A Farsa

O filme de 93
19/09/2011
Luzes da cidade
23/09/2011

Dizem que o automobilismo brasileiro vai mal. Eu concordo. Culpados? Muitos. Para começar nós mesmos, o público, que de uma década para cá (ou mais) aceitamos garbosamente empulhações sem piscar, sem reclamar.

Que tipo de empulhações? Ora ora… Vamos à principal delas: a Stock Car. Tida e havida como categoria máxima do país, aquela que deveria reunir a fina flor do automobilismo nacional: os melhores pilotos, as melhores equipes, os melhores preparadores, o melhor… equipamento. Eis o cerne da questão, o equipamento!

Me sinto dando chute em cachorro morto ao criticar estes carros que preenchem o grid da Stock Car, protótipos travestidos de carros de turismo, com seus chassi tubulares encapados de plástico bolha para fazer crer ao mané da arquibancada ou aquele que folheia a revista ou olha o site que são, efetivamente, Astras, Peugeots ou o que quer que seja. Nada contra chassis tubulares, nada contra carrocerias bolha mas, velhinho que sou, e meio versado na língua de Shakespeare, sei que de “stock” aquele “car” não tem nada. É um protótipo, punto e basta como diria o Totó da novela.

E nada contra protótipos também, desde que sejam identificados como tal, caracterizados adequadamente.

Saber um pouco de história do automobilismo nacional ajudaria um pouco aqueles que atualmente detém as verbas para investir no esporte a motor a alocar seus reais em categorias consistentes, verdadeiras, capazes de atrair apaixonados, e encher arquibancadas de público pagante e não de convidados que passam na concessionária ou onde quer que seja e retiram seu ingresso “de grátis” como seu usa dizer neste bananal.

E o que diz a história do automobilismo brasileiro?

Diz que o embate genuíno entre marcas e, por consequência, de seus escudeiros, foi o cerne de nossa paixão pela corrida de automóvel. A idade de ouro desse cenário, o famoso “onde tudo começou”, foi no início dos anos 60, o duelo entre as equipes Willys e DKW, onde legionários como Bird Clemente, Marivaldo Fernandes, Marinho Amaral, Bino Heinz, JC Pace, Wilson e Emerson Fittipaldi, LP Bueno e tantos outros nomes que agora me escapam gravaram a ferro e fogo seus nomes em duelos imemoráveis, criando uma horda de apaixonados por corridas de carro.

E houve sequência. Ford contra Chevrolet, montarias batizadas de Maverick e Opala, onde gente tarimbada como PV Delamare, Bob Sharp, Paulo Gomes, Reinaldo Campello e “n” outros repetiram a dose do duelo até a última gota de sangue sucitando paixão genuína. E isso para não falar no autombilismo de fórmulas: a Fórmula Vê, a Ford, a SuperV, a Fiat e por aí vai, ninho de gente afiada para pilotar onde quer que fosse, de onde sairam Gugelmins, Serras, Hoffmans, Christians e Barrichellos.

Mas, num dado momento, a coisa toda fez “puff”. Em cena, entrou gente que “entende de espetáculo”, e não de automobilismo. E os campeonatos, os torneios, as copas viraram “eventos”, ou “ações de marketing”. E as corridas?

As corridas que se danem!

Ao patrocinador interessa ver a ala VIP do box cheia de famosos, de “personalidades”, gente que em vez de ver o que está em volta querem que “o em volta” vejam à eles. E com o beneplácito da CBA, aquela entidade dirigida pelo Sr. Pinteiro, que emite carteirinhas e angaria taxas, mas não organiza o presente do automobilismo e tampouco planeja seu futuro, o esporte de corridas de automóvel no Brasil virou “evento”. Mas evento com “griffe”, com “assinatura”: Copa Mini, Porsche Cup, Torneio Mercedes-Benz, Copa Fiat Linea (esta a menos pior…)…

A última? “Copa Petrobrás de Marcas”. Na pista, Honda Civic, Chevrolet Astra e Ford Focus, só que “de mentirinha”. Os motores? Todos iguais, bloco Nissan, cabeçote Berta. Suspensões dianteira e traseira? Todas iguais! Copa de Marcas? De jeito nenhum, apenas mais um faz de conta com o carimbo de Vicar, aquela que faz a Stock Car.

Não me admira que tenham conseguido coptar empresas do porte de Chevrolet, Ford e Honda para tal espetáculo achincalhador de tradições destas marcas citada, já que quem decide coisas esporte são os caras do marketing, e esses não enxergam automobilismo como esporte, ou com paixão, mas sim como “evento”, como “ação”. E assim o automobilismo brasileiro, como dito no início vai mal, muito mal mesmo.

Não sou contra uma nova categoria. Aliás, esta receita é chupada de uma categoria que na Argentina faz muito sucesso, a TC 2000. Porém, percebo que estas fábricas – assim como as outras – estão menosprezando os primeiros degraus da escada, não dando chance a novos pilotos surgirem via categorias baratinhas, ditas de acesso. Como fez a Fiat no passado com seus 147 e Unos, a Honda poderia fazer com seus Fit, a Chevrolet com seus Celta ou Corsa, a Ford com seus KA e Fiesta. E talvez gastando bem menos que nessa empreitada pouco genuína. Imagine só como Soichiro Honda se sentiria sabendo que seu Civic vai para pista com um motor de outra marca?

Na Copa Petrobrás, além da farsa técnica, piloto novo, ou novato, é raridade, ou seja, criou-se mais uma classe para alunos de pós-graduação enquanto a base, o “maternal e jardim da infância” está trancado, cadeado na porta. Uma pena!

Roberto Agresti

GPTotal
GPTotal
A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *