São Paulo, 21 de julho de 2002
Edu,
Vivemos hoje um momento histórico: Michael Schumacher conquistou seu quinto título mundial e igualou o recorde de Juan Manuel Fangio, que atingiu essa marca nos anos 1950 (1951-1954-1955-1956-1957).
Repito uma historinha que contei aqui no GPtotal há poucas semanas. Em 1992, Fangio esteve no Brasil e disse que gostaria de ver Senna superar seus feitos. “Assim, eu poderia descansar um pouco do ‘mito Fangio'”, disse o argentino na época.
O destino quis que os cinco títulos de Fangio fossem igualados por Schumacher e não por Senna. Se estivesse vivo, Fangio, com todo seu cavalheirismo, simpatia e humildade, certamente já teria cumprimentado Schumacher pela conquista de hoje.
Para quem acha Schumacher “arrogante”, uma lição de humildade em seu comentário sobre a inevitável comparação com Fangio: “Repito o que já disse várias vezes: não é justo nos comparar. O que os pilotos faziam naquela época era demais. Eles guiavam carros perigosos em pistas precárias, eu talvez não conseguiria fazer o mesmo. Fangio construiu uma carreira inacreditável.”
Outra: há uns dois ou três anos, o repórter Reginaldo Leme produziu para a Rede Globo uma ótima matéria na qual perguntava a vários grandes pilotos (Emerson, Piquet, Stewart, Prost e outros) quem eram os cinco melhores pilotos da história. Evidentemente, entrevistou Schumacher. Não lembro de todos os nomes citados pelo alemão (Fangio, Senna e Prost estavam entre eles). A certa altura, Reginaldo perguntou: “E você?”. Surpreso, Schumacher respondeu: “Eu? (pausa). Não sei… Ainda estou por aqui, não faço parte da história…”
Schumacher, como todo mundo que conhece automobilismo, dá a Fangio o valor que o argentino merece. O alemão tem toda razão ao dizer que não cabem comparações entre os dois. Ambos podem ser considerados os maiores pilotos da história da Fórmula 1, cada um em sua época.
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Uma outra historinha contada por Fangio durante aquela visita ao Brasil, há dez anos. No início, ele estranhou bastante o ambiente da Mercedes-Benz, para onde foi correr depois de passar pela Alfa Romeo e pela Maserati. “Quando eu ganhava uma corrida pela Alfa ou pela Maserati, todos faziam uma grande festa. Quando ganhei minha primeira corrida na Mercedes, as pessoas foram muito frias comigo. Fiquei achando que não gostavam de mim, que eu não era querido na equipe. Passado um tempo, fui me trocar para ir embora e encontrei uma rosa com um cartão de agradecimento. Só então tive dimensão da diferença cultural entre a Mercedes e as equipes latinas.”
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Palavras do jornalista argentino Eduardo Ruiz, da “Fox Sports Latinoamerica”, a nossos colegas do www.grandepremio.com.br: “Tivemos que esperar 50 anos para que alguém repetisse o feito de Fangio, o que não é pouco tempo. Schumacher é um grande piloto e nos sentimos orgulhosos na Argentina de que Juan Manuel Fangio seja uma referência para todos”.
Uma postura bem mais positiva, sensata e honesta do que a muitos brasileiros que dizem que Schumacher só tem todas suas glórias porque “não competiu (sic) contra o Senna”. Aliás, Schumacher nunca escondeu: antes de chegar à F 1, ele tinha Senna como um de seus ídolos.
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O pentacampeonato de Schumacher ia acontecer mais cedo ou mais tarde. Os detratores vão dizer que Schumacher dificilmente sairia de Magny Cours com o pentacampeonato se Barrichello tivesse corrido, se Montoya não tivesse perdido rendimento, se Raikkonen não tivesse errado nas últimas voltas…
Mas o fato é que Schumacher também errou (e pagou por isso com um drive-through) ao passar por cima da linha que delimita a saída do box. Ele recuperou-se e fez seu trabalho ao estar por perto de Raikkonen quando este errou. Portanto, não foi apenas sorte, mas uma questão de fazer o que deveria ser feito: andar o mais forte possível e esperar por acontecimentos que o favorecessem.
Se fosse com outros pilotos, os detratores de Schumacher chamariam-no de “brilhante estrategista”. Como se trata do alemão, é “sorte”. Como se existisse campeão azarado…
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Os números a seguir foram levantados por nosso amigo Tales Torraga, do www.grandepremio.com.br. Além de igualar o recorde de Fangio (total de cinco títulos), Schumacher detém os seguintes recordes:
– Maior número de vitórias na F 1: 61.
– Maior número de melhores voltas: 47.
– Maior número de corridas terminadas nos três primeiros lugares: 108.
– Maior número de pontos marcados: 897.
– Maior número de voltas lideradas: 3.423, ainda sem contar as do GP de hoje;
– Venceu um título mundial com 6 corridas de antecipação e 64,7% das 17 etapas do campeonato disputadas. O recorde anterior era de 1992, quando Nigel Mansell ganhou o título cinco provas antes do final, com 68,7% delas disputadas. Além disso, Schumacher venceu seu título em 21 de julho, enquanto o inglês foi campeão em 16 de agosto.
– É o piloto que conseguiu maior número de pontuações consecutivas: 16 – bateu hoje o recorde de 15, que pertencia a Carlos Reutemann desde 1981.
Como se vê, faltam bem poucas marcas para o alemão superar. De cabeça, lembro do recorde de títulos (falta um para ele ser o recordista absoluto), de poles (Senna tem 65, Schumacher tem 46), vitórias consecutivas (9 de Alberto Ascari em 1952 e 1953, sendo que entre a sétima e a oitava aconteceu a 500 Milhas de Indianapolis de 1953, da qual o italiano não participou) e vitórias numa mesma temporada (Mansell conseguiu 9 vitórias em 1992 e Schumacher igualou esse número em 1995 . A porcentagem de vitórias de Fangio, porém, é muito maior: 48%, contra uns 34% de Schumacher. Senna e Prost têm uma porcentagem aproximada de 25% de vitórias nas corridas que disputaram.
Se for campeão no ano que vem, Schumacher igualará o recorde de títulos consecutivos (quatro de Fangio, entre 1954 e 1957). De qualquer maneira, os três títulos seguidos do alemão entre 2000 e 2002 constituem um feito que apenas o próprio Fangio havia conseguido antes.
Outro feito notável de Schumacher: ter vencido pelo menos uma vez todas as provas que compõem o atual campeonato. Apenas Fangio havia conseguido isso nos anos 50 – mas não estou considerando nesse cálculo as 500 Milhas de Indianapolis, que faziam parte do campeonato mas não tinham participação das equipes européias.
Conheço muita gente que simplesmente não se conforma com o fato de Schumacher estar superando recordes e entrando para a história como um dos maiores de todos os tempos. Há também aqueles que tentam inutilmente diminuir os méritos de Schumacher para tentar realçar as conquistas de Ayrton Senna – como se o brasileiro precisasse deste tipo de “defesa”.
A estes, apresento duas maneiras de lidar com a atual situação. Uma é vivenciar este momento histórico e ver um dos maiores pilotos de todos os tempos vencer competições, dar shows de pilotagem e estabelecer novos recordes. A outra é perder o bonde da história, amaldiçoar sabe-se lá a quê ou a quem e sangrar em vida a cada novo recorde batido por Schumacher. Ah, e separar um bom dinheiro para tratar das úlceras e outras patologias que costumam acometer pessoas que vivem em permanente estado de amargura. Porque os recordes de Schumacher têm tudo para durar pelo menos uns 10 a 15 anos.
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Observação de minha mulher, Alessandra: “Já deve ter gente pensando que a única coisa boa no título de Schumacher é que faz um argentino perder a condição de recordista absoluto…”. Não duvido que realmente haja alguns anti-argentinos (muitos dos quais sequer sabendo direito por que torcem contra a Argentina) realmente pensando assim…
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O GP da França foi uma corrida muito interessante e disputada. O tipo de corrida que qualquer um gosta de assistir: disputas pela liderança, boas exibições individuais, alguns sustos (como a asa solta de Eddie Irvine), novatos disputando posição com veteranos. E, surpresa: três carros (Montoya, Schumacher e Raikkonen) andando juntos durante um bom tempo.
