1994 x 2006 I

Linhas tortas
01/08/2011
1994 x 2006 II
08/08/2011

Ainda que muita gente possa estar tomando a atual temporada de Schumacher por verdade absoluta sobre sua carreira e desmerecendo todos os seus feitos, não se pode negar que a performance do alemão está frustrando seus fãs mais do que a qualquer um.

Isso acontece devido ao belo desempenho de Schumacher naquela que havia sido sua última corrida na Fórmula 1: no GP do Brasil de 2006, ele terminou em quarto após uma bela corrida de recuperação, com diversas ultrapassagens buscando aquela chance mínima de ser octocampeão.

A última impressão foi a que ficou, e para muitos Schumacher saiu da F1 no auge, esquecendo que aquele título de Fernando Alonso foi mais do que legítimo, e que já em 2005 o alemão dava mostras de que somente o seu talento não poderia suprir deficiências de equipamento.

Muitos foram os que apostaram em vitórias e até mesmo num título de Schumacher quando este anunciou seu retorno ao final de 2009 – e até mesmo antes, em agosto daquele ano, quando fora “escalado” para substituir o acidentado Felipe Massa.

No entanto, é necessário um olhar para o passado, e analisando os mundiais de 1994 e 2006, podemos chegar a muitas conclusões – e outras tantas perguntas.

Em 1994, Ayrton Senna falecia durante o GP de San Marino, na sétima volta, após ter iniciado a corrida na pole-position. Aquela era a terceira etapa do campeonato mundial, e Senna vinha com fome de vitória, depois de dois resultados ruins nas primeiras provas. No GP do Brasil, ele foi pole e liderou até a 21ª volta, quando foi superado por Michael Schumacher nos pit stops e teve de iniciar uma caçada ao jovem piloto.

Senna conseguiria uma boa aproximação, mas acabou por rodar na curva da Junção no 55º giro e abandonar a prova. Tanto Ayrton quanto Schumacher tinham, naquele momento, uma volta de vantagem para o terceiro colocado – “o segundo lugar não me interessava”, diria Senna após o GP.

Na corrida seguinte, Ayrton Senna preparava uma recuperação e novamente conseguiu marcar a pole. Porém, diferentemente da etapa de abertura, ele sequer conseguiu completar a primeira curva: após um breve toque de Mika Häkkinen, seu carro roda e, com a batida posterior de Larini, o brasileiro abandona. Schumacher vence a prova novamente.

Tão logo abandonou, Senna ficou na mureta da reta dos boxes, esperando a Benetton de Schumacher passar para prestar atenção no som emitido pelo bólido. Ele estava convencido de que o carro usava controle de tração…

Ayrton chega a San Marino com 20 pontos de desvantagem e necessita partir para uma espécie de “tudo ou nada”. Mais uma vez, a pole nos treinos, mesmo não tendo participado da maior parte da classificação (!), em virtude do grave acidente de Barrichello e da morte de Roland Ratzemberger.

A corrida tem início e acontece uma batida entre Pedro Lamy e JJ Lehto, fazendo com que a prova fique sob regime de safety-car até a 5ª volta. Após o reinício, Senna se mantém em primeiro com apenas 0,6s de vantagem para Schumacher até que, na 7ª volta, acontece o acidente fatal.

O piloto alemão venceria aquela corrida e chegou à impressionante marca de 30 pontos em 30 disputados. Para se ter ideia, o piloto mais próximo de Schumacher era justamente o companheiro de Senna, Damon Hill, com míseros 7 pontos.

O que se sucedeu naquele campeonato foi um crescente domínio de Schumacher paralelo a denúncias e punições quanto a irregularidades da Benetton.

No GP da Inglaterra, uma punição que não tinha nada a ver com fatores técnicos: Schumacher ultrapassa Damon Hill durante a volta de apresentação, mantendo-se à frente do inglês, o que é proibido no regulamento: recebe um “drive through” (pela mesma infração, John Watson foi desclassificado no GP da África do Sul de 1983) mas o ignora .

Imagens da TV mostram Flavio Briatore e outros membros do time discutindo, e andando de um lado pro outro. Schumacher recebe um ”Stop&Go”. Mais algumas voltas se passam, sem que o piloto vá aos boxes. Aí surge a bandeira preta: desclassificação. E o que o piloto faz? Vai aos boxes e cumpre a punição anterior!

Schumy acaba sendo desclassificado, perdendo o segundo lugar que conquistara, e é suspenso por duas corridas por ter ignorado a bandeira preta (pela mesma infração, Nigel Mansell foi suspenso do GP da Espanha de 1989). No entanto, a Benetton entra com um recurso e consegue perfilar seus carros na Alemanha. Mas foi então que as coisas realmente se complicaram para o time de Briatore.

Não apenas porque a FIA declarou ter encontrado softwares ilegais (controle de tração) no carro – em uma investigação após o GP de San Marino! – e aplicaria uma multa de 100 mil dólares, mas principalmente pelos problemas ocorridos durante o reabastecimento: quando Verstappen fez sua parada nos boxes, o combustível vazou e houve um incêndio que atingiria, ainda que superficialmente, o piloto e cinco mecânicos.

Uma investigação seria feita posteriormente para apurar o incidente, e nova infração estaria comprovada: a conclusão da entidade foi que, tirando o chamado “safety filter” da bomba de gasolina, o abastecimento chegava a 13 litros/segundo, diminuindo até 3 segundos por pit stop. Estava dada a resposta sobre o pitstop “mágico” da Benetton no GP do Brasil daquele ano:

Após a etapa da Alemanha, a Benetton continuou correndo normalmente. Schumacher venceu na Hungria com relativa facilidade, e também sagrou-se vencedor no GP da Bélgica. Mas, então, nova polêmica: Schumacher é desclassificado pois o assoalho do carro (o “stepped flat bottom”) sofreu um desgaste superior aos 10 milímetros regulamentares e passava, inclusive, a margem de tolerância (1mm).

A justificativa, de piloto e equipe, foi a rodada do piloto durante o GP. Os comissários julgaram tal defesa improcedente (e é bom lembrar que, um mês depois, Olivier Panis seria desclassificado do GP de Portugal pela mesma infração).

Então, numa espécie de somatória dos fatores ocorridos em San Marino, Inglaterra, Alemanha e Bélgica, o piloto do carro número 5 é suspenso das etapas da Itália e Portugal, as quais Damon Hill vence. Mas um fato curioso acontece: para as corridas de Monza e Estoril, Schumacher é substituído por JJ Lehto. O finlandês utiliza o carro reserva…

Com o retorno de Schumacher para as três últimas corridas, as vitórias ficam divididas entre ele e Hill (Schumy vence em Jerez, Hill em Suzuka), de modo que ambos chegam à última etapa, na Austrália, separados por apenas um ponto (92 a 91) em favor do alemão.

O final todos sabem: Schumacher vinha liderando, perdeu o controle do carro por um momento, chocou-se contra o muro, retornou à pista e lançou seu carro sobre Damon Hill propositadamente. O inglês ainda tentou ir aos boxes, mas a suspensão havia sofrido um dano irreversível.

Schumacher era campeão do mundo aos 25 anos.

Criaram-se, então, duas imagens opostas com essa conquista: a primeira, relacionada às irregularidades da Benetton mas principalmente à batida da corrida final, é a de que Schumacher era um trapaceiro [“cheater” ou “cheatmaker” virou “Dick Vigarista” no português do Brasil] e que só ganha(va) roubando; a segunda se referia à vitória do piloto no mundial coincidindo com a morte de Senna.

Como abordado por Márcio na coluna “Justiça”, é comum que se criem rótulos, bons e ruins, sempre baseados no momento. Então, aquelas mesmas vozes que uma vez disseram que Lauda foi aposentado por Piquet e que este fora aposentado por Schumacher, passaram a dizer – e essa idéia ainda é bastante difundida – que “Senna morreu tentando andar na frente do Schumacher”.

Na próxima coluna, veremos sobre o campeonato de 2006 e o porquê desta comparação.

*Clique aqui para ler a continuação.

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

6 Comments

  1. Eduardo Correa disse:

    Olá amigos do GPTotal

    O que faltou para que Keke Rosberg lutasse pelo título de 1986?

    Abraço a todos!

    Mauro Santana, Curitiba

    Olá Mauro

    Acho que o fator principal foi a presença na McLaren de Alain Prost, numa situação muito semelhante a que vemos com Felipe Massa agora, na Ferrari. Não importa quão motivado estivesse Rosberg, pela sua posição na equipe e qualidades como piloto, Prost trataria de neutraliza-lo.

    E acho que Prost nem precisou se esforçar muito por outros dois fatores: Rosberg já contava 38 anos na época, contra 31 do francês e também pelo fato de Rosberg ser decididamente menos focado e competitivo do que o companheiro de equipe. Neste sentido, diria que a situação era semelhante à de Massa e Kimi Raikonnen na Ferrari em 2008: um piloto supermotivado, outro mais ou menos…

    Abraço (EC)

  2. Eduardo Correa disse:

    Excelente o texto do Marcel Pilatti sobre John Watson.

    Só um errinho: no trecho em que fala que ele foi o único piloto desde 1975 a usar o número 1 sem ser campeão mundial (!)., na verdade o correto é 1974.

    Se lembrarmos, a Lotus correu em 1973 com os números 1 e 2 (Emerson e Peterson, respectivamente), a partir de um certo momento da temporada, quando foi adotada a numeração fixa na Fórmula 1.

    Ao final do ano, decidiu-se que as equipes passariam a ter numeração fixa com base no Campeonato Mundial de Construtores de 1973: Lotus (1 e 2), Tyrrell (3 e 4), McLaren (5 e 6), Brabham (7 e 8), March (9 e 10), Ferrari (11 e 12) e assim por diante. Exceção seria feita ao campeão, que correria com o número 1 sempre, levando-o ou mantendo-o consigo na equipe em que estivesse.

    Jackie Stewart foi o campeão daquele ano, com a Tyrrell, mas não correu no ano seguinte (abandonou as pistas no final da temporada, devido à morte do seu companheiro de equipe François Cevert). Emerson, que correu com o número 1 em 1973, mudou-se da Lotus para a McLaren. O número 1 ficou, então, vago, sem campeão.

    Decidiu-se que ele ficaria na Lotus, campeã de construtores. E foi dessa forma que, em 1974, Ronnie Peterson (primeiro piloto da equipe) correu com o número 1, mesmo sem ter sido campeão no ano anterior.

    É isso. Abraços a todos,

    Humberto Luís Mendes, São Paulo

  3. Eduardo Correa disse:

    Parabéns pela coluna History.

    Apenas uma observação: entre 2000-2004, Schumacher enfrentou pilotos como Montoya, Mika, Kimi, Alonso, Button… Ou seja, exceto pelo colombiano, todos campeões mundiais.

    Eu não entendo porque tenta-se diminuir o nível da concorrência do alemão.

    Daqui a pouco vão dizer o mesmo sobre os concorrentes de Vettel…

    Aguarde

    Alexandre, São Paulo

  4. Eduardo Correa disse:

    Agresti,

    o que seria de Michelle Alboreto depois da insana prova em Mônaco 1985?

    Se alguém puder colocar o link com o resumo daquela prova, irão xingar o marroquino até não poder mais! O problema é que as pessoas estão muito propensas a imortalizar os ídolos e esquecer os detalhes que fazem uma prova no automobilismo: velocidade, coragem, arrojo!

    Abração

    Roberto Taborda, Porto Alegre

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