Continuando a história sobre o modelo da Ferrari que ficou conhecido como Sharknose segue a segunda parte de nossa coluna, releia a primeira parte clicando no link: ( https://gptotal.com.br/o-nascimento-do-sharknose-parte-1/ )
No ano de 1960, os chamados garagistas, construtores ingleses, elaboraram uma série de reclamações e questionamentos a FIA em Paris.
Quem fez coro entre tantos ingleses foi Stirling Moss, ele alegou que a “estrutura da federação era lenta e pesada – sendo incompatível para com o esporte rápido e vivo que a Fórmula 1 representava”.
Moss estava se sentindo duplamente frustrado, primeiro porque ainda não havia alcançado um título de piloto e segundo por ter percebido que a manobra da FIA pegou de jeito os competidores ingleses, isso seria um empecilho para ele chegar a um título de pilotos nos anos seguintes.
Os britânicos de fato não estavam em condição de apressar a produção de novas máquinas para o ano de 1961 e atender o novo regulamento a contento, mesmo que quisessem.
Seus orçamentos e oficinas eram muito pequenos e limitados. Conforme os meses foram passando, os britânicos ofereciam contrapropostas, compromissos e sugestões a FIA para protelar o início do novo regulamento— tudo isso presumindo que seriam aceitas.
Mas a federação manteve-se firme. Em setembro de 1960, ficou claro que eles não iriam cancelar ou mudar as novas regras de 1,5 litro.
Cooper e Lotus desistiram das reclamações e começaram a trabalhar em novos motores e carros, sabendo de antemão que não poderiam produzi-los a tempo para a temporada de 1961.
Enquanto os britânicos discutiam, a Ferrari silenciosamente planejava uma surpresa. Assim que Pérouse anunciou os novos regulamentos no jantar de 1959, a Ferrari levou Carlos Chiti para uma oficina secreta em Modena, longe da fábrica de Maranello, para desenvolver um carro com motor traseiro que cumprisse as novas regras, isso deu a Ferrari uma vantagem de seis meses sobre os britânicos na elaboração do projeto visando o novo regulamento.
Para surpresa de Chiti e ele comentou alguns anos depois: “A Ferrari concordou em tentar se adaptar ao novo conceito de motor na traseira e inovar no campo aerodinâmico, embora Enzo não estivesse realmente 100% de acordo”.
Em fevereiro de 1961, a imprensa automotiva foi convidada a Maranello para ver o novo carro projetado por Chiti.
Nascia a Ferrari 156, que era um carro bem despojado com linhas em forma de torpedo, linhas cônicas e rodas de arame largas. Ela não trazia nada em seu projeto dos modelos anteriores dos Fórmula 1 da Ferrari, sem dúvida remetia um aspecto mais moderno, condizente com o que estava acontecendo nas inovações que a Fórmula 1 vinha sofrendo naqueles anos: a Ferrari 156 tinha uma fisionomia que expressava uma forma que remetia a velocidade e a Era Espacial. A Ferrari 156 apresentou a beleza de um design em sua essência.
Sob a carroceria vermelha no tom característicos das Ferraris, havia um motor V6 de 400 cavalos de potência colocado atrás do piloto, esse motor fora batizado como Dino, em homenagem ao filho falecido de Enzo.
Chiti pode baixar o mais que pode o motor e aproximá-lo do meio do chassi, para que o carro tivesse um centro de gravidade mais baixo e desse a possibilidade ao piloto de um manuseio com mais refino e controle do que seus modelos anteriores.
O resultado foi uma convergência harmônica de potência e peso. Os repórteres parados no pátio de paralelepípedos da fábrica logo concordaram que era um carro muito belo e com alto potencial de velocidade.
Estava ali um carro para levar a Ferrari de volta aos pódios.
Mais uma novidade foi revelada nesse dia, Chiti moldou o desenho da 156 com a ajuda de um túnel de vento, também uma nova técnica e inovação para a Ferrari.
O carro apresentava consequentemente um perfil de jato inclinado para trás, com pilotos reclinados como astronautas dos foguetes espaciais que estavam sendo tão falados naqueles anos.
Era um novo visual para uma nova era de avanço tecnológico. O 156 parecia incrivelmente rápido, e era.
Nos primeiros testes, o piloto Wolfgang von Trips atingiu velocidades promissoras e logo a fama da rapidez do carro foi veiculada nos jornais. Daí surgiu o apelido que até hoje nos faz lembrar desse incrível modelo, alguém observou que as entradas de admissão duplas instaladas em cada lado de seu nariz lembravam o nariz de um tubarão, daí nasceu o seu apelido: o Sharknose.
O que Carlos Chiti havia projetado não era apenas um carro, mas uma soma de conceitos revolucionários para a época.
O Sharknose garantiu que o domínio da Ferrari seria restaurado para a temporada de 1961. Chiti havia vencido a batalha e a resistência dentro da Ferrari e antes mesmo da bandeirada autorizando a largada da primeira corrida do campeonato de 1961, ele conseguiu aliar potência e dirigibilidade.
A única questão que passou a importar no começo de 1961 era, qual piloto da Ferrari que pilotaria o Sharknose levaria o título do campeonato de pilotos?
Havia na Ferrari dois pilotos do quadro fixo para a temporada 1961: Phil Hill e Wolfgang von Trips, um americano e um alemão, detalhe é que até aquele ano nenhum piloto com essas nacionalidades havia vencido um campeonato de Fórmula 1.
Dois pilotos duas personalidades bem distintas, para o comendador Enzo Ferrari nada disso o incomodava, qualquer um podia vencer desde que seu carro e sua marca se sagrassem campeões
Em março de 1959, a Sports Illustrated colocou Phil Hill na capa com o slogan “Piloto de Carro Esportivo do Ano”. Ele foi fotografado encostado no capô de uma Ferrari Testa Rossa 250, depois de anos de angústia e perseverança, ele parecia feliz e confiante. “Sempre tenho medo quando corro”, disse ele à revista, mas prosseguiu falando “porque faço isso bem”. Essa foi a forma de Phil Hill em dissipar se havia nele uma apreensão e ansiedade. Em 1961 ele se considerava pronto para ser campeão na Fórmula 1
Durante a preparação para a temporada de 1961 houve um esforço para provar que um americano, considerado um estranho e desajustado antes relegado aos carros esportivos, poderia ganhar o maior prêmio de um esporte nitidamente europeu que era a Fórmula 1 naqueles tempos.
Phil Hill se tornou uma estrela apesar de si mesmo. Em um dos muitos coquetéis que antecediam as corridas, uma garota se aproximou e o confundiu com Graham Hill, o piloto britânico já era bem famoso para os europeus, “Oh, me desculpe”, ela disse, corando quando percebeu seu erro. “Eu pensei que você fosse o famoso Sr. Graham Hill.”
Essa fama indireta deu a Phil Hill mais um motivo para se estressar.
Em seu livro Cars at Speed (no Brasil a versão traduzida tinha o título meio bizarro de “volantes da morte”), Robert Daley descreveu uma cena em outra oportunidade onde um bando de garotos alemães gritando e animados pedindo um autógrafo de Phil Hill enquanto ele saía de um restaurante perto de Nürburgring:
“Eu não sou ninguém”, disse Phil Hill, incomodado pelo assédio dos fãs
“Você é Phil Hill”, os meninos disseram em coro.
“Não, não sou”, afirmou Hill firmemente. Ele foi rápido para dentro do carro e foi embora.
Enquanto Phil Hill gostava de se enfiar em seu quarto de hotel ouvindo música em seu gramofone, o seu companheiro de Ferrari era seu oposto.
Wolfgang von Trips causou uma impressão calorosa e agradável como eventual comentarista de televisão no salão de automóveis de Bruxelas em 1960 e fazendo anúncios de propaganda de óleo de motor, peças de automóveis e óculos, com essas ações Von Trips cativou um público de fãs bem maior que Phil Hill
Tal qual o presidente americano John F. Kennedy, que assumiu o cargo um mês antes da Ferrari revelar o Sharknose, Von Trips tinha um instinto para o estilo mais casual do início dos anos 1960, mesmo tendo um jeito que emulava os lordes em seu porte cavalheiresco, com magnetismo que brilhava intensamente em entrevistas de televisão e fotos de revistas. Ele conseguia falar com repórteres em quatro idiomas (alemão, francês, inglês e italiano); e em todos os quatro, seu entusiasmo por corridas era contagiante.
A maioria dos donos de equipe teria escolhido entre Phil Hill ou Von Trips para o posto de primeiro piloto em 1961 e o outro para ser o coadjuvante, mas não era o caso de Enzo Ferrari, ele se recusou a designar qualquer um deles. Enzo tinha uma longa história de achar que extraia o máximo colocando seu pessoal um contra o outro, fosse na oficina mecânica ou na pista de corrida.
Então os dois pilotos enfrentaram um desafio, uma provação de luta um-a-um que duraria a temporada toda. “A tensão era excruciante e não podia ser aliviada por uma expressão franca de competitividade, não aceitável de qualquer forma, entre amigos e companheiros de equipe”, disse Phil Hill.
Hill e von Trips não eram mais novatos na Fórmula 1 e havia o detalhe que antes de 1961 apenas Phil Hill havia ganho 1 Grande prêmio, Von Trips nenhum. A temporada de 1961 seria uma chance única para conquistar um título.
Sobre Phil Hill sua trajetória e o campeonato de 1961 escrevi em dezembro de 2015 coluna, releia clicando no link ( https://gptotal.com.br/o-americano-tranquilo/ )
A temporada de 1961 confirmou o favoritismo da Ferrari com o modelo 156, das 8 corridas válidas pelo mundial a Ferrari venceu 5 corridas, 2 com Phil Hill, 2 com Von Trips e 1 com Giancarlo Baghetti, pena que a tragédia em Monza obscureceu a conquista, mas o fato era que Carlos Chiti havia quebrado a resistência e preconceito de Enzo e seu time sobre motores na traseira e uma nova era se abriu para a equipe de Maranello e naquela temporada levaram os dois títulos para casa
Ainda atualmente quando se fala de belos modelos e competitivos da Fórmula 1 na história, o modelo 156, ou simplesmente Sharknose é invariavelmente lembrado.
Nessa retomada do ano, desejamos um 2025 bem bacana para todos nós
Até próxima
Mário Salustiano
1 Comments
Mário,
A Ferrari teve fórmulas 1 mais bonitos que o Tubarão … não que ele seja feio … mas acho esquisito …
Agora o que vale mesmo sao os resultados … o carro foi campeão …
A coluna é muiito legal e um show de história nível GEPETO de ser
Fernando Marques
Niterói RJ