Festa em meio ao luto

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Nos últimos anos o tradicional palco de Monza sempre ficou envolto em ameaças de sair do calendário da F1, algo que não é inédito, pois em 1980 o Grande Prêmio da Itália foi em Ímola. Em todo anúncio de calendário, um perigoso asterisco aparecia ao lado de Monza, mas nessa semana a Liberty anunciou um longo acordo de cinco anos com o circuito nas redondezas de Milão e os tifosi terão a certeza que vibrarão com a Ferrari até 2024.

O anúncio do acordo com Monza não poderia ter sido num momento mais propício do que a festa de noventa anos da Ferrari, reunindo vários carros da longa jornada ferrarista na F1, além de vários pilotos que vestiram vermelho ao longo dos últimos setenta anos. Monza sem a Ferrari é como se diz a música: é Romeu sem Julieta.

Mesmo com a festa garantida em Monza por mais alguns anos, a F1 chegará ao circuito ainda em luto pela morte de Anthoine Hubert no último sábado, numa corrida de F2. Foi a primeira vez em vinte e cinco anos que  um acidente fatal ocorreu num evento de F1 e se em 1994 houve uma pausa de quinze dias após os trágicos acontecimentos em Ímola, todos os envolvidos não demorarão mais do que cinco dias antes de estarem novamente nos seus carros numa pista de corrida.

Antes mesmo da largada da F1, será interessante observar o comportamento dos pilotos da F2 nas duas baterias em Monza, já que perderam um companheiro a poucos dias e tem outro gravemente ferido (Juan Manuel Correa) ainda internado no hospital. Pilotos muito jovens, a turma da F2 terá que mostrar bastante personalidade numa corrida que deverá ser muito dura para eles.

Já Charles Leclerc provou que não lhe falta personalidade em momentos de adversidade. Inspirado e apoiado pelo pai Hervé quando começou a carreira no kart, Charles viu a morte do seu grande apoiador na metade da temporada que se consagrava campeão da F2 em 2017. Dois anos antes viu seu amigo e mentor Jules Bianchi sucumbir aos sérios ferimentos, nove meses após o terrível acidente em Suzuka. Leclerc faz parte de uma talentosa geração de pilotos que começaram a correr praticamente juntos na França, tendo como principais expoentes Pierre Gasly, Esteban Ocon, Anthoine Hubert e ele. Leclerc e Hubert eram grandes amigos. Horas antes da largada em Spa semana passada, Charles Leclerc recebeu um pedido especial do contemporâneo Gasly: Vença essa corrida por Anthoine! Horas depois deu um longo abraço na mãe de Hubert e quando foi para a corrida, teve que passar 44 vezes pelo local da tragédia que tinha vitimado seu amigo vinte e quatro horas antes. Mesmo com todo esse drama envolvido, Leclerc venceu sua primeira corrida de F1.

Charles Leclerc pode ter cara de criança nos seus 21 anos de idade, mas o monegasco já passou várias situações que poucos pilotos, consagrados ou não, passaram.

A vitória da Ferrari em Spa foi conseguida na base da força do motor V6 híbrido italiano. Em Monza, circuito em que a potência é ainda mais importante do que Spa, a Ferrari será ainda mais favorita, certo? Em termos.

Mesmo tendo uma grande desvantagem nas retas, a Mercedes colocou seus dois pilotos no pódio e Hamilton chegou menos de 1s atrás de Leclerc na bandeirada, muito pelo melhor trato que os carros alemães tem com os pneus Pirelli, permitindo que Hamilton tirasse até 1.5s no segundo setor de Spa nas voltas finais da corrida. Além do mais, a nova especificação do motor Ferrari explodiu nas mãos de Giovinazzi na Bélgica e ainda há dúvidas sobre a confiabilidade da nova unidade de potência, que será usada pela dupla ferrarista nesse final de semana. Se serve de consolo para os italianos, a Mercedes também sofreu com as quebras dos motores de Pérez e Kubica com a nova especificação em Spa. Numa prova onde o motor será levado ao limite máximo, a confiabilidade poderá ser essencial. Mesmo com a Ferrari em vantagem por causa da sua maior potência, a Mercedes ainda poderá fazer jogo duro, principalmente se os pneus forem um fator importante no domingo.

A Red Bull esteve longe de incomodar Ferrari e Mercedes na rápida pista de Spa, mas a Honda levará uma nova especificação para ser usada por Verstappen, o que ocasionará uma punição ao holandês, que largará no fundo do pelotão. Nas mãos de Kvyat e Albon, o novo motor mostrou um ótimo serviço num circuito de velocidade como Spa e ambos saíram das últimas posições rumo aos pontos. O caso de Albon é ainda mais significativo, pois estreando num carro de ponta, o tailandês conseguiu seu melhor resultado na carreira e fez mais em uma prova do que Gasly na primeira metade desta temporada. Apesar da recaída nos primeiros metros do último Grande Prêmio, será uma atração e tanto ver Max Verstappen saindo das últimas filas no domingo.

No pelotão intermediário, a McLaren vai mostrando sua força, mesmo que o motor Renault tenha tirado uma ótima quinta posição de Lando Norris no último domingo. A Alfa Romeo voltará à Monza pela primeira vez em 34 anos e quererá mostrar um bom trabalho na frente de sua torcida. Antes de Günther Steiner pense em cobrar seus atrapalhados pilotos, seria bom antes o dirigente argumentar com seus engenheiros o porquê do carro da Haas ser tão rápido na classificação para ter um desempenho pífio em ritmo de corrida, onde os pontos são conquistados. A Renault continua em seu calvário numa temporada muito abaixo das expectativas, mas Nico Hulkenberg terá motivos de sobras para fazer um bom trabalho e assim ter chances de estar na F1 em 2020, seja pela Alfa Romeo ou Haas.

A Ferrari chegará com moral ao seu lar espiritual, mas ainda tem um membro infeliz. A ordem para que Vettel deixasse Leclerc passar e fazer o alemão cumprir a inglória tarefa de segurar Hamilton para garantir a vitória do companheiro de equipe deve abalar ainda mais a moral de Vettel. O alemão é daqueles pilotos que tem ser a prima-dona da equipe e com Leclerc se tornando cada vez mais o queridinho da Ferrari e da torcida, Vettel poderá ficar ainda mais acabrunhado. Hamilton segue em sua contagem regressiva rumo ao hexa e com Verstappen pisando na bola feio em Spa, o inglês ainda teve mais certeza do título, já que Lewis sabe que Bottas não é uma ameaça real aos seus planos de bater todos os recordes possíveis na F1.

Com a vitória de Leclerc no último domingo, o mítico templo da velocidade de Monza estará em festa e recebendo um ótimo público de tifosi selvagens, esperando por outra consagradora vitória. Porém, a Mercedes está longe de estar morta, principalmente em ritmo de corrida. Além do mais, há previsão de chuva em boa parte do final de semana.

O esporte que amamos pode ser bastante cruel às vezes. Mesmo com toda a segurança em carros e pistas, o lema ‘Motorsport is dangerous’ está mais vivo do que nunca. Domingo será de festa em Monza, mesmo com todo o automobilismo ainda de luto.

Abraços!

João Carlos Viana

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    JC,

    Vou torcer pro Vettel vencer a corrida

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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