Natal de 1978. Nelson Piquet está de volta a Brasília após conquistar o campeonato inglês de Fórmula 3 e fazer com grande competência suas cinco primeiras corridas na Fórmula 1, a última delas já pela importante equipe Brabham, de Bernie Ecclestone. Apenas dois anos após se mudar para a Europa seu grande sonho já havia se tornado realidade, a custa de altas doses de sacrifício pessoal.
Em seu momento de celebração, Piquet demonstra não ter sido minimamente afetado pelo sucesso. Para o natal ele convida o amigo australiano Gregory Siddle, conhecido no meio automobilístico como Peewee. E também convida um velho parceiro de aventuras em Brasília, que após se recuperar de um terrível acidente numa prova motociclística em 1976, pensava agora em correr de Passat em provas do Campeonato Brasileiro de Divisão 1. Seu nome: Roberto Pupo Moreno.
Moreno – o “Baxo” – logo descobriria que Nelson não apenas continuava a ser a mesma pessoa, como também tinha planos muito nítidos para seu próprio futuro. “Esquece os Passats, Baxo. Com as restrições de combustível [que limitaram o número de corridas em território nacional na esteira da crise do petróleo], você faz muito mais corridas na F-Ford inglesa pelo mesmo preço! Seu lugar é na Inglaterra!”
O diálogo que se seguiu foi o mais importante na vida de Moreno. Aos 19 anos, filho de bancário e sem jamais ter saído do Brasil, Roberto viu uma a uma suas inseguranças sendo rebatidas de forma decidida. O argumento definitivo, no entanto, que finalmente fisgou o garoto, diz muito sobre o caráter dos dois pilotos: “Mas e se eu não for bom, Nelson? E se eu chegar lá e descobrir que não sou bom o bastante?”
“Bom. Aí você volta para o Brasil e segue sua vida, com a vantagem de saber falar inglês”.
As dificuldades para conseguir transformar aquelas palavras em realidade renderam um capítulo inteiro na biografia que estou escrevendo sobre Moreno, de modo que não cabe aprofundar essa parte da história. O que importa, nesse momento, é que a temporada de 1979 não deixaria qualquer margem para dúvidas sobre as capacidades de Moreno, a ponto do piloto ser convidado a guiar para três equipes de fábrica no ano seguinte. O título do Townsend-Thoresen em 1980, bem como a espetacular conquista do Festival ao fim do ano, correndo contra mais de 200 conjuntos, o levaram a ser procurado pela lendária equipe Lotus, por instrução de Colin Chapman em pessoa. A oferta para ser piloto de testes na F1, com opção para ser piloto titular nos anos seguintes, não encontrava precedentes entre pilotos da FF 1600.
Olhando em perspectiva, seria fácil definir a abordagem da Lotus como uma armadilha. Um contrato bastante unilateral, de gaveta, que impediria o piloto de ser abordado por outros times, ao mesmo tempo em que garantiria a presença de um substituto promissor a baixo custo para gerar alguma pressão sobre Nigel Mansell ou Elio de Angelis dentro da equipe. Roberto, no entanto, jamais encarou a situação sob esse prisma. “A questão era muito simples. Se eu não assinasse aquele contrato com a Lotus, eu simplesmente não teria tido meios para continuar minha carreira a partir da Fórmula 3. Então eu sou grato pela chance que tive.”
Já sofrendo com a falta de recursos, Moreno inicia tardiamente sua temporada de 1981 na F-3, alcançando rapidamente ótimos resultados. Ao fim do ano é convidado a participar do GP da Austrália de F-Pacific, ao lado de diversos nomes consagrados da Fórmula 1 – entre eles os dois últimos campeões mundiais. Utilizando pneus já usados por Piquet, Roberto faz a pole e no dia seguinte vence com uma volta de vantagem sobre o velho amigo. Na imprensa inglesa, o piloto é frequentemente tratado como “o novo Jackie Stewart.”
Ao longo de todo este tempo, guia o Lotus apenas duas vezes. A primeira, de improviso num teste aerodinâmico em linha reta, em que precisa pedir capacete e macacão emprestados a Piquet. E a segunda numa lenta sessão fotográfica em Jacarepaguá. Sua experiência, portanto, era praticamente nula quando a equipe o avisou que ele iria substituir Nigel Mansell no GP da Holanda de 1982.
httpv://youtu.be/_S9RvKawrxc
O GP da Holanda de 1982
Existe também uma componente política nessa história. A vaga de Moreno vinha sendo disputada por três pilotos, e Peter Warr tinha claramente outras preferências com relação a quem contratar. Passados tantos anos, e considerando a forma como Moreno foi abandonado à própria sorte naquele fim de semana, essa é uma tese que acaba ganhando força.
“Numa certa altura eu e Elio [de Angelis] fomos juntos para a pista, e nosso ritmo ao longo da volta inteira era muito, muito parecido. Ele mesmo veio falar comigo depois, estava impressionado com minha rapidez. Exceto pela última curva do circuito, de raio longo e altíssima velocidade, onde eu simplesmente não tinha força no braço para sustentar a aceleração. Assim eu era obrigado a tirar o pé, e depois perdia tempo ao longo da reta inteira. Foi por isso que não me classifiquei. Se eu tivesse na época a experiência que tenho hoje, teria alterado várias coisas no acerto do carro, entre elas o cáster, e teria deixado aquele volante bem mais leve”, ponderou o piloto, anos mais tarde.
E foi isso. Uma única curva acabou jogando por terra quatro anos de resultados excelentes na construção de uma tremenda reputação.
Relembrei toda essa história, porque há pouco mais de uma semana, no dia 31 de agosto, Roberto Moreno finalmente voltou à pista que atrasou sua carreira em, no mínimo, cinco anos. E voltou por cima, num gesto de reconhecimento da organização do Historic Grand Prix de Zandvoort, que fez a ele o único convite entre pilotos internacionais de renome. Mais que isso, o piloto foi convidado a guiar o mesmo Coloni que pilotou ao longo de 1989, impecavelmente conservado. Conversei com Moreno neste mesmo dia, horas depois da experiência.
“Ah, foi tudo muito bom, aqui na Holanda. O evento é espetacular, os carros estão muito conservados, e a alegria de pilotar o Coloni novamente foi imensa. Fiz até algumas regulagens no carro, e ele ficou ótimo de guiar. Foi um prazer e uma emoção. Enfiei o pé, e vi que não estou tão enferrujado quanto pensava. Se treinar um pouco, ainda consigo andar bem rápido”, comemorou o piloto.
E quanto à sensação de retornar a Zandvoort?
“Eu não tenho nada contra a pista. Ela é gostosa de guiar, tem umas curvas difíceis. Aquele episódio de 82 foi uma irresponsabilidade do Peter Warr, que cometeu um erro sabendo que estava agindo de forma errada. Eu não tinha a menor experiência com o carro, nem a força física para tirar tudo dele. Mas felizmente a minha carreira seguiu por quase 30 anos depois daquele dia, e me sinto muito satisfeito com a forma como tudo aconteceu. Inclusive havia um Lotus em Zandvoort bem parecido com o que pilotei, e eu fui lá, fiquei amigo do dono, e tirei foto junto ao carro. Está tudo muito bem resolvido em relação a tudo isso.”
httpv://youtu.be/uMIWx6d6Em0
Ainda assim, este retorno a Zandvoort, como convidado, apresentou um clima muito diferente daquele de 32 anos atrás. A sensação é de volta por cima?
“Olha Márcio, essa sensação eu tive lá atrás, em 1987, quando fiz as corridas pela AGS e consegui aquele ponto na Austrália. Eu estava estabelecido na Indy, mas larguei tudo para tentar voltar à Fórmula 1. E consegui, com um desempenho muito bom. Então ali eu tive essa sensação. Dessa vez foi diferente, eu já não tinha mais nada para provar. Acelerei forte no curvão, mas fiz isso por prazer, para curtir a oportunidade. O gostoso mesmo foi sentir esse reconhecimento por parte dos holandeses, que não convidaram nenhum outro piloto internacional para guiar os carros de F1. E eles pintaram o carro exatamente como era, puseram o nº 31, fizeram tudo como era em 1989. O narrador contou minha história, o público me aplaudiu, tudo isso foi muito bacana. Foi um fim de semana feliz, que vou guardar com carinho na memória por muito tempo”.
Nós também, Roberto. Nós também.
Quando falei que iria dedicar uma coluna sobre o tema, Roberto concordou em vir aqui, trocar mensagens com os leitores do GPTotal.
Portanto, se alguém quiser mandar algum recado para o homem, essa é uma ótima oportunidade.
Abraços a todos,
Márcio Madeira
16 Comments
Sim! Ja! Variadas..coysas..do pupo! Li e canso nao! 0k fa sou dele adimiro! 0k bem!
Roberto, sou um grande fã da sua pessoa e acompanho sua carreira há muito tempo. Sua história, assim como a do Nelson Piquet, enchem de emoção e vontade de também lutar e superar as batalhas da vida. São dois exemplos de superação e vontade.
Creio que não pode faltar no livro o aspecto psicológico da insegurança e receio pessoal de chegar noutro país para correr e trabalhar, bem como a maneira de desvencilhar de tudo isso, seja de forma natural ou forçada, bem como os aprendizados, lutas constantes, noites em claro trabalhando, aprendendo mecânica e acerto de carro, as grandes surpresas que surgiram (ex: pessoas que te ajudaram quando menos esperava, lances de sorte/azar), bem como grandes acertos e erros pessoais de postura psicológica, para que a gente possa se divertir, aprender e aplicar alguns ensinamentos em nossas vidas.
Há muitas perguntas que gostaria de fazer, mas agora, na alta madrugada, sem chances de lembrar todas.
Montarei uma lista e enviarei ao editor da coluna.
Um grande e sincero abraço.
Quando vier a Vitória-ES me procure.
Olá amigos. fiquei surpreso e feliz com a quantidade e o conteúdo das mensagens. Li e guardei cada uma delas, e fico emocionado por receber tanto suporte após todos esses anos. Quanto às perguntas, espero que a biografia possa responder cada uma delas. Abraço a todos e muito obrigado pelo carinho.
Ao Roberto: como ele se dava bem com o Nelson, um “azia” de primeira? É de conhecimento público que Piquet fala mal (no que importa os “defeitos” assim julgados por ele) de todo mundo, ou isso é “estratégico”? Pergunto isso porque Moreno sempre foi o contrário disso, sempre simpático, atencioso, político (obviamente no bom sentido).
RECADO
Amigos que quiserem ouvir as respostas do grande Roberto Pupo Moreno, escrevam para o autor da coluna: marcio@ultimavolta.com
Moreno foi um dos últimos pilotos que realmente torci!
Torcia grudado na televisão quando as provas eram transmitidas ao vivo. Torcia por toda notícia que especulava um novo contrato com uma equipe melhor.
E quem não se emocionou com aquela vitória em Cleveland, 14 anos atrás?
Mas eu queria ouvir do Moreno como foi na visão dele a famosa US500 de 1996, aquela prova que ele levou o Payton/Coyne ao terceiro posto!
Abraços.
Flaviz
Já ouvi várias histórias sobre os tempos de Brasília, e como morador da capital gostaria de resgatar algumas referências:
1. O Alex Dias Ribeiro uma vez falou em entrevista sobre um “circuito” de quatro curvas que o pessoal da época improvisava na cidade, no eixo monumental. Queria saber qual era o percur so, com a promessa que vou andar lá bem devagar.
2. Tanto o Alex quanto Piquet falavam sobre um autorama que o pessoal da época frequentava. Ele ainda existe? Onde é/era?
3. Em qual boteco a gente te encontra? O Germana mudou de nome, mas a lasanha continua sensacional.
Bom pessoal, diante da quantidade de recados e perguntas, Roberto me pediu para responder em áudio, por whatsapp.
Vou transcrever aqui para cada um, mas quem quiser guardar o áudio da resposta dele pode me mandar e-mail para marcio@ultimavolta.com que eu respondo com o arquivo em anexo.
Provavelmente só poderei fazer isso a partir de amanhã (12), então peço aos amigos que continuem acompanhando o debate nessa página nos próximos dias.
Abraços!
Que coluna Márcio, e que Honra, que Honra poder fazer algumas perguntas ao Grande Roberto Pupo Moreno.
Moreno, tenho três perguntas:
1ª como era guiar um F1 “asa” no início dos anos 80?
2ª O que passou pela sua cabeça quando guiava pela última volta no GP do Japão de 1990?
E 3ª Qual pista era mais gostosa de guiar um F1, Interlagos ou Jacarepaguá?
Moreno, como eu torci naquele GP da Bélgica de 1991 para que a Mclaren do Berger tivesse algum problema, e assim o pódio fosse todinho brasileiro, com Senna, Piquet e Moreno.
Saudades daqueles anos…
E Márcio, quando a biografia sair, vou querer assinada por você e pelo Mestre Roberto Pupo Moreno.
Grande abraço, e QUE HONRA mais uma vez!!!!!
🙂
Mauro Santana
Curitiba-PR
Caro Roberto
Um dos melhores acertadores do mundo. Ansioso pela sua biografia, saúde e forte abraço.
caro Roberto
aperta o Márcio para a tua biografia chegar, estamos ansiosos para ler mais episódios de tua profícua carreira.
Queria perguntar se o episódio da Holanda não foi um ato deliberado de Warr? afinal a história aponta diversas situações de puxada de tapete proposital visando queimar alguem em detrimento de outra preferência.
Um outro ponto, atualmente existem ex-pilotos que seguiram a carreira de coach para novos pilotos, até como exemplo cito Derek Daly que tem atualmente uma conceituada escola nos Estados Unidos, voce já pensou em algo semelhante?
abraços e muito bom saber que voce está bem
Mário
Espetacular esta oportunidade de interagir com um piloto profissional com passagem pela F1.
Ainda mais espetacular por ser ela, a oportunidade, com o Moreno. Um grande piloto, com grande caráter.
Se possível, faria três perguntas ao Moreno:
1) Qual foi o melhor piloto com quem competiu?
2) Na sua opinião, por que o Brasil parou, ou quase, de produzir pilotos campeões como produziu nas décadas de 70 e 80?
3) A Benetton poderia ter sido campeã se tivesse mantido você e Piquet nos carros?
Sempre tive muita simpatia pelo Roberto Pupo Moreno.
Acho que ele pode não ter tido a sorte de um Piquet ou de Senna na Formula 1, mas pelo menos teve a felicidade de poder ser um bom piloto de corridas, prova disso pelo fato dele ter sido campeão em varias categorias europeias e de ter sido vencedor na Indy . Teve sorte também nos acidentes que sofreu, principalmente na Formula 3, muitos deles gravados naquela fita cassete do HAVOC, pois saiu inteiro de cada porrada muito feia. Ele sempre foi competente.
Faço duas perguntas:
1) Se ainda é amigo do do Piquet?
2) Se não era mais interessante continuar correndo na Indy, não só por ter mais chances de ter um carro vencedor, mas também pelo fato de ter vencido corrida na categoria e assim ter conseguido mais prestigio que nunca teve na Formula 1?
Fernando Marques
Niterói RJ
Olha, este foi um texto lido com algumas lágrimas por aqui.
Embora Roberto não tenha tido o reconhecimento do grande público, quem entende um pouco de automobilismo sabe que ele é um cara especial, tanto pelo talento ao volante como pelo seu caráter. E é isso que importa, no fim das contas.
Aproveitando que o Roberto está lendo estas mensagens, além dos elogios já feitos, gostaria de perguntar mais sobre aquele Benneton B191 de 1991.
1) Será que se ele fosse equipado com pneus Goodyear ele seria mais competitivo?
2) Que problemas de câmbio esse carro tinha e que só foi resolvido na Bégica (com direito a volta mais rápida)?
3) A Benneton já tinha protótipos de câmbio semi-automático?
4) E aquele bico tubarão (que virou o padrão por anos na F-1), foi realmente um grande avanço aerodinâmico em relação ao carro de 1990? O que você sentiu disso?
5) Por fim, Roberto, qual foi a sua melhor corrida de F1? Não digo apenas de melhor resultado, mas aquela em que você sente que se superou, ou fez seu melhor trabalho? Foi mesmo Japão 1990 ou tem outra tão especial quanto?
Mal posso esperar pela biografia completa, já quero encomendar o meu (autografado, se possível, hehe).
Abraços
Um grande abraço, Marcio e Roberto. Que artigo! Que piloto!
Caro Roberto, grande abraço desde a Espanha 🙂