Uma pena que Kimi Raikkonen tenha errado uma freada e perdido sua primeira vitória na F 1 a apenas quatro voltas do final. Mas dá para perceber que ele encontrou o caminho da vitória. Ela virá, talvez ainda este ano.
A corrida de Montoya, o novo “Rei da Pole”, mais uma vez foi prejudicada pela falta de confiabilidade do Williams. Se eu não tivesse visto a imagem na TV, teria tido a impressão de que ele pegou outro Williams ao sair do segundo pit stop.
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Que papel ridículo o da Arrows. Em vez de fechar logo as portas ou resolver seus problemas, expõe seus pilotos a situações constrangedoras, como a de exigir que eles não obtenham o tempo mínimo necessário para largar. Para ficar assim, é melhor fechar logo as portas.
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. É perfeitamente compreensível que um piloto fique irritado ao não conseguir largar. Mas mandar uma “banana” a seus mecânicos, como fez Barrichello ao sair de seu carro, é uma prova de imaturidade. Agir como bebê contrariado por causa de uma falha mecânica não ajuda em nada a ganhar simpatia dos membros da equipe. No GP da França de 1996, Schumacher largaria na pole position, mas seu motor explodiu em plena volta de apresentação. Nunca se soube que o alemão tivesse mandado “bananas” a seus mecânicos.
Barrichello está guiando muito bem, mas ainda tem atitudes que só o prejudicam perante seus pares. E o pior é que já parece ser tarde demais para ele mudar.
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Registro feito por nosso companheiro Flávio Gomes, do www.grandepremio.com.br, durante a transmissão da corrida para a Rádio Bandeirantes. Um grupo de engraçadinhos colocou no alambrado de Magny Cours uma faixa com a frase “Please Yoong, crash here” (Por favor, Yoong, bata aqui). O malaio, porém, foi até o final da corrida (claro, deu uma rodada no meio da corrida) e chegou em 10º lugar, último entre os que receberam a bandeirada.
Boa semana a todos,
Pandini
Pergunta: O Copersucar FD-04, de 76, perdeu rendimento após a retirada das entradas de ar?
Embora a causa do acidente nunca tenha sido especificada, a viuva do Donohue processou a Goodyear e a Bell (fabricante do capacete que ele estava usando) em US$ 20 milhões numa época em que o orçamento da maior equipe de F1 era US$ 8 milhões. Em parte por causa disso, a Goodyear optou por um pneu super seguro mas que trouxe problemas para as equipes que tinham carros com uma distribuição de peso na região dos 35% na frente e 65% atrás, como nós na Copersucar. O caso mais extremo – Shadow e Lotus – era 34%. Os novos pneus acabaram beneficiando as equipes que fizeram o desenvolvimento de inverno para a Goodyear – McLaren e Ferrari, que tinham uma distribuição de 38 a 39% na frente. Os novos pneus melhoraram também a prestação das Brabham. Isso foi na Espanha. Na corrida seguinte, na Bélgica, nem classificamos (ali tem mais uma história mas fica para depois…) e na Suécia tivemos que parar durante a corrida pois o carro saia tanto de frente que gastamos o pneu até a lona. A única solução e encontramos foi a de colocar espaçadores Pergunta: O Copersucar F-6 foi o único projeto do Ralph Bellamy. Por que demorou tanto para projetá-lo, o que dificultou? Resposta: Como execução, foi um dos carros mais avançados da época. Tínhamos uma colaboração técnica com a Embraer que tinha (e tem) um nível tecnológico muito alto. Eles faziam as empenagens do Northrop F5, se não me engano, como sub-contratante para a Força Aérea Americana. O F6 foi um dos primeiros monocoques em composito alumínio com colmeia (honeycomb) – o outro foi a McLaren M29 -, um processo de de execução cara e demorada. O projeto em si decorreu normalmente, assim como a construção. Grande abraço Ricardo Divilla |