Briga de gigantes

O crepúsculo dos deuses
19/09/2022
21 anos depois…
29/09/2022

Quarta edição do Grand Prix de Monza, 1931.

O último dos grandes eventos internacionais do ano.

Enorme audiência garantida, ansiosa para presenciar o confronto entre as mais poderosas Alfas, Bugattis e Maseratis já criadas, em circuito de altíssima velocidade, que incluía a hoje saudosa curva parabólica original.

O regulamento não impunha limites para capacidade cúbica do motor e peso dos carros.

A Alfa inscreveu cinco carros. As duas Tipo A (2 motores de 6 cilindros instalados lado a lado, 3,5L) para Campari e Nuvolari, e três tipo Monza (8 cilindros 2,3L) para Borzacchini, Ferdinando Minoia e Giovanni MInozzi. Estes dois eram talentos em ascenção.

A Maserati inscreveu duas 26M 2,8L para Luigi Fagioli e o francês René Dreyfus. O próprio Ernesto Maserati iria pilotar a V4, com motor de 4,0L, 16 cilindros, que já tinha vencido o GP de Roma desse ano.

Como as inscrições estavam divididas por capacidade cúbica, sendo a menos potente até 1.100cc, seguida por uma até 2.000cc, a seguinte até 3.000cc e finalmente outra acima de 3.0L.

Para tentar a vitória na categoria até 2.000cc a Maserati inscreveu uma 26B de 2,0L para Amedeo Ruggeri.

A Bugatti finalmente apresentou seus “big guns”, duas T54, 5.0L 8 cilindros, para Varzi e Chiron, finalizadas em ritmo febril nas duas últimas semanas.

A montadora francesa já tinha construído um modelo de 16 cilindros, a T45, mas optou por esse de 8, que entregava 300HP, com velocidade máxima de 240 km/h.

A Alfa Tipo A entregava 240HP mas tinha velocidade máxima similar.

A V4 também tinha 240HP com velocidade máxima de 255 km/h.

Já na terça-feira anterior à prova Alfa e Maserati iniciavam seus testes de pista.

Campari marcou 2’31” em sua melhor volta com a Tipo A, tempo que foi considerado próximo do recorde de 2’29″16 marcado pelo falecido Arcangeli no ano anterior. Minozzi também testou.

Ernesto, Dreyfus e Ruggeri trataram de obter dados para seus engenheiros, como se diz hoje. O melhor tempo de Ernesto ficou bem acima do obtido por Campari, igualado posteriormente por Tazio. Preocupante.

Esse processo continuou na quarta e na quinta, com os gigantes dividindo a pista com aquela multidão de competidores com menos chance.

A Bugatti chegou somente na sexta, com Varzi e Chiron também virando em 2’31”. Promissor.

O tempo no dia da corrida estava magnífico, céu azul e calor.

Cerca de 100 mil pessoas compareceram para testemunhar o grande confronto.

E começou auspicioso para a Maserati, com Ruggeri vencendo a primeira bateria, para carros até 2,0L.

A segunda bateria reunia os carros até 3,0L e era muito aguardada, porque teria o confronto direto entre o maior número de Alfas e Maseratis.

Fagioli aproveitou bem a oportunidade de largar na primeira fila (onde tinha a companhia de mais 4 rivais, coisas da época) e assumiu a liderança. Logo ficou claro que as Alfa não eram páreo para as Maserati e foram ficando para trás. Na altura da volta 5 Dreyfus alcançou Luigi, os dois duelaram por duas voltas até que o italiano reassumiu a ponta.

Na volta 11 René consegue passar novamente Fagioli mas leva o  troco na volta seguinte e terminam assim. MInoia e Marcel Lehoux (Bugatti T51) chegam na sequência.

 

A terceira bateria era a que gerava mais excitação, pois finalmente os carros mais potentes já vistos na categoria se enfrentariam, agora com a tão esperada inclusão da Bugatti.

Apenas 5 carros, todos alinhando na primeira fila.

Chiron e Nuvolari largaram melhor, seguidos por Varzi, Maserati e Campari. Pilotando agressivamente Achille passa os dois antes do fim da primeira volta, tomando a ponta.

Claro que Tazio não vai deixar isso assim e passa o monegasco na volta 2.

A V4 mostra-se excessivamente pesada para esse confronto e Ernesto cai para a quinta posição.

A T54 leva vantagem nas retas, a Tipo A nas curvas.

Aos poucos o mantuano vai reduzindo a diferença, virando pouco acima dos 2’31”, e ultrapassa o amigo/rival na nona volta.

Mas o pneu dianteiro direito perde a banda de rodagem e Nuvolari precisa ir aos boxes.

Perde meros 14 segundos na troca, mas os dois primeiros lugares já estão decididos.

Ele ainda consegue ultrapassar o companheiro de equipe e obter o terceiro, com Ernesto fechando o pelotão.

 

A seguir há uma repescagem, com 4 competidores da categoria até 3 litros, 3 Alfas e uma Bugatti, esta última uma T35B pilotada por Ghersi.

Borzacchini venceu, seguido por Ghersi e Minozzi. A nota triste decorreu do duelo entre Minozzi e Etancelin. Este, ao tentar ultrapassar Minozzi na Lesmo, escapou da pista e foi direto para cima de um grupo de espectadores que estavam onde não deviam. Local proibido, isolado com arame farpado, sinalização clara e adequada de perigo.

Dois morreram, 14 ficaram feridos. A irresponsabilidade cobrou seu preço e foi alto.

O pobre Etancelin sofreu apenas um ferimento leve em uma perna mas ficou psicologicamente devastado. Isentou Minozzi de qualquer culpa.

 

Os 4 primeiros de cada prova eliminatória mais os três primeiros da repescagem iriam disputar a final.

Ghersi desistiu de competir, Campari teve um problema no cambio que não poderia ser resolvido a tempo… Finalizando em quinto em sua bateria Ernesto ficou de fora.

A primeira fila foi composta por Minoia, Borzacchini, Dreyfus, Fagioli e Minozzi. A segunda por Lehoux, Varzi, Chiron e Nuvolari.

 

Fagioli novamente largou bem, Tazio inesperadamente se atrasou mas logo tratou de se recuperar.

Luigi passou em primeiro ao cabo da primeira volta, seguido por Chiron, Dreyfus, Varzi, Minoia,  Nuvolari, Minozzi, Borzacchini e Lehoux.

A novidade na segunda volta é Varzi à frente de Dreyfus e Chiron.

Na terceira Tazio passa o monegasco enquanto Achille tenta se aproximar de Fagioli.

O mantuano imprime um ritmo impressionante, virando em 2’30”2 e na altura da sexta volta alcança Achille.

Mas na volta seguinte Tazio é obrigado a ir aos boxes com problema de motor, não resolvido.

Retorna à pista para abandonar na oitava volta, com um pistão quebrado.

Na volta 10 Achille faz a melhor volta da prova, 2’30″ cravado, mas sem ameaçar Luigi.

Chiron mantém o terceiro posto, seguido por Dreyfus, Borzacchini, Minoia, Minozzi e Lehoux.

Varzi vai aos poucos encurtando a distância para a Maserati líder, o mesmo fazendo Dreyfus em relação a Chiron, mostrando que naquele momento equipamentos e pilotos estavam equilibrados.

Mas na volta 13 Achille aparece nos boxes com uma das rodas sem pneu.

Enquanto isso, tentando se livrar de Dreyfus, Chiron por pouco não sofre um grave acidente.

Um pedaço de borracha se destaca de um dos pneus dianteiros e no vôo corta o cabo dos freios dianteiros, pouco antes da aproximação da Curva Grande. O monegasco pisa no pedal, o carro não diminui a velocidade o suficiente e ele tem grande dificuldade para evitar escapar da pista. Consegue ir até os boxes sem incidentes mas trocar o cabo exigiria uma parada excessivamente longa, então a decisão é que ele prossiga assim mesmo. Sim, outros tempos.

Dessa forma a Maserati, que parecia ser a menos poderosa entre os novos gigantes assume as duas primeiras posições, sem ameaça imediata, com modelos menos potentes mas testados e aprovados no quesito confiabilidade.

Borzacchini vinha em terceiro mas a mais de um minuto de Dreyfus. A seguir vinham Varzi, Minoia, Minozzi, Lehoux e Chiron.

A Alfa decide parar Minoia na volta 17 para que Tazio assuma seu posto.

Fagioli também tem um pneu estourado nessa volta mas procede à troca sem sustos, deixando Dreyfus temporariamente na liderança. Mais adiante este tem que parar para trocar velas e assim a ordem nos dois primeiros postos se restabelece.

Ao mesmo tempo a margem de segurança que as duas Maserati tinham para os demais desaparece.

Achille se coloca novamente em posição de ameaçar René mas um outro um pneu furado liquida suas chances. Vai  aos boxes e retorna ainda no quarto posto.

Pouco antes do fim um pistão quebrado obriga Dreyfus a abandonar. Mas é o dia da Maserati e Luigi recebe a bandeirada com mais de um minuto de folga. Apesar dos esforços de Varzi, é Borzacchini quem vai terminar em segundo.

Nuvolari leva a outra Alfa ao quarto posto, sendo seguido por Minozzi, Lehoux e um muito atrasado Chiron.

Pneus e pistões decidiram a sorte dos gigantes mas não há registro de que a plateia tenha ficado insatisfeita.

até a próxima!

Carlos Chiesa

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

3 Comments

  1. Carlos Chiesa disse:

    Muito gentil, como sempre, Fernando. Acho que essa época devia ser muito mais excitante do que a atual. Não pela insegurança, a fatalidade sempre estava presente, mas pela imprevisibilidade e, claro, pela possibilidade dos pilotos fazerem muita diferença.

  2. Fernando Marques disse:

    Chiesa,

    outra grande historia de uma grande corrida … Monza é Monza e não é a toa do por que ser considerada o templo maior do automobiliso mudial …
    Alfas, Bugattis e Maseratis … outros tempos … bons tempos

    parabens por no contar mais esta bela historia

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Só uma pequena correção, amigo Fernando:

      A pista de Monza é uma das mais tradicionais do mundo, mas o templo maior do automobilismo mundial sempre foi e sempre será Indianápolis.

      Um forte abraço!

      Marcelo C.Souza
      Dias D’ávila – BA

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *