Poucas vitórias em Grandes Prêmios foram tão emotivas quanto a conquistada por Patrick Tambay e a Ferrari em Ímola em 1º de maio de 1983.
Foi um daqueles casos mágicos em que a multidão consegue exatamente por aquilo que torce e deseja, quando o próprio vencedor é uma pessoa bem popular e querida no meio, e que tudo parece ter sido guiado por uma mão invisível à medida que os acontecimentos se desenrolam.
Um por um, os rivais de Patrick Tambay foram sendo eliminados e saindo de seu caminho, cometendo seus próprios erros e deixando-o livre para usando uma expressão muito popular pelos dirigentes da Ferrari, voltar para casa e ter uma recepção delirante no carro 27 – o carro que ostentava o número que se tornou lendário pelo herói dos tifosis, Gilles Villeneuve – e o carro que eles firmemente acreditavam que era ele quem deveria ter vencido a corrida do ano anterior.
Naquela corrida Gilles Villeneuve, é claro que fisicamente não participou, pois havia partido, morto na qualificação para o Grande Prêmio da Bélgica, quase um ano antes.
Mas para os tifosis e para Patrick Tambay – seu espírito viveu naquele dia.
“Vencer aquela corrida foi muito emocionante para mim”, Tambay contaria anos depois.
Em 1982 ele assumiu a vaga de Gilles Villeneuve na Ferrari a partir do GP da Holanda, sendo que na Alemanha é Didier Pironi quem sofre um brutal acidente nos treinos e fica fora do restante do campeonato, a partir desse GP Tambay assume como primeiro piloto
Sobre Imola 1983 ele declara: “Essa corrida foi extraordinária para mim. Na Alemanha, em 1982, senti profundamente a responsabilidade que recaiu sobre meus ombros quando assumi o lugar deixado por Gilles, mas Ímola em 1983 foi muito, muito mais.”
A Ferrari sempre teve uma chance naquele ano de 1983, que seria o primeiro em que um carro turboalimentado levaria um piloto ao Campeonato Mundial, agora que os efeitos do solo foram seriamente limitados pela introdução de chassis de fundo plano, seu carro e motor confiáveis os tornavam postulantes a ambos os títulos, de pilotos e construtores.
Com a aura mítica em que seus carros com o brasão amarelo e o cavalinho rampante que Enzo Ferrari havia recebido da família do ás da aviação da Primeira Guerra Mundial, Francesco Baracca.
Em 1983, da prancheta de Harvey Postlethwaite fora produzido o modelo 126C2/B de fibra de carbono, um carro elegante e eficiente, e com ele nos treinos para o GP de Imola que Rene Arnoux usou com grande efeito para dominar os treinos ao superar a Brabham-BMW de Nelson Piquet em ambas as sessões. No final, o pequeno francês conquistou a pole position com uma volta de 1m 33,238s contra 1m 33,964s de Piquet.
Por uma reviravolta do destino, que por sua vez superou o melhor de Tambay por três milésimos de segundo e deixou Patrick ocupando o terceiro lugar do grid. Isso seria crucial para o desenrolar da história.
“Nos treinos meu carro me deu muitos problemas”, disse Patrick, que lutou contra a perda do turbo em seu motor na sexta-feira e depois explodiu o pistão quando tentou aumentar a pressão.
Ele também admitiu que, embora Arnoux tenha optado pelo pneu mais macio da Goodyear, com pneus do tipo E, ele foi um pouco mais cauteloso na escolha dos compostos tipo D.
“Por coincidência, tudo isso significou que alinhei na mesma posição que Gilles tinha na corrida do ano anterior, quando Didier Pironi venceu. Pobre Gilles, ele nunca superou isso. Naquele ano ele se sentiu tão enganado!”
O dia da corrida amanheceu com tempo bom e um sol brilhante, mas enquanto cerca de 100.000 tifosi afluíram ao circuito na expectativa confiante de que uma ou outra Ferrari iria vencer, Tambay teve uma experiência emocional que guardou para si mesmo e para as pessoas mais próximas dele na época.
“Bem à minha frente no grid estava pintada uma folha de Maple canadense que algum tifosi havia pintado na pista onde Gilles havia alinhado seu carro. Percebi esse detalhe faltando 20 minutos para o grid, e eu simplesmente fiquei pensativo ao ver, você sabe…, eu estava sentado lá, chorando muito, fiquei completamente arrasado. Meus mecânicos, meus amigos que vieram até o carro para me desejar sorte, simplesmente foram embora. Eles ficaram com vergonha de mim e não sabiam o que fazer ou o que dizer. Não havia nada que qualquer um deles pudesse ter dito ou feito.”
o detalhe na foto acima mostra o carro de Tambay e o símblo canadense pintado no grid a sua frente
“Senti-me melhor quando a corrida começou e corri em segundo nos primeiros momentos, atrás do meu companheiro de equipe Arnoux, que havia largado da pole position. Então Riccardo Patrese me ultrapassou no segundo Brabham. Assumi a liderança quando Riccardo estava atrasado durante sua parada para pneus.”
Quando a luz verde foi acionada Piquet ficou com seu Brabham parado na largada, deixando Patrese para assumir o controle do time de Bernie. Arnoux e Tambay correram em primeiro e segundo nas duas primeiras voltas antes de Patrese mergulhar para o segundo lugar, que se tornou o primeiro na sexta volta, quando ele passou à frente de Arnoux após ultrapassá-lo na Rivazza. Até seu desastroso pit stop na volta 34, Riccardo Patrese parecia ter a corrida bem controlada ao controlar uma vantagem de 27 segundos, mas então tudo começou a dar errado.
Anos depois Herbie Blash relembrou esse incidente. “Foi um erro idiota! Riccardo ultrapassou o pit. Ele tinha a corrida no bolso, chegou rápido demais nos boxes e passou direto do ponto correto onde deveria ter parado!”
Quando um mecânico tentou fazer com que um martelo pneumático alcançasse o carro branco e azul, sua mangueira pneumática se soltou. Riccardo não ajudou mais uma vez, esquecendo-se de manter os freios acionados durante a troca das rodas.
Depois desta tragicomédia de erros, quando o seu carro foi arrastado para trás e reparado, ele regressou ao que era então uma corrida muito diferente, tendo ficado parado durante 23,3 segundos.
Era a volta 33 das 60 programadas e Tambay havia assumido a liderança e construiu uma vantagem de 10,6 segundos. Pouco a pouco Patrese vai diminuindo a diferença. Na volta 47 a diferença era de mais de cinco segundos, e na volta 52 caiu para um segundo e meio, imaginem o clima de suspense para a torcida.
Certamente a Ferrari não iria perder tão perto fim!
Então, na 55ª volta, os gemidos de consternação dos tifosi foram audíveis enquanto o Brabham avançava na descida para Tosa. Despreocupadamente e quase colado na Ferrari, Patrese saiu da curva Tosa com uma pouca diferença.
Mas então, incrivelmente, apenas duas curvas depois ele corre para chegar na curva Acque Minerali, que desde as primeiras voltas, seções da superfície da pista mostravam sinais de ruptura devido ao forte calor e à passagem daqueles carros mais potentes, alguns pilotos já haviam deslizados além da conta na Acque Minerali. Naquele momento em que Patrese se aproximava impiedosamente de Tambay, as “bolas de gude” de borracha de pneus de outros carros grudaram e ele perdeu o controle de sua Brabham e saiu implacavelmente para a esquerda da pista, numa derrapagem que o levou por cima da grama antes de se chocar impotente contra a parede de pneus.
Foi um dos erros mais catastróficos dos últimos tempos, uma liderança desperdiçada, uma corrida perdida. A torcida italiana gritava e vibrava, parecia um grito de copa do mundo quando seu time favorito faz um gol no adversário, aqui no Brasil um incrédulo Galvão Bueno comentava: “eles estão vibrando contra um piloto italiano, isso é o espírito dos tifosis, não importa quem esteja pilotando, o importante é a máquina”
A partir daí até a volta 60 Patrick Tambay, continuou pilotando com mais cautela e cruzou a linha de chegada em primeiro lugar
Na época as imagens da televisão mostravam um Patrese inconformado e desanimado no meio dos tifosis, que pasmem estavam alegres e comemorando e o cumprimentavam pelo erro que possibilitou a vitória da Ferrari.
Não serviu de consolo para ele que Arnoux também tenha dado uma breve rodada naquela mesma volta em seu caminho para o terceiro lugar, atrás do Renault de Prost, Arnoux que havia perdido a quarta marcha e parte de sua potência, e teve uma performance indesejada.
Após a corrida Bernie Ecclestone comentou: “Isso apenas mostrou que a Ferrari é mais importante do que um piloto italiano”, enquanto a multidão vaiava e aplaudia Patrese em sua longa, embaraçosa e deprimente caminhada de volta aos boxes.
Bernie continuou: “Eu não disse nada a ele quando ele voltou. O que você vai dizer? Ele saiu da pista… Não faz sentido apontar algo óbvio para alguém. Ele já sabia o que tinha feito de errado. Ele não precisava que eu contasse a ele, precisava? Quero dizer, quando você agride alguém, você dá a ele uma chance; é melhor deixá-lo sozinho, não é?”
Imola 1983 era um peso que ficaria nas costas de Patrese durante anos: “Por perder a concentração, perdi a corrida”, suspirou, ainda arrependido, sete anos depois. “Porque, você sabe, o problema é que pensei que tinha vencido, antes de passar Tambay, relaxei por um momento, e porque havia todas aquelas bolas de gude de sobras de pneus naquele ponto da pista, só passei 10 centímetros fora da linha e o carro derrapou, e perdi o Grande Prêmio por causa disso, a partir daquele momento sempre tive um peso porque não consegui vencer em Ímola… “
Na verdade Patrese consegue retirar esse peso dos ombros ao vencer em Imola a edição de 1990a bordo da Williams FW14 na primeira versão do modelo que ficou conhecido como “carro de outro planeta”
Patrick Tambay, por outro lado, carregava um peso diferente porque podia vencer.
“Eu dirigi aquela corrida em um sonho”, admitiu. “Não sei se você acredita em metafísica ou algo assim, mas juro que não fui eu dirigindo aquele carro naquele dia. Parecia que Gilles estava lá comigo, como se estivesse fazendo o trabalho. havia faixas dizendo coisas como ‘Gilles e Patrick – dois corações, um número!’, mas eu sabia que eram para ele, não para mim. Eu estava apenas dirigindo o carro dele e, depois do que aconteceu no ano anterior, eu queria desesperadamente vencer este Grande Prêmio de Imola.”
Continuando sua fala Tambay lembrou as últimas 4 voltas: “Nos estágios finais da prova, depois que Patrese saiu e eu estava liderando com mais folga, e meu coração ainda estava na boca. eu estava pensando: ‘Por favor, não deixe isso parar agora!’, e fiquei tão aliviado quando recebi a bandeirada”.
Mas então ele parou completamente, sem combustível, na volta de desaceleração. A multidão simplesmente enlouqueceu, na verdade, Tambay foi retirado de seu carro pelos excitados e alucinados tifosis, e foi carregado em triunfo até que um carro oficial chegou para escoltá-lo em segurança de volta ao pódio.
Herbie Blash comentou: “Imola tem muita atmosfera, não é? a única coisa que sempre me vem à cabeça em Ímola é que era um circuito de Villeneuve, embora ele nunca tenha vencido lá.”
Se você der a volta, ainda hoje, sempre verá as fotos de Gilles, os tifosis e torcedores mundo afora o amavam.”
Este foi um dos triunfos mais emocionantes dos anos 80, quando a Ferrari acelerou sob a bandeira quadriculada e os tifosi explodiram, essa foi uma corrida para eles.
Quando foi trazido de volta à área da tribuna do pódio, Patrick Tambay voltou a ser ele mesmo, e lá, de uma forma respeitosa, dedicou a vitória a Gilles Villeneuve,
“À memória do carro número 27 que não venceu no ano passado”.
“Juro que não fui eu dirigindo aquele carro naquele dia. Parecia que Gilles estava lá comigo, tive essa sensação desde que vi a folha de Maple no grid”
Essa atitude após a corrida também demonstrou que Patrick Tambay sempre foi um homem de classe extraordinária.
Até próxima
Mário Salustiano
9 Comments
Demoraria mais 7 anos, mas Patrese teria sua desejada vitória em Imola.
Lindo texto!
olá Rubergil
obrigado pelo comentário e lembrança, já corrigi a informação, por coincidência ao pesquisar para essa coluna li uma entrevista de Patrese que ele concedeu no começo de 1990, antes dele vencer a etapa daquele ano
abraços
Mário
Excelente memória. A matéria ficou ótima.
valeu Edson
obrigado pelo comentário, e como sempre conversamos a memória ainda funciona bem..rsrs
abraços
Excelente memória. Ótimo texto.
Emocionante
olá Leandro
valeu pelo comentário, sempre bom ver tua participação por aqui
abraços
Mário
Mario,
a lembrança dessa corrida mostra muito bem o quão diferente era Formula 1 naqueles áureos tempos até mesmo nas arquibancadas. Ainda mais em se tratando dos Tifosis e Ferrari. A perda do Gilles Villenueve ainda era muito dolorosa nos corações deles. Em1982 a Ferrari teve tudo para ganhar o campeonato e não ganhou, e no ano seguinte com certeza a pressão deveria ser muito grande mesmo em cima do tambay e Arnoux …
show de bola
Fernando Marques
Niterói RJ
olá Fernando
como sempre o amigo traz ótimos e pertinentes comentários, sempre bom ter você por aqui
abraços
Mário