Ayrton Senna & Lionel Messi

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Sou um apaixonado por analogias e paralelos, e costumeiramente consigo encontrar semelhanças entre fatos, feitos e personalidades históricas – meu amigo Márcio Madeira que o diga! Não sei quando nem como essa paixão começou, exatamente, mas eu acredito que foi a maneira que melhor encontrei para descrever situações e personagens que, à primeira vista, não são atrativos para a média geral das pessoas, normalmente afeitas ao raso, quando muito – não só na Fórmula 1, mas em vários contextos da vida.

Recentemente, o supramencionado Márcio, Lucas Giavoni e eu fizemos um debate (eu, mais como ouvinte) no meu modesto canal no Youtube [confira aqui: História & Esporte] com a seguinte pergunta-tema: “Ayrton Senna teria sido campeão em 1994?”. Procurando nos distanciar do raso, fomos muito além do placar final e das denúncias à Benetton.

No video não exploramos de modo específico, mas todo mundo lembra e faz parte de qualquer conjectura que se faça sobre aquele ano.

Senna encerrou 1993 com muita esperança: venceu as últimas duas corridas da temporada, e passaria a pilotar para a equipe que venceu os mundiais de pilotos e construtores, e era (re)conhecida como a melhor do mundo nos últimos dois anos e meio, pelo menos. Abre a temporada, em casa, roda; depois, faz um milagre nos treinos em Aida, e não passa da primeira curva. Chega em Imola sob muita tensão, e o final todos sabemos.

24 anos depois, obviamente que sem tanta coisa trágica envolvida, novamente vimos uma lenda do esporte em um momento que parecia uma encruzilhada na sua trajetória profissional: Lionel Messi e a Copa do Mundo de 2018.

Messi vinha de um período em ascensão com sua seleção, apesar dos percalços: depois de quase se aposentar, em 2016, fez um retorno muito forte ao longo de 2017, anotando vários gols e culminando com um hat-trick diante do Equador, garantindo a classificação na última partida das Eliminatórias.

A expectativa era enorme, pois, mesmo eliminados na Champions League, o argentino havia sido chuteira de ouro da Europa e amealhou os dois títulos nacionais disputados pelo Barcelona no primeiro semestre. Mas a seleção era diferente. A Copa era diferente. O peso de Maradona. O peso das 3 últimas finais perdidas. O peso de um técnico completamente nonsense (os flamenguistas que o digam…).

Logo na estreia, diante da fraquíssima Islândia, Messi perde um pênalti e a Argentina só empata com uma equipe de semiprofissionais: o alerta estava ligado. Para piorar a situação, na outra partida do grupo, a Croácia se impõe diante da Nigéria: 2 a 0. Na prática, isso significava que a partida seguinte poderia culminar na eliminação dos hermanos.

Messi vai para a partida num semblante muito sério, como quem vai votar numa eleição para presidente no segundo turno. Durante a execução do hino, as câmeras registram uma cena simbólica: os outros atletas da Argentina perfilados, olhando para o alto: ainda que não estivessem contentes, pareciam estar seguros. Já o camisa 10, esfrega seguidamente seus dedos sobre a testa, com os olhos fechados e cabisbaixo, até o fim da execução do hino.

A bola rola e o desastre prenunciado se consuma no segundo tempo: 3 a 0 para os croatas, com direito a lambança do goleiro argentino e uma pintura do capitão croata. No outro jogo, a Nigéria bate a Islândia por 2 a 0. Portanto, a Argentina ainda tinha chances de classificação, desde que – e somente se – vencesse a Nigéria.

Um golaço de Messi garante a vitória e a passagem de fase. Nas oitavas, diante da futura campeã França, Messi tem uma atuação relativamente boa: um chute desviado resultando em gol e uma assistência milimétrica. Não foi suficiente, porém: derrota por 4 a 3 e nova eliminação.

