A Fórmula 1 e o Corinthians

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São muitos os paralelos entre esse futebol e a F1 de Bernie Ecclestone e da RBR.

Parabéns ao Corinthians pela conquista, ontem, do Campeonato Paulista. Foi merecida, foi justa.

A sequência de títulos do time nos últimos anos, a despeito do tropeço na quarta-feira passada na Copa Libertadores, coincide com uma gestão que parece ter compreendido a face mais moderna do esporte. Nos bastidores, big business, relacionamento político, marketing agressivo, licenciamento, contratos polpudos e cada vez mais complexos com jogadores, patrocinadores e emissoras de TV.

Em campo, um futebol físico e objetivo. Poucos gols, muita marcação, aplicação máxima de toda a equipe. O espetáculo dos dribles e jogadas individuais sacrificado em prol do chamado futebol de resultados: ganhar de um a zero é o bastante. Nos escritórios e gramados, o Corinthians é o time brasileiro que melhor assimilou as lições do futebol europeu, em especial da Espanha campeão de 2010.

São muitos os paralelos entre esse futebol e a Fórmula 1.

No plano negocial, vemos a mesma voracidade, a mesma práxis imposta pelo capitalismo contemporâneo, resumida na máxima “vendas e lucros crescentes”. É só o que importa, é só o que se busca. Nenhuma história, nenhuma tradição, nenhum valor moral, estético ou humano pode resistir a este rolo compressor dirigido por um psicopata homicida. Ai daqueles que atravessam o seu caminho.

Impossível não ver semelhanças entre as figuras dominantes nos respectivos esportes. Bernie Ecclestone, régulo da F1, Jérôme Valcke, o insidioso e melífluo preposto do sultão Joseph Blatter. Em escala menor, mas se preparando para um papel tão relevante na modernização do futebol brasileiro quanto Bernie teve na categoria, Andrés Sánchez, de quem se pode dizer que até a origem humilde o aproxima do inglês, o tino afilado para negócios e relações políticas, a determinação e o amoralismo cuidando do resto.

Ainda no campo dos negócios, mais um paralelo a aproximar a F1 e a Fifa, sendo modelo certo para o futebol brasileiro, talvez já nos próximos meses: a eliminação ou cooptação do ente regulador por aqueles que controlam o esporte. Aqui, há dois modelos possíveis: a subordinação abjeta da autoridade esportiva – caso da F1 em relação à Fia – ou a sua ocupação pelos novos donos do esporte – caso do futebol em relação à Fifa, transformando o que deveria ser um órgão de fomento e regulação em balcão de negócios.

No Brasil, esse parece ser o caminho buscado no momento, os times encabeçados por Andrés se articulando para varrer do mapa essa craca infecta chamada CBF, seja ocupando a sede da entidade, depois de escorraçar seus ocupantes atuais de preferência para algum presídio de segurança máxima, seja pela formação de uma liga independente, que reduza a CBF a um carimbador a soldo.

E nas pistas? O que aproxima o futebol e a F1?

Aqui, as características de cada esporte tornam os paralelos menos evidentes. Creio, porém, que a eficiência máxima dos engenheiros da F1 – a tal mecanização sobre a qual tenho falado – seja o pano de fundo a unir ambas as categorias.

Voltando ao caso do Corinthians, talvez a maior qualidade do time seja errar menos do que os adversários, jogo após jogo. Isso ficou muito claro nas finais contra o Santos Futebol Clube. O Corinthians, apesar de não ter feito jogos brilhantes, mostrou muito mais disciplina tática, aplicação, motivação e preparação que o seu adversário nas finais do campeonato. É, de certa forma, até indevido comparar os dois times: o Corinthians está no século XXI; o Santos, com seu anacrônico Muricy, no século passado, os esforços modernizadores apontados pelo presidente Luís Álvaro de Oliveira Ribeiro, parecendo ter se deteriorado nos últimos meses, junto com a saúde dele.

É essa aplicação tática e estratégica maximizada por preparação física e psicológica de ponta que anima o Corinthians, que vemos, guardadas as proporções, na RBR, da mesma maneira que vimos na Ferrari e a McLaren em ano anteriores. Engenheiros, técnicos e mecânicos mobilizados para desempenharem da melhor forma as suas competências, pilotos capazes de se desdobrarem em resistência sobre-humana em prol da equipe. A curva de conhecimento apontando sempre para o alto, tornando a reação dos adversários mais e mais difícil, tudo reproduzindo no plano técnico a mesma lógica das vendas e lucros crescentes.

O espaço para o gênio se reduz. Não tem feito falta um Neymar ao Corinthians, da mesma forma que um Messi à Espanha. Nisso, porém, o futebol se diferencia da F1. Certamente porque o carro precisa necessariamente ter um único piloto – por mais que ele esteja conectado à sua equipe -, o espaço para o extraordinário ainda é premiado: Sebastian Vettel, Fernando Alonso e Kimi Raikkonen são grandes pilotos não importa com quem venham a ser comparados. Não por coincidência, eles têm protagonizado a cena nos últimos anos.

Somos nós, torcedores, impotentes para lutar contra essa realidade. A maioria absoluta de nós simplesmente se rende a ela e entra, na medida do possível, na festa. Podemos, por exemplo, comprar uma camisa do clube, as marcas dos patrocinadores, porém, são parte integrante e não podem ser destacada.

No entanto, é importante saber que a mecanização do esporte leva necessariamente àquilo que se tem chamado, especialmente na F1, de “fim do espetáculo”.

De fato, estranho que os torcedores reclamem tão pouco do futebol econômico e estritamente racional de um Corinthians ou de uma Espanha. Na F1, a redução drástica das ultrapassagens provocou grita progressiva, mesmo sendo esta uma característica da categoria desde a sua fundação, até o ponto em que seus donos criarem a loteria pneumática dos últimos anos. Temo que este recurso logo vá se esgotar, contornado por engenheiros espertos ou repudiado pelo público, que pode muito bem voltar as costas para a F1, da mesma forma que fez em relação à Fórmula Indy.

Se isso acontecer em escala maior do que já acontece hoje, o big business certamente buscará novas regras para F1, demolindo fundamento a fundamento do automobilismo. Se tudo der errado, os proprietários da categoria deixarão o mico para algum incauto e partirão para outra, sem maiores considerações.

Um lamento final, de alguém que ainda remói tolamente a derrota de seu time, ontem, na Vila Belmiro: por que não foram lideranças de atitudes menos comprometidas quem comandaram esta renovação dos esportes? Por que não foram pessoas com um mínimo de compromisso com a honestidade, a sustentabilidade, o respeito humano, blá blá blá? Por que o esporte tem de ser tangido por gente que teríamos vergonha de levar às nossas casas?

A única explