Peno para acompanhar a transmissão dos GPs atualmente. A combinação de uma certa impaciência e um crescente ceticismo, que vai me dominando mais e mais com o avanço da idade, tem tornado o exercício de deslindar a evolução dos GPs, com as suas idas e vindas de pneus macios, semimacios, duros e semiduros algo do qual, confesso, abri mão.
Análises como a feita por Carlos Chiesa em Cassino Royale (27/4/2012) me parecem, hoje, tão fora do meu alcance quanto projetar um foguete. Como já há algum tempo optei por baixar o tom das minhas críticas contra as invencionices da Fórmula 1, por inúteis ou apenas chatas, simplesmente me deixo ficar diante da TV, fruindo com os olhos cores, velocidade, insensatez.
Mas estarei sendo justo comigo próprio? Devo mesmo me calar, só para não ser chamado de chato? Afinal, depois de cinco GPs, apenas na Malásia vimos todos os dez finalistas na pista para o Q3. Na Espanha, a coisa beirou ao ridículo: três pilotos optaram por não rodar (e creio que pelo menos um dele, Sébastian Vettel, teria chances de largar nas primeiras posições) e os outros sete retardaram ao máximo as suas saídas, de forma a economizar pneus para a corrida. E nem se pode dizer que a pole não tenha sido influente no resultado dos cinco GPs, até agora: Vettel, Pastor Maldonado e Nico Rosberg arrancaram da pole para as suas respectivas vitórias.
Tal percepção de “estratégia” para os treinos sugere situação para mim igualmente inexplicável e que vi de forma particularmente clara nos jogos mais recentes entre Chelsea e Barcelona e Santos e São Paulo.
Chelsea e Santos optaram por se fechar na defesa de tal forma que abriram mão de qualquer iniciativa no jogo. Eles simplesmente não queriam ter a posse de bola, preferindo que ela restasse nos pés adversários. Tão logo Petr Cech ou Rafael logravam pegar a bola, mandavam-na com um chutão para o meio de campo. Oito em dez vezes, para ser generoso, a bola ia direto para o time adversário, que voltava a martelar contra o gol inimigo, levando ao limite os nervos dos torcedores. É verdade que houve duas ou três oportunidades em que a bola caiu com os atacantes de Chelsea e Santos e isso foi o suficiente para decidir as partidas mas não é possível que não exista outra forma de se ganhar uma partida de futebol, da mesma forma que não posso acreditar, muito menos aceitar, que vai se ganhar um GP mantendo o carro parado nos boxes durante os treinos!
E a provação não termina aí.
Nas corridas deste ano, tem sido difícil mesmo para observadores calejados acompanhar a dança dos pneus. Depois das provas, com o mapa de voltas e pit stops nas mãos, descubro que em nenhum dos cinco GPs até agora houve coincidência na “estratégia” dos três primeiros colocados no uso dos pneus, havendo um caso – China – em que até o número de pit stops foi diferente e outro – Bahrein – em que a mesma equipe montou “estratégias” diferentes para os seus pilotos. Neste fatídico GP, por sinal, os três primeiros colocados, Vettel, Kimi Raikkonen e Romain Grosjean, usaram “estratégias” diferentes!
Mais: mesmo restando poucas voltas para o final na Espanha, ficamos sem saber se seria necessário mais um pit stop para os líderes, já que muito havia se falado antes da prova em quatro paradas, coisa que só Pedro de La Rosa acabou fazendo.
Resumo: o desempenho dos carros não guarda relação direta com o tipo de pneu usado. Este é mais rápido com pneus semimoles, aquele com semiduros. Pior: as condições podem variar conforme a qualidade do asfalto, mais ou menos abrasivo, a adaptação do chassi e da suspensão à pista, a temperatura ambiente, a quantidade de combustível embarcada e sabe-se lá mais o que. E o que vale para um GP não vale para o outro e está aí a superioridade da McLaren, Mercedes e RBR que se perdeu completamente de uma corrida para a outra. Como, em meio a tantos fatores, pode-se interpretar com um mínimo de correção os rumos de um GP?
Todos sabemos que a mãe das incertezas dessa temporada são os pneus Pirelli, concebidos para serem lotéricos, nada mais do que isso, posto que o fino trato deles não é suficiente para distinguir um piloto. Bastasse isso e Jenson Button seria o líder disparado do Mundial. A fábrica italiana bate na tecla: esta especificação de degradação imprevisível foi pedida expressamente pela direção da Fórmula 1 e pelas equipes.
Seria essa, então, a fórmula da ardentemente buscada emoção para a categoria? Uma total e por vezes absurda loteria, um balé destemperado e insensato em meio a fragmentos de pneus soltos pela pista, a alternativa de Bernie Ecclestone às bandeiras amarelas americanas, que param a corrida sempre que o líder desgarra na liderança?
Não nos é dada a opção de ignorar a resposta, depois de cinco GPs. Nem nos meus mais delirantes devaneios imaginei ser essa a expressão da nascarização da Fórmula 1.
Muitos anos atrás, Nelson Piquet definiu a estratégia na categoria. Não lembro as palavras exatas usadas por ele mas era algo assim: “Não há estratégia. É o tempo todo lá” (suponho que por “lá”, ele queria dizer aceleração e velocidade máximas). Mais: “só o líder pode pensar em estabelecer algum tipo de estratégia e esta possibilidade é limitada: ele pode optar por desgastar menos o seu carro, evitando abrir demais do 2º colocado. A quem o persegue, resta pisar o máximo, todo o tempo, visando alcança-lo”. Com a definição, Piquet apenas resumia o que era um GP: uma corrida de média duração onde se exigia o desempenho máximo de carro e piloto. Repito: máximo. Hoje, é tentar preservar o pneu – e isso não representa nenhuma garantia de vitória.
A explicação de Piquet remonta a uma época em que os carros não paravam para abastecer ou trocar pneus ou, se o faziam, era com a única finalidade de ganhar desempenho. Era mais simples ver Fórmula 1 então, menos lotérico, mais meritório e veloz, como é (ou seria) da essência dos GPs.
Tenho saudades daquela época.
Abraços
Eduardo Correa
10 Comments
Agora, se for pra reclamar de algo no regulamento atual, pra mim seria o DRS. É algo que anulou quase completamente o talento dos pilotos capazes de defender bem posições e, principalmente, conseguir extrair o máximo de um carro em classificação. Uma coisa curiosa que se falou na corrida de Abu Dhabi de 2011, quando aconteceram várias ultrapassagens de DRS (enquanto na do ano anterior não houve praticamente nenhuma) foi que “se houvesse DRS no ano anterior, Alonso seria campeão”. Não, não seria. Aliás, nem sequer seria postulante ao título. Por que? Porque Alonso só chegou em Abu Dhabi com chances de ser campeão porque inúmeras vezes ao longo da temporada foi capaz de classificar a Ferrari à frente de onde o carro permitia e se segurar na corrida para garantir inúmeros bons resultados. Se houvesse DRS, de nada adiantaria fazer boas classificações, visto que perderia facilmente suas posições para as Red Bulls e McLarens, quase sempre mais rápidas que a Ferrari naquela temporada. Enquanto houver DRS, creio que nunca mais veremos um piloto ser postulante ao título com um carro claramente inferior. E antes que falem “ué, mas o Alonso não está liderando o atual campeonato?”, eu já respondo: sim, está, mas muito devido à quantidade enorme de pontos perdidos por McLaren e Red Bull esse ano (e, claro, ao seu talento de “tirador de leite de pedra”). A não ser que a Ferrari dê um passo enorme no desenvolvimento de seu carro, essa liderança não deve durar muito tempo.
Enfim, o DRS me incomoda muito mais que os pneus. Aliás, eu até acho positivo que volte a ser valorizado o talento de poupar o equipamento, coisa que até meados dos anos 90 era algo que todo piloto que aspirasse a um campeonato deveria ter. Eu sinceramente prefiro um pneu igual para todo mundo em que quem souber como cuidar deles vai se dar melhor do que as “tyre wars” do passado em que o desempenho dependia não só do fornecedor, mas até de diferenças entre pneus de um mesmo fornecedor (vide as recentes declarações do Gary Anderson). Não defendo que todos deveriam correr com carros iguais, mas para mim qualquer normatização que dê peso ao talento dos pilotos (e saber conservar pneus *é* também um talento) é bem vinda.
A meu ver essa questão dos pneus está sendo exagerada. Fala-se muito em “loteria”, “ninguém sabe qual equipe vai bem com os pneus”, “não é o talento dos pilotos nem dos projetistas que está decidindo o campeonato” e etc., mas alguém já parou pra olhar a tabela do campeonato? São as mesmas figurinhas carimbadas de sempre. A Red Bull novamente liderando os construtores (e se não tem um de seus pilotos liderando o de pilotos é somente porque o Alonso, mais uma vez, está mostrando o quanto é um fora de série) e se a McLaren não está nas cabeças (devia estar liderando com folga os dois campeonatos depois das quatro primeiras corridas) a culpa definitivamente não é dos pneus e sim da quantidade enorme de pontos perdidos por conta de bobagens no boxe, punições e acidentes. Eles tinham carro para fazer dobradinha na Austrália (Hamilton teve um pit stop infeliz), algo bem melhor que P3 e P14 na Malásia (de novo Hamilton e Button largaram da primeira fila, mas o primeiro mais uma vez teve um péssimo pit stop e o segundo se acidentou com o Karthikeyan). Na China, apesar da Mercedes ser claramente mais rápida nos treinos (vantagem do w-duct), não era na corrida, mas a punição ao Hamilton e mais um pit stop infeliz pro Button mais uma vez impediram uma provável dobradinha. No Bahrain, aí sim, a corrida foi da Red Bull. Só que Hamilton e Button largaram em segundo e quarto, e certamente teriam um bom resultado não fosse os problemas no carro de Button e, mais uma vez, problemas nos pits para o Hamilton. Na Espanha Hamilton foi o mais rápido mas largou em último pela punição, a Red Bull teve problemas nos aerofólios dos dois carros e aí a vitória sobrou pro Maldonado. Parece bem claro, portanto, que o real motivo pelo qual tivemos seis vencedores em seis corridas e não simplesmente uma divisão entre as duas equipes que foram primeiro e segundo nos dois últimos anos não é culpa dos pneus, mas de uma sucessão de erros, acidentes, abandonos e punições dessas duas equipes. Quanto à Mercedes, o principal motivo da variação de desempenho deles é o fato de que a “superioridade” só existe em treino, onde podem usar o w-duct à vontade. Na corrida isso vai embora, e se ganharam na China e fizeram pódio em Mônaco foi porque a McLaren errou com Button e Hamilton foi punido na primeira, e em Mônaco ninguém passa ninguém e Rosberg conseguiu segurar sua posição até o final (em condições normais não tinha se segurado ali, vide a fila que se formou atrás dele). Imagino que Rosberg e/ou Schumacher ainda vão fazer algumas poles ao longo do ano, mas eu não apostaria muito dinheiro em vitórias.
A única coisa que é constante na história do esporte são os detratores. Pois de uma forma ou de outra ouvi a mesma coisa em meus anos de torcedor. Nos 80 era sobre o perigo dos motores turbo, nos 90 e início de 2000 a supremacia de Schumi, atualmente os regulamentos. Sim são bizarros, mas essa é a F1 desde o princípio. Que tal as regras de motores que mudavam nos meio da temporada nos 50? O fim do efeito solo, porque a Ferrari não conseguia copiar (única razão, aliás, para o equilíbrio em 1983)? Ao longo de sessenta anos de história o que se vê na F1 é a inventividade dos engenheiros e as restrições dos gestores do esporte, para tentar restabelecer o equilíbrio perdido ano após ano.
Imagine se essas restrições não fossem feitas? Teríamos visto vários anos de domínio da Lotus nos anos 60, Brabham nos 80, Ferrari nos 2000, Red Bull agora… E sempre reclamaram, SEMPRESEMPRESEMPRE da falta de ultrapassagens. Sabe porque Villeneuve X Arnoux, Senna X Piquet, e outros grandes duelos das pistas ficaram na memória e no YouTube, fonte dos ignorantes, porque são raros. A vitória de Maldonado, as poucas de Villeneuve, Watson, Pironi e outros são lembradas por que a categoria é feita de anos e anos de hegemonias. Alguém esperava uma vitória de Berger em 1988? Alonso em 2003? Trulli em 2004? Essas são as que ficam.
A impressão que tenho é que toda vez que um jornalista está sem assunto começa a comparar o passado com o presente.
E estejam certos de uma coisa: Talvez à exceção (talvez) da década de 1990, enquanto houver fórmula 1 haverá quem diga que o passado foi melhor. Foi mesmo? Talvez sim. Mas nunca mais Senna vai acelerar, Garrincha driblar, Fred Mercury cantar, Armstrong pisar na lua… Se não está bom, vai jogar biriba, participar de uma passeata pra mudar o país, etc.
Eu também acredito que os pneus atuais estão desempenhando um fator muito mais importante na estratégia do que seria adequado. A quantidade de pit stops se tornou muito alta e mesmo acompanhando a corrida com o live timing e mapa de paradas, tem sido difícil prever o desempenho de um ou outro piloto na fase final da corrida.
Os engenheiros que desenvolvem a estratégia junto aos pilotos parecem estar mais atarefados do que de costume. Isso, inevitavelmente, leva a erros como o que vimos com a dupla da Renault na última corrida.
O que mais gosto na F-1 é que, diferentemente de outras categorias de automobilismo, nela se premia o conjunto (carro x piloto) mais veloz ao longo de toda a corrida. Em outras categorias basta nas voltas finais estar com o carro inteiro, rápido e na volta do líder para ter chance de vencer.
Mas discordo que neste ano os resultados estejam sendo “lotéricos”. Acho sim que muitas novas variáveis estão fugindo do controle das equipes, mas ainda está vencendo o carro mais rápido no conjunto dos trezentos e poucos Km de cada GP.
Para o GP de Mônaco, gostaria mesmo de ver o sexto conjunto carro x pilo diferente vencendo a corrida, quem sabe uma Sauber ou uma Lotus, este, para mim, o melhor carro na média dos GPs deste ano, só falta um pouco de ousadia e sorte para vencer.
Abraço!
Amigo Edu!
Lendo novamente, pra mim, a cereja do bolo deste texto, resume-se a este parágrafo:
“A explicação de Piquet remonta a uma época em que os carros não paravam para abastecer ou trocar pneus ou, se o faziam, era com a única finalidade de ganhar desempenho. Era mais simples ver Fórmula 1 então, menos lotérico, mais meritório e veloz, como é (ou seria) da essência dos GPs.”
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR
Grande Edu, gosto demais de ler suas colunas!!!
Concordo com você, e sou da seguinte opinião:
Corrida de automóveis (Principalmente F1), as trocas deveriam ser livre , como nos anos 80, deixando nas mãos dos pilotos a decisão de parar trocar os pneus, ou tentar concluir o GP inteiro sem parar nos box.
Lembram do GP de Monza de 1987?
A tentativa desesperada de Senna em vencer a prova sem trocar os pneus?
Todos sabem o final da história.
Aquilo, na minha opinião, fazia parte de uma estratégia cabível, sem anomalias para a F1, e não este absurdo de borracha que é torrada GP por GP.
O meio ambiente que vem agradecendo ao Vovô Bernie!
Hoje, Edu, eu sou em alguns momentos, taxado de chato por alguns amigos e familiares, por criticar tanto as mudanças que a F1 vem tomando.
Mas poxa, será que é querer e pedir muito que uma corrida de F1 seja definida somente numa disputa limpa e vencida dentro da pista!?
Por essas e outras, que não me canso de ver e rever as provas dos anos 80, que graças a Deus, pude assistir e acompanhar aquela época de perto.
Da mesma maneira que você, amigo Edu, eu também tenho saudades daquele período!
Grande Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR
Edu,
imagino a dificuldade como voces cronistas especialistas em Formula 1 estão tendo para analisar estrategias … aquela brincadeirinha de apostar em quem vai ser pole ou vencer corridas na Globo tem sido chutes atras de chutes … nem o Burty que ja correu na Formula1 consegue dar uma dentro …
Agora me espanta esta formula usada nos treinos de classificação, divididas em partes e que vem nos permitindo ver pilotos que nem tentam dar uma volta rapida no volta no Q-3 em busca de uma posição melhor no grid de largada … acho isto uma manobra antiesportiva e um afronto a quem vai assistir os treinos seja in loco ou seja na TV … deveria ser proibido … e o gozado é quem vem fazendo uso deste artificio não tem conseguido nenhuma vantagem … pelo menos não me lembro de ninguem ter se dado bem na corrida por causa disso …
Fernando Marques
Niterói RJ
Olá Edu
Não concordo que os pilotos de antigamente andavam no limite o tempo todo. Haviam várias restrições, como combustível e até mesmo de segurança…
E outra. Em 2010 houve a primeira temporada sem reabastecimento e a estratégia ficou num plano secundário (quase terciário…) e TODO MUNDO reclamou que as corridas ficaram chatas demais. Sou um jovem adulto (trintão) e estou me deliciando com a atual temporada, com suas variações de estratégias e dos pilotos tendo que se preocupar com o desgaste dos pneus. Não concordo com a palhaçada do Q3, mas estamos vendo ótimas corridas como a muito não se via.
E devemos prezar por isso!
Abraços
Também tenho, Edu.
Apesar de que, entre 1984 e 1988, boa parte dos pilotos ainda tinha que correr sob a limitação do consumo de combustível – algo que castrou severamente os resultados de Ayrton Senna, por exemplo.
Mas, realmente, não dá para comparar com o que acontece hoje.
Abraço, e belo texto!