a uma série de correspondências entre as grandes equipes e a FIA, exigindo que houvesse um fiscal da FIA para controlar os carros nos testes de inverno e assim ter certeza que os carros estavam ‘legais’.

Os ‘campeões de inverno’ já são notórios (…). Por outro lado, as equipes de ponta jogam de gato e rato, andando com tanque cheio e/ou levantando o pé durante a volta para encobrir a real performance dos seus carros. Com a telemetria, é possível juntar três ou quatro voltas e pegar os melhores trechos para dar o tempo de volta ideal. É difícil para as equipes adversárias fazer o mesmo. Para isso, existem grupos de cronometristas espalhados pela pista cronometrando trechos e velocidades, mais a cronometragem das parciais da FIA para medir as possibilidades dos outros.”

Um depoimento esclarecedor, dado por quem conhece a coisa por dentro. Muito obrigado, Ricardo. Escreva sempre e abraços.

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Amanhã (sábado), à meia-noite, acontece a largada da Mil Milhas Brasileiras, em Interlagos. É a mais tradicional corrida de endurance do Brasil. Foi criada por Wilson Fittipaldi (o Barão, pai de Wilsinho e Emerson) e por Eloy Gogliano (dirigente que, entre erros e acertos, foi uma figura obrigatória no motociclismo brasileiro; morreu, já bastante idoso mas em plena atividade, em meados dos anos 90).

Nos anos 50 e 60, a Mil Milhas podia tranqüilamente ser considerada a nossa 24 Horas de Le Mans – claro que com as devidas proporções. Motivava fabricantes (Willys, Vemag, Simca, FNM), equipes fortes (Jolly-Gancia, Dacon) e pilotos independentes de todos os calibres (desde feras como Camilo Christófaro e Catarino Andreatta até amadores que só corriam uma vez por ano). A imprensa dava grande cobertura e o público comparecia em massa. Na São Paulo dos anos 50 e 60, Interlagos era uma bela chance de ir a um lugar bonito e distante para acampar (sim, o público acampava no autódromo, às vezes bem perto da pista), se divertir e, digamos assim, namorar.

A Mil Milhas foi uma das corridas mais afetadas pelas restrições ao uso de combustível nas competições, nos anos 70. Ficou oito anos sem ser realizada e voltou em 1981. Em outras ocasiões, ela deixou de ser realizada porque o autódromo estava fechado para reformas. Por isso, apesar de a primeira edição ter sido realizada em 1956, a de 2002 será apenas a 30ª edição da prova. E houve dois anos em que, por motivos diversos, ela deixou seu local de origem (Interlagos) e foi realizada em Brasília e Curitiba. (Alguém aí consegue imaginar a 24 Horas de Le Mans acontecendo em Paul Ricard ou Magny Cours?)

Hoje, a Mil Milhas é um sucesso em número de inscritos (a corrida deste ano tem mais de 70 carros, incluindo uma maravilhosa Lister Storm trazida pelo Alcides Diniz) e até em participação das fábricas (Porsche e Fiat prepararam carros especialmente para a prova). Mas está desprovida de carisma e não tem mais apelo para o público. Interlagos foi totalmente urbanizado – mal urbanizado, como a própria cidade de São Paulo. Há uma imensa favela ao lado do autódromo e é bem pouco recomendável ficar longe dos boxes à noite. Também não há mais como acampar lá dentro. O público, em resumo, não tem outra coisa para fazer, a não ser ver carros passando. Algo bem diferente do que acontece em Le Mans, onde existem restaurantes, parques, lojas de lembranças e até um museu sobre a história da prova.

Por esses e outros fatores, a Mil Milhas tornou-se uma corrida cujo encanto fica restrito aos participantes e aos fãs do esporte. Torço para que seus promotores atuais consigam reverter este quadro. Será um trabalho árduo e que só dará frutos em alguns anos, mas valerá a pena.

Um abraço,

Panda

GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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