Março de 1989. O Brasil estava parado para ver a primeira corrida do recém coroado campeão mundial Ayrton Senna. O brasileiro largava na pole em Jacarepaguá numa tarde bem carioca com muito calor, mas ao chegar na primeira curva, Senna tinha a companhia de Berger e Patrese. Eram três carros se aproximando de uma curva onde normalmente só cabem dois. O resultado foi frustrante para a torcida brasileira, com Senna tendo a asa dianteira quebrada e com o atraso para efetuar os reparos, Ayrton terminou a prova duas voltas atrás. Passados quase trinta e cinco anos, uma cena parecida aconteceu no Circuito Hermanos Rodríguez nesse domingo, mesmo que em circunstâncias bem diferentes.
Se Senna era a grande estrela da época e indiscutivelmente o melhor piloto da F1, Checo Pérez contava com apoio de sua torcida para afastar uma má fase sem fim, que até mesmo atrapalha seu futuro na F1. Pérez não largava na pole, mas ao entrar numa disputa à três na primeira curva de sua corrida caseira, Checo foi o grande prejudicado e causou uma enorme frustração que se fez sentir em todo o México.
Se a torcida que lotou o Circuito Hermanos Rodríguez esperava apoiar Pérez, acabou vendo mais uma vitória tranquila de Verstappen, mas pelo menos a torcida mexicana não jogou cadeiras das arquibancadas na pista.
As desclassificações em Austin ainda ecoavam quando a F1 chegou no México. Se um carro da Mercedes e da Ferrari estavam irregulares, por qual motivo a FIA não fiscalizou também os carros de Sainz e Russell? Havia a clara sensação que haviam mais carros irregulares nos Estados Unidos, mas as equipes escaparam pela falta de estrutura da FIA de examinar mais do que quatro carros após cada Grande Prêmio.
Porém, há formas piores de trapaças, como escalar jogador irregular, comprar times para não ser rebaixado e abrir federações no meio da madrugada…
Os conhecidos problemas do ar rarefeito fazem com que os carros andem com máxima pressão aerodinâmica na Cidade do México, mas com uma pista escorregadia e pneus mais frágeis que os chutes de Silvio Romero, os pilotos encontraram várias dificuldades a ponto de algumas surpresas aparecerem na classificação. Leclerc e Sainz tiraram desempenho não se sabe de onde e ficaram com a primeira fila no circuito Hermanos Rodríguez, relegando Max Verstappen ao terceiro lugar.
No entanto, se em ritmo de classificação a Red Bull pode ser alcançada por outras equipes, em ritmo de corrida o time austríaco tem a força de Alexander Domínguez pegando pênaltis. E com Max Verstappen gerindo seus pneus da mesma maneira de como Luis Zubeldía comanda sua equipe, mesmo não conseguindo a pole, Max era o grande favorito a corrida de domingo, mesmo com todos os olhos da torcida local em cima de Sérgio Pérez.
É inegável que a pressão em cima de Pérez cresce na medida em que os resultados esperados não estão sendo apresentados pelo mexicano. A situação ficou ainda mais crítica com o seu pretenso substituto Daniel Ricciardo fazer o seu melhor final de semana em anos no México e ter colocado a Alpha Tauri na frente de Pérez no grid. Hoje, Checo Pérez é dos pilotos mais pressionados da F1. A largada no México é bem atípica, com a primeira curva bem distante da linha de largada, proporcionando muito vácuo para quem vem atrás da primeira fila. Porém, a Ferrari esperava segurar, mesmo que por alguns instantes, Max Verstappen atrás deles ao ‘fechar’ a pista com seus dois carros. Contudo, Max efetuou uma largada de almanaque, imediatamente ultrapassando o segundo colocado Sainz e numa manobra dura, se colocou por dentro de Leclerc usando um pequeno espaço. Com os pilotos indo mais para dentro, Pérez foi por fora e ‘puxado’ pelo vácuo dos carros à frente, deu um enorme pulo, se aproximando da primeira curva ao lado de Max e Leclerc. Eram três pilotos chegando juntos na primeira curva. Voltando para março de 1989, isso não poderia acabar bem…
Talvez pressionado pela a sua atual situação, Pérez freou mais tarde vindo por fora e fechou para cima de Leclerc, que simplesmente não tinha para onde ir. O toque de rodas dos carros da Red Bull e da Ferrari fez com que Pérez alçasse voo e saísse reto, destruindo claramente seu assoalho, além de ter feito um enorme rombo na lateral do seu carro. Foi como perder o pênalti decisivo, quando bastava acertar para ganhar o título. Leclerc passou reto pela grama, emergiu da primeira chicane na frente, mas cedeu a primeira posição para Verstappen para não ser punido, além de ter sua asa dianteira avariada. Enquanto isso, Pérez retornava à pista em último antes de entrar nos boxes. O mexicano estava claramente perturbado pela situação, enquanto se ouvia os lamentos da torcida mexicana, assim como se ouvia o choro de uma certa torcida nesse sábado…
Aparentemente chorando, Pérez saiu do seu carro como o grande derrotado de um dia que parecia ser seu e acabou sendo de Verstappen. Se o neerlandês ainda é alcançado em ritmo de classificação, em ritmo de corrida Max é simplesmente imparável, fazendo com que Verstappen não fosse praticamente ameaçado nesse domingo, mesmo com uma bandeira vermelha bem na metade da corrida.
Kevin Magnussen tinha acabado de sair da pista na saída da última curva e logo depois o dinamarquês da Haas viu a suspensão esquerda do seu carro quebrar bem na sequência de curvas rápidas, fazendo com que Kevin batesse com bastante violência no muro. Magnussen saiu grogue do carro e a bandeira vermelha apareceu para consertar o soft-wall que tanto ajudara Kevin a só sair apenas atordoado após tamanha pancada. Verstappen tinha aproveitado que à princípio apenas o Safety-Car deu as caras e foi aos pits pela segunda vez, colocando pneus duros, que iria levar até o final. Max saiu na frente de Leclerc, quando a bandeira vermelha apareceu, fazendo com que os pilotos tivessem que largar alguns minutos depois. Uma relargada assim sempre é estressante, principalmente quem largava na frente e com alguns pilotos apostando nos pneus médios, mas Verstappen neutralizou qualquer chance de algo dar errado com outra ótima largada, abrindo imediatamente 2s sobre Leclerc e no final receberia a bandeirada com 16s de vantagem sobre o segundo colocado. Enquanto Pérez quase que se desculpava com a sua equipe, Verstappen batia mais alguns recordes em sua carreira. Foi a vitória de número dezesseis em 2023, fazendo com que esse ano seja a mais vitoriosa de um piloto na história da F1. Max ainda se igualou à Alan Prost como o quarto maior vencedor de corridas da história da F1, marca que será desempatada muito em breve.
Mesmo com uma avaria na asa dianteira, Leclerc se manteve firme na pista e abriu uma boa diferença para Sainz na primeira metade da corrida. Apesar da Ferrari abrir seu alfabeto de estratégias, os italianos não cometeram nenhuma asneira, mesmo Charles tendo perdido a segunda posição para Hamilton. A Mercedes vem sendo o exato oposto da Ferrari, com um ritmo de corrida bem melhor do que de classificação. Hamilton ultrapassou Ricciardo no primeiro stint, antes de efetuar um undercut em cima de Sainz. No momento de bandeira vermelha, a Mercedes arriscou com pneus médios, talvez pensando que Hamilton, largando no mesmo posto de Verstappen uma hora antes, poderia repetir o feito do piloto da Red Bull e efetuar uma largada relâmpago, mas o plano não funcionou a pleno. Hamilton sequer ultrapassou Leclerc, que estava com pneus duros, mas rapidamente Lewis partiu para cima do ferrarista e numa manobra no limite, ultrapassou Leclerc, mas nem de longe Hamilton sequer se aproximou de Verstappen, mas com o erro de Pérez, Lewis se aproximou de forma decisiva no campeonato, podendo deixar a situação de Checo ainda mais desconfortável. Leclerc, que junto de Hamilton fora desclassificado semana passada, completou o pódio e mesmo vaiado pela torcida chicana pelo toque com Pérez, se desculpou e foi perdoado pela multidão, conseguindo bons pontos no campeonato. Numa corrida onde praticamente se defendeu o tempo todo, Sainz terminou em quarto e com a queda abrupta da Aston Martin, empatou com Alonso no campeonato, mas ficou com o quarto lugar no certame pelos critérios de desempate.
