Luis Fernando Ramos |
Oficialmente, a Oktoberfest 2003 (a original, em Munique) vai terminar no dia 5 de outubro. Mas é bem provável que ela se prolongue por uma semana para os locais se juntarem na madrugada do dia 12. Nesta noite, as tendas repletas de cerveja estarão repletas de pessoas torcendo para que os carros da nação derrotem as máquinas alemãs e italianas em Suzuka para dar à Bavária mais um título mundial de Fórmula 1, o segundo na história do país após o de 1983.
País? Mas Munique e a Bavária não são parte da Alemanha? Sim. E não também. A região compõe um dos vários estados alemães, mas é dentre todos o mais imbuído de uma personalidade própria, independente, orgulhosa ao extremo de suas tradições e de sua maneira de viver. Antes de ser alemão, o sujeito ali é Bávaro com b maiúsculo, orgulhoso de seu sotaque, de sua cerveja de trigo, do seu Bayern de Munique e de sua BMW.
Esta atitude gera até certo ponto uma raiva dos alemães, que vêem o povo do sul como arrogantes. Me lembro na minha primeira viagem pela Europa, com mochilão e tudo, sempre comentava com todo alemão que eu encontrava o quanto fiquei encantado com Munique. “Munique?”, torciam o nariz. “Você ainda precisa conhecer a verdadeira Alemanha, rapaz”, completavam.
Na Fórmula 1, a “verdadeira Alemanha” passa por várias escalas antes de chegar à BMW. O herói nacional, óbvio, é Michael Schumacher, que veio da classe média e conquistou sozinho o olimpo do esporte, colocando de novo as corridas no coração do povo germânico, algo que não acontecia desde a década de 50. Abaixo dele vem a Mercedes, as “Flechas de Prata” que foram responsáveis pelo “boom” da Fórmula 1 no país nos anos 50. Apenas em terceiro lugar na preferência do público vem a BMW, ainda assim mais aceita por contar com o “herdeiro do rei”, o eterno irmão Ralf Schumacher.
Por tudo isso, uma possível conquista do título mundial por Juan Pablo Montoya em Suzuka (duvido que algo se decida antes disso) seria uma afronta ao torcedor alemão médio – e uma glória para os que vêm do sul do país. Afinal, seria o triunfo do carro com o azul e branco da bandeira deles (no contrato com a Williams, a BMW exigiu que os carros fossem pintados nestas cores e que os outros patrocinadores também se sujeitassem à elas, independente do logotipo original). Uma vitória da Fábrica de Motores da Bavária (Bayerisches Motor Werk – BMW). Além de terem a melhor festa popular, a melhor cerveja e o melhor time de futebol do país, eles teriam também o melhor carro do mundo, uma gostosa novidade para um povo que adora viver de ego inflado.
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Achei curiosa a decisão da FIA em punir Ralf Schumacher pelo acidente na largada. Me pareceu mais uma pena pelo que ele falou aos comissários após a prova, já que as imagens deram a impressão à Deus e o mundo que foi um incidente de corrida. Um testemunho mais inteligente teria livrado sua barra.
E quem mais ganhou com isto foi justamente o irmão Michael. No calor insuportável que costuma fazer em Budapeste, ele perderia pontos preciosos na luta pelo título chegando atrás de Ralf. Agora, ficou mais fácil a luta para chegar pelo menos em segundo lugar na corrida, já que o bom senso aponta para mais uma vitória tranqüila de Montoya.
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Na média dos treinos classificatórios, Antonio Pizzonia ficou 0s6 atrás de Mark Webber. Em Hockenheim, Wilson foi 1s2 mais lento que o australiano – que fez uma volta ruim, errando no final. Mais capítulos sobre a brilhante política de empregos da Jaguar nas próximas corridas.
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A última edição da revista F1 Business trouxe uma curiosa pesquisa: quanto cada piloto ganhou em salários durante sua carreira na categoria. A lista, que não inclui o dinheiro extra ganho com propaganda, é obviamente encabeçada por Michael Schumacher: US$ 229 milhões ganhos em 12 temporadas. Jacques Villeneuve, com 91 milhões, é um distante segundo colocado. Ayrton Senna (US$ 83,7) completa este pódio imaginário dos endinheirados.
Olhando mais abaixo é possível perceber os primeiros efeitos da Fórmula 1 moderna. No top 10 temos quatro pilotos que nunca foram campeões mundiais: Gerhard Berger (6°), Eddie Irvine (7°), Ralf Schumacher (8°) e Jean Alesi (9°). Rubens Barrichello está em décimo-primeiro, três lugares à frente do tricampeão mundial Nelson Piquet.
Dentre os pilotos que nunca venceram um Grande Prêmio, o mais rico é o pirralho Jenson Button, décimo-sétimo da lista, que já levantou US$ 23 milhões em quatro temporadas – ou um milhão para cada ano de vida do jovem inglês.
A coisa piora quando procuramos os grandes nomes dos anos 70 na lista. Emerson Fittipaldi é o quadragésimo da lista, alguns lugares e muitos milhões atrás de gente do calibre de Thierry Boutsen (36°), Ricardo Zonta (34°), Nick Heidfeld (32°), Alexander Wurz (29°), Mika Salo (27°) e Pedro de la Rosa (23°).
Outros brazucas: Cristiano da Matta (42°), Luciano Burti (47°), José Carlos Pace (74°), Roberto Moreno (80°), Maurício Gugelmin e Felipe Massa (ambos em 83°). Ruim? De jeito nenhum! O último lugar da lista dos milionários da F1 é um certo Jackie Stewart, que levantou 1 milhão redondinho em sua carreira.
Curioso lembrar que pilotos como Fangio faziam 30, às vezes 40 corridas por ano nas mais diversas categorias para conseguir levar um dinheiro decente para casa. Isto numa época com carros, circuitos e índices de segurança precários, na qual o menor erro custamava resultar em morte. Hoje, dos pilotos que disputam a atual temporada, apenas Ralph Firman, Antonio Pizzonia, Justin Wilson e Nicolas Kiesa não estão milionários – mas devem ter ganho mais do que Fangio levou nas pistas durante toda sua carreira.
Esta é a F1 moderna: de dar risada, se não fosse para chorar.
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Mais uma da série “o novo regulamento é uma merda” (copyright Luiz Alberto Pandini): no Mundial de Rali, o líder do campeonato há várias rodadas é o intragável inglês (desculpem a redundância) Richard Burns, com diversas atuações sofríveis. Abdicando desde o início de lutar pela vitória, Burns não se arrisca nas especiais, livrando o risco de um acidente ou de uma manobra que danifique o carro. Assim, vai colecionando terceiros, quartos e quinto lugares (às vezes um ou outro segundo) e pinta como o principal candidato ao título.
Isto é efeito da “genial” nova pontuação da FIA que diminuiu o valor da vitória. Correndo com o freio de mão puxado, Burns tem cinco pontos de vantagem sobre Marcus Grönholm, que já venceu três ralis este ano. Na pontuação antiga, estaria oito pontos atrás.
Alguém ainda discorda do Panda?
Abraços,
Luis Fernando Ramos