O GRANDE GIL

“Voltinha na pista”
07/09/2003
WITH A LITTLE HELP FROM OUR FRIENDS
11/09/2003

Edu,

Primeiro, um aviso aos leitores do GPtotal que gostam de futebol. Meu amigo Mário Sérgio Venditti criou, em parceria com amigos, um site chamado www.vaiprogol.com.br. A proposta é parecida com a do GPtotal: escrever sobre futebol com olhos e emoções de torcedor, mas usando a experiência acumulada em anos de atividade jornalística. Em outras palavras: opinião pura e não necessariamente imparcial – até porque cada colunista escreve justamente sobre o time para o qual torce.

É nesse site que estreará ainda nesta semana uma nova colunista: Alessandra Alves, de quem os leitores do GPtotal já têm boas referências. Corintiana fanática (para mim, nascido em Santos, isto mostra que não existe mulher perfeita), Alessandra comentará futebol de igual para igual com os homens. Que ninguém espere dela elogios às pernas do Diego ou críticas às cores do uniforme do Barcelona: ela chega para incomodar muitos barbados que se consideram conhecedores de futebol. Vale a pena conferir.

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Às vezes eu gostaria de ser dois, três ou quatro para ter tempo de fazer tudo o que gostaria. Na semana passada, “tive” que comentar outros assuntos e acabei não mencionando a notícia mais importante: o fim da carreira de Gil de Ferran quando terminar a atual temporada da IRL.

Eu espero sinceramente que o público brasileiro e os futuros jornalistas e historiadores do automobilismo nacional dêem a devida importância à carreira de Gil. Um tremendo piloto, bom como poucos. Conquistou títulos nas categorias de base realmente importantes (kart, Fórmula Ford, Fórmula 3), vitórias em outras (Fórmula Opel e Fórmula 3000) e que impressionou profundamente a um tricampeão chamado Jackie Stewart, para quem correu em 1990 e de 1992 a 1994. Tenho certeza de que, se a Stewart tivesse entrado na F 1 em 1995 e não em 1997, Gil seria um de seus pilotos.

No final de 1994, Gil recebeu um convite para testar o Reynard da equipe de Jim Hall, na época uma das mais fortes do campeonato da CART. Bastou esse teste para ser contratado para a temporada seguinte. Mostrou-se imediatamente um piloto rápido, técnico e vencedor, ainda que tenha demorado alguns anos para ser campeão da CART (conquistou os títulos de 2000 e 2001). Em 2002, passou para a IRL e disputou o título até a penúltima etapa, onde sofreu um acidente que o deixou fora da corrida final. Em 2003, conquistou a vitória mais importante da sua vida: a 500 Milhas de Indianapolis.

“Faltou a Fórmula 1”, poderão dizer alguns. Gil esteve perto dela em algumas oportunidades. Em 1992, um de seus prêmios pelo título inglês de F 3 foi testar o Williams-Renault no final do ano. Guiou em Silverstone e foi assessorado por Alain Prost, que já estava testando o carro para o ano seguinte. Mesmo com pista úmida, Gil virou tempos muito próximos do francês. Mas a vaga na F 1 não apareceu (ou melhor, deve ter aparecido, mas naquelas condições que todos nós conhecemos) e Gil preferiu passar para a F 3000 em 1993.

No final desse ano, fez novo teste com um F 1, desta vez na Arrows, em Estoril. Deu poucas voltas em um carro com cockpit muito apertado (Gil é mais alto e corpulento que a média dos pilotos da F 1). Em um intervalo, bateu a cabeça na quina da porta do caminhão da Arrows. Sofreu um corte profundo na testa, precisou levar pontos e o teste acabou aí. Depois disso, Gil só voltou a guiar um F 1 (McLaren) em 1994, mas apenas para fazer filmagens para a Marlboro. No final de 1995, correram boatos de que Gil poderia correr na Ligier no ano seguinte. Mas ficou só no boato.

Ainda em 1995, fiz com Gil uma ótima entrevista (uma das melhores que já tive com um piloto) para a revista Grid. Inteligente, sensato, profundo conhecedor e apaixonado por tudo o que se relaciona com automobilismo, Gil de Ferran é um piloto de estirpe similar apenas à de poucos dos grandes campeões do automobilismo. Merecia uma chance na Fórmula 1. Mas a Fórmula 1, há muito tempo, não vem fazendo por merecer um Gil de Ferran em seus grids.

Aproveite cada segundo de suas últimas corridas, campeão. E muitas felicidades na nova fase em que você vai entrar.

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Graças à ajuda do Edu e do amigo Michel Rost, revi depois de mais de 20 anos a “Os Campeões”, um dos três filmes brasileiros que conheço que têm o automobilismo como tema. Os outros são “Roberto Carlos a 300 quilômetros por hora”, de 1971, e “O Fabuloso Fittipaldi”, de 1974.

“Os Campeões” é de 1981 e tem nos papéis principais atores como o português Toni Correa (que fez algumas novelas na Globo nos anos 1970), Armando Bógus, José de Abreu e Marcelo Picchi. Toni é um piloto português contratado para disputar o Campeonato Brasileiro de Fórmula VW 1600 (Super-Vê), enquanto Bógus, depois de algum tempo parado, corre na Divisão 3 (categoria forte na época, aberta a carros de rua preparados).
Bastaram poucos minutos para eu lembrar do texto feito na época pelo saudoso Edmar Pereira (um dos melhores críticos de cinema que conheci) para o “Jornal da Tarde”: “Os Campeões… de um campeonato de clichês”. Além dos clichês, o filme tem algumas piadas sem graça e pilotos com personalidades demasiado marcadas e artificiais: o galã, o malandro boa-praça, o filhinho-de-papai, o vilão trapaceiro. É o “bem” contra o “mal”, sem matizes.

Os minutos iniciais prometem, com imagens e bastidores do GP do Brasil de 1980 – o último disputado no traçado original de Interlagos. Emerson Fittipaldi, René Arnoux, Alain Prost e outros pilotos são facilmente reconhecidos. No grid, Toni Correa aparece cumprimentando Emerson e Nelson Piquet, já dentro dos carros. Será que Bernie Ecclestone permitiria algo assim hoje?

Emerson, Riccardo Patrese e Carlo Chitti (então chefe da equipe Alfa Romeo) aparecem também em uma boate. Depois, o filme entra na fase das corridas nacionais. As cenas de corrida preparadas especialmente para o filme são risíveis. Os carros andam juntos e trocam de posição de uma maneira que não é vista nem na Nascar. Chega-se a usar o recurso da câmera rápida para dar sensação de velocidade. Há ainda falhas graves de continuidade: corridas realizadas em Jacarepaguá ou Brasília são complementadas com cenas gravadas em Interlagos. Para o público leigo, imperceptível. Para quem gosta e conhece, imperdoável. Pior ainda é mostrar largadas de corridas de Stock Car (Opala) como se fossem de Divisão 3, onde corriam carros como Fusca, Passat e Gol – este último, o modelo usado pelos protagonistas do filme. As cenas de corridas verdadeiras de Fórmula Super-Vê e Divisão 3 são poucas e mal aproveitadas.

Em outros aspectos a produção foi caprichada. O merchandising foi sutil e eficiente: venderam-se espaços em carros preparados para as filmagens – ninguém estranha a presença de patrocinadores em um carro de corrida. Carros e capacetes dos protagonistas foram pintados especialmente para o filme pelo famoso Sid Mosca e macacões foram confeccionados para os personagens. Mas pinturas e macacões bonitos não são suficientes para salvar o “campeonato de clichês”.

Abraços,

LAP

GPTotal
GPTotal
A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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