Mas os gigantes se fortalecem justamente nesses momentos, e Messi começaria a forjar uma liderança que sempre lhe foi exigida: mudou seu jeito de falar com os companheiros – até então, ele era capitão mas, na prática, era Mascherano quem realizava essa função -, a forma de encarar adversários em situações de confronto/provocação e, principalmente, passaria a demonstrar a vibração típica dos argentinos.

Tudo isso somado à saída de Sampaoli e a ascensão de Scaloni, criou-se a fórmula perfeita que culminaria na epopeica vitória no Qatar, em 2022.

O cruzamento que proponho está mais do que claro: mais do que dizer que Messi esteve muitas vezes em uma seleção Argentina que se assemelhava aos carros ruins que Senna pilotou – e a seleção com Sampaoli foi sua Williams de 94 -, a sensação que tenho é a de que Lionel Messi teve a oportunidade que Ayrton Senna não teve.

Isso vale tanto no âmbito esportivo quanto pessoal.

Hoje, aos 36 anos, Messi conquistou tudo o que podia e se pedia, simbolizados pelo troféu da última Copa e pela oitava Bola de Ouro. Mais do que isso, optou por sair do mercado europeu e foi para a MLS, nos EUA, onde pode inclusive ver seus filhos batendo bola no intervalo das partidas sem grandes preocupações, provavelmente como fazia com seu pai nos potreros argentinos, no início dos anos 90.

Em 1994, Ayrton Senna assumiu todo tipo de risco para fazer o FW16 andar no limite, e chegou a Imola enormemente preocupado esportivamente, tentando encontrar a solução para aquele carro que saía de frente, de traseira, que tinha problemas de tudo que é ordem.

Sua Copa do Mundo seria a conquista daquele título, mas seu grande objetivo era superar os cinco mundiais de Fangio, e esses poderiam vir nos anos seguintes, já entendidos o regulamento e as novas necessidades aerodinâmicas por parte de Adrian Newey, Patrick Head e Bernard Dudot.

Na sequência, o sonho da Ferrari era uma possibilidade, mas ele também já havia muitas vezes declarado que gostaria de “relaxar na Indy”, casar e ter filhos…

Como destacamos em nosso papo, mais do que responder a uma pergunta sem resposta, fica o lamento daquilo que não vimos: provavelmente o maior embate entre conjuntos da história da F1.

Por outro lado, fato bem salientado pelo querido Márcio Madeira em nossa conversa, uma coisa que precisa ser feita – e até hoje não foi – é a de realmente valorizar o desempenho individual de Ayrton Senna naquele primeiro trimestre de 1994.

Análises vergonhosas – como as que igualam a performance de Damon Hill à do alemão com base no placar de 92 a 91 – de supostos especialistas dizem que Senna vinha em declínio técnico e estava sendo humilhado por Schumacher com base nos 20 (ou 30) a 0.

A realidade não poderia ser mais distante: o que Senna estava fazendo àquela altura era quase sobre-humano.

Portanto, infelizmente, o desfecho não poderia ter sido outro.

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

3 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Mais um belíssimo texto, amigo Marcel!

    Infelizmente o Senna não teve tempo pra mostrar ao mundo o quanto ele ainda era capaz, e eu tenho certeza que ele iria sim conquistar o título de 94, pois ele saberia enquadrar Schumacher ao longo do ano.

    E quanto ao Messi, ele é Gênio, assim como Senna.

    E agradeço a lembrança de mencionar o texto que escrevi aqui para o Site anos atrás.

    Grande abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  2. Fernando Marques disse:

    Por favor … inclui o Cristiano Ronaldo no rol dos craques que a Copa do Mundo tem o azar de não serem campeõs

    Fernando Marques

  3. Fernando Marques disse:

    Marcel,

    quando a Argentina foi campeã mundial agora no Catar pensei … o Messi merecia esse título … craques como ele uma Copa do Mundo não pode deixar de ter na sua coleção de campeões … a Copa do Mundo não teve essa sorte com Zico, Cruiff, Platini por exemplo …

    A Argentina do Sampaoli x Williams 94 … não achava a Williams ruim … simplesmente a Benneton era melhor

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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