Um dos destaques da corrida, principalmente após a segunda bandeira vermelha, foi Lando Norris. O piloto da McLaren tivera problemas na classificação e fizera uma primeira metade de corrida discreta, mas em viés de alta. Uma má segunda largada, quando chegou a tirar o pé no meio da reta viu Norris ter que escalar da 17º posição. Relargando com pneus médios, Norris foi ultrapassando quem via pela frente e mesmo quando os demais pilotos que relargaram com os mesmos médios de Lando foram perdendo rendimento, o representante da McLaren seguiu sua corrida de recuperação. A McLaren pediu para Piastri abrir caminho e rapidamente Norris chegou em Russell. Nesse duelo entre os jovens pilotos britânicos, Norris obteve vantagem com sobras, numa bela manobra sobre o piloto da Mercedes, que sofria com os mesmos pneus médios de Norris. Uma manobra que lembrou a classe com que Lisandro Alzugaray bate na bola. Ainda teve tempo para Lando atacar e despachar de forma ainda mais bonita Ricciardo, fazendo com que Norris subisse para um ótimo quinto lugar. Os pontos conquistados pelo inglês já o colocam na briga pelo quarto lugar no Mundial de pilotos, próximo da dupla da Ferrari, já que Alonso, infelizmente, hoje é carta fora do baralho. A Aston Martin, com muita boa vontade, foi a sétima força do pelotão desse final de semana e tudo ficaria ainda pior para a equipe britânica, com nenhum dos seus dois carros completando a corrida mexicana, caminhando para um final de ano vexatório para um time que falou em vitórias até o final de 2023.
Se serve de consolo para a Aston Martin, pelo menos ela não perdeu oito campeonatos ao longo do ano…
Para completar o péssimo final de semana de Pérez, Ricciardo continuou seu final de semana sólido com uma corrida competitiva, fazendo com que o australiano marcasse seus primeiros pontos no ano com um excelente sexto lugar.
Tsunoda, que largou no fim do pelotão por ter trocado de motor, fazia uma ótima corrida, quando se envolveu num acidente com Piastri onde se houve um culpado, seria o japonês, que se comportou de forma infantil com sua equipe via rádio. Tsunoda é outro piloto pressionado que vem fazendo besteiras. Albon fez outra corrida muito boa ao levar a Williams aos pontos, enquanto Hulkenberg, em sua corrida de número 200, segurou o quanto pôde as duas Alpines, mas acabou cedendo o último ponto para Ocon, seguido pelo seu companheiro de equipe Gasly. A Alfa Romeo conseguiu colocar seus dois carros no Q3, mas depois acabou vendo Bottas e Zhou perdendo muito rendimento em ritmo de corrida, terminando longe dos pontos.
A décima sexta vitória de Max Verstappen foi marcada por uma corrida dividida em duas, mas o neerlandês se manteve impávido em sua temporada próxima da perfeição. Recordes são quebrados a todo momento por Max, enquanto seu companheiro de equipe sofre com uma má fase que não parece ter mais fim. Pérez foi destruído mentalmente por Verstappen ao longo de 2023, onde não apenas é incapaz de andar no mesmo ritmo de Max, como Checo vai cometendo erros que não são usuais a ele. Pelo jeito, não será impossível que os mexicanos não tenham para quem torcer em 2024.
Abraços e saudações universitárias!
João Carlos Viana
2 Comments
Situação do Perez me lembrou a do Barrichello em 2001 também.
JC Viana,
Enquanto o Verstappen vai pulverizando recordes (16 vitorias numa só temporada é absurdamente sensacional) e com tudo para deixar o Prost pra trás, o restante do grid briga no meio da poeira levantada pelo Holandes. O Checo certamente foi ao inferno correndo em casa. Tá feia a coisa pro lado dele.
Em contra partida o GP da Tailandia na Moto GP foi um deleite de dispustas e uma “last lap” de arrepiar os cabelos … a luta pelo titulo está totalmente em aberto num ano em que o Bagnaia parecia que ia ser o Verstappen nas motos.
Fernando Marques
Niterói RJ