Considerações finais – versão 2018

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A F1 fecha mais um tomo de sua história, e o que nos resta é, finda a corrida nesse arremedo de circuito de Abu Dhabi, tentar entender o que se passou nesse ano de 2018.

A corrida em si teve seu agito, acima da média do que ocorre nessa pista, um Tilkódromo que certamente foi desenhado após o complexo turístico ter sido erguido – e não o contrário, como manda o bom senso. Parece aqueles circuitos que fazíamos quando criança em nossos quartos ou sala de estar, pra brincar de carrinho: tudo passava em volta dos móveis…

Lewis Hamilton venceu com uma tática fora do script, realizando sua troca de pneus surpreendentemente cedo, logo na 8ª volta (quando a pilha da Ferrari do despedinte Kimi Räikkönen acabou em plena reta dos boxes), o que demandou intervenção de um Safety Car.

Não parecia ser tática muito lógica, mas o inglês conseguiu fazer um notável gerenciamento dos pneus, confiou no taco e manteve a ponta assim que os adversários precisaram de borracha nova em plena bandeira verde. Uma mostra de pilotagem fina, ao mesmo tempo que comprova o ótimo balanço do carro da Mercedes neste fim de ano.

Dentro desse espectro, Sebastian Vettel fez um segundo lugar que para alguns pode parecer burocrático, mas que para mim é um modo do alemão voltar aos eixos e terminar a temporada sabendo o que tem que fazer se quiser derrotar Lewis em 2019: vencer sempre que a oportunidade sorrir e coletar o máximo de pontos possíveis quando a vitória estiver fora de alcance.

Max Verstappen fez valer sua impetuosidade, escalou o pelotão (com direito a chega-pra-lá no desafeto Esteban Ocon) e fechou o ano com mais um pódio, enquanto seu companheiro de Red Bull, Daniel Ricciardo, que estava à frente, se despediu do time com um 4º lugar porque tentou jogar com uma ameaça de chuva (!) em plena terra árida dos Emirados. De fato, chegaram a cair algumas gotinhas, mas ninguém escorregou na casca de banana.

Dentro do agito da corrida rolou até capotagem. E Nico Hülkenberg não pode sair de imediato do carro por causa do… halo! Sim, ele mesmo! Aquele que apareceu como solução para todos os problemas do esporte a motor.

A gente faz até careta de riso quando o Charlie Whiting tem que dizer da maneira mais cara-de-pau do mundo que aquela trapizonga não atrapalhou na saída do piloto…

Impossível não reservar um espaço pra falar no estúpido (essa é a palavra mais amena que achei) corte de transmissão por parte da TV Globo, um par de segundos após a bandeirada. Quando eu vi o simbolozinho de copyright da FOM eu já pensei comigo “oh não, eles vão fazer isso…”. Fizeram.

Foi um corte estúpido porque passou longe de ser necessário. A transmissão foi abruptamente encerrada sem tempo sequer para a equipe de cobertura da F1 fazer uma despedida a contento.

E para quê? Para voltar o mais rápido possível para o Esporte Espetacular, a fim de realizar um giro com repórteres em estádios vazios, ou com meia-dúzia de torcedores desocupados, para passar informações “importantíssimas” sobre o Brasileirão de Futebol.

Ora, faça-me um favor, né? Se ainda houvesse algo urgente a ser mostrado ao vivo, uma final de outro esporte, algo assim… E pior, numa rodada que todos sabiam que o Palmeiras ia ser campeão e ponto. Eram informações que certamente poderiam esperar dois ou três minutos a mais, ou simplesmente serem cortadas, pois tinham relevância questionável.

E nessa tremenda falta de respeito com o público, perdemos a volta de desaceleração em que Vettel e Hamilton, os dois maiores campeões da atualidade, escoltaram a McLaren de Fernando Alonso, que fazia sua despedida (não-definitiva) da F1 ao chegar em 11º.

Quando os três finalmente chegaram à reta dos boxes, fizeram zerinhos juntos na pista, uma apoteose que levou os torcedores a loucura, embalados por 11 títulos mundiais. E o público brasileiro perdeu isso – que no fim das contas era até mais importante que a corrida em si.

A detentora dos direitos de transmissão precisa parar de achar que não existem opções além dela. Cada vez mais pessoas abandonam a TV aberta para assistir a corrida pela Internet, em atraentes e completos serviços de streaming pagos – ou então em sinais piratas mesmo. Situações como essa, de encerramento abrupto, apenas aumentam a demanda por esse tipo de serviço.

O público cativo, fiel, está cansado de levar porrada. E o público flutuante fica sem atrativos para gostar da coisa.

Futebol é prioridade? Claro que sim. Mas no jornalismo, prioridade é o que está acontecendo ao vivo. O que puder esperar, que espere.

A transmissão da Globo, por sinal, passou mais tempo puxando o saco do Will Smith do que falando da despedida de Alonso.

Cheguei até achar que eles elegeriam o eterno Príncipe de Bel Air o piloto do dia…

///

Muitos estão exaltando a chegada da maturidade de Lewis Hamilton. Alguns, inclusive, já estão afobadamente tentando determinar uma posição entre os melhores da história, enquanto que a Globo entrou numa histeria desenfreada de comparar os números de Hamilton aos de Michael Schumacher – como se este fosse o grande atrativo para o público nos próximos anos…

Eu tenho minhas reservas quanto a essa “maturidade”. É certo que Lewis é um talento destacado, que tem como dotes grande velocidade e eficiência. Foi o piloto do ano, mas encontrou um cenário de alívio de pressão bastante cômodo nestes dois últimos anos de batalha contra Vettel e sua Ferrari.

Em 2017 foi a colisão de Cingapura, em 2018, a rodada de Vettel na Alemanha. Depois desses dois eventos, a Ferrari auto-implodiu, abrindo caminho. E isso sem ter concorrência interna, já que Bottas ficou certamente abaixo da crítica este ano, mas cumpriu diversas vezes o papel de escudeiro, incluindo abdicar de uma vitória certa na Rússia, onde Lewis misteriosamente anda mal.

Como ficou o Power Ranking das equipes ao fim do ano? Tivemos, sim, uma variação do equilíbrio de forças entre os construtores. Mercedes e Ferrari alternaram a condição de melhores carros a cada fim de semana, com vantagem geral para a Mercedes, sobretudo no fim do ano, com atualizações certeiras.

A Red Bull Teve seus momentos de desempenho notável, ou de aproveitamento de oportunidades para emplacar 4 vitórias no ano – duas para cada piloto, mas no geral se comportou como terceira força.

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Daqui em diante tivemos um enorme abismo de desempenho para as demais equipes. Era até constrangedor como os carros desses três times escalavam o pelotão em situação de corrida de recuperação.

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O resto das equipes teve que se contentar com migalhas. O único pódio desse grupo foi da Force India de Sergio Pérez no atribulado GP do Azerbaijão (gosto daquela pista!). A equipe “campeã do resto” foi a Renault, que teve um carro mais consistente que os outros, diante de uma alternância de forças contra Force India (que teve seus pontos partidos ao meio pela mudança de acionistas) e Haas, que por algumas vezes teve o melhor carro do grupo, mas que não conseguiu converter isso em pontos – muito em parte por contar com Magnussem e sobretudo Grosjean para fazer isso…

A Sauber certamente foi a equipe que mais cresceu durante o ano, já que no começo do ano, na Austrália, foi dona do pior desempenho. Mas desde lá eu já previa que o time cresceria, e o progresso foi notável, sobretudo porque contaram com um Charles Leclerc que mostrou que é realmente talentoso. Ele já está de malas prontas para a Ferrari, que não contratava uma jovem promessa desde Felipe Massa. Mas não sei explicar o porquê, mas temo que Leclerc venha a se tornar um Jean Alesi do Século XXI…

A Toro Rosso, em sua primeira temporada de Honda, fez meros 33 pontos. Mas foram três a mais que a McLaren no ano passado… Nessa última corrida do ano, a Toro de Pierre Gasly explodiu em fumaça, na cara de Max Verstappen, quando este se preparava para lhe aplicar uma volta.

Pode ser um sinal de que o futuro dos companheiros de Red Bull no ano que vem, com Honda atrás dos ombros, pode ser nebuloso…

Faltou apenas falarmos das tradicionais McLaren e Williams. Sobre a primeira, a admissão de que o chassi desse ano é pior que o do ano passado é um atestado de vexame, e o time foi o que mais caiu em desempenho.

Quanto à Williams, ela só foi melhor que a Sauber nas duas ou três primeiras corridas, para depois ser largamente a pior equipe do ano, claramente dona do pior chassi, já que era empurrada pelo melhor motor, Mercedes. No ano em que tiveram a pior dupla de pilotos (Stroll e Sirotkin), a pior pontuação de sua história.

Sinceramente não sei o que vai ser da equipe, que perdeu o patrocínio da Martini, e o caminhão de dinheiro da família Stroll. Desde já estou com dó de Robert Kubica e George Russell.

Um Top-10 rapidão, sem precisar se justificar? Sim!

1 – Hamilton

2 – Vettel

3 – Verstappen

4 – Ricciardo

5 – Alonso

6 – Leclerc

7 – Gasly

8 – Pérez

9 – Hülkenberg

10 – Stroll (não, gente, esse aqui eu botei só pra sacanear)

Repararam? Nosso site está de cara nova. Sim, antecipamos o modelo 2019!

Ficaremos sem F1 até março do ano que vem? Só fica quem quer. Pra quem gosta mesmo disso aqui, passa esse tempo pesquisando e enriquecendo o saber com a rica história do esporte.

Nesses dias mesmo, dei de cara com uma informação ligeiramente chocante que eu não sabia, relacionada ao primeiro triunfo brasileiro na F1: Emerson Fittipaldi ganhou o GP dos Estados Unidos de 1970 com o motor Ford Cosworth retirado dos destroços do acidente fatal de Jochen Rindt em Monza.

Sua Lotus, que tinha sistemas de freio onboard (discos pra dentro do chassi, e não por dentro das rodas) também tinha uma atualização igualmente perturbadora: semi-eixos sólidos, e não mais com tubos ocos, como era até Monza.

Como disse nosso chefe Edu, isso não tem outro nome, senão confissão de culpa, já que a maior suspeita da época é que um semi-eixo oco tenha se partido e levado Rindt ao descontrole na entrada da Curva Parabolica.

Outros tempos… que nos surpreendem até hoje.

Abração!

Lucas Giavoni

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    belo texto … assino embaixo tudo o que voce disse da corrida e da transmissão dela pela TV Globo.
    Eu achei a temporada deste ano bem interessante … pena que o folego da Ferrari tenha sido curto, ao contrário teríamos mais emoções ao fim do campeonato.
    A “aposentadoria” do Alonso vai ser sentida. Apesar da toda evolução de Hamilton como piloto, não sei por acho que o Alonso tem mais braço qu o ingles.
    Gostei da repaginada do GEPETO. Espero até março conhecer e/ou relembrar boas histórias do passado do automobilismo mundial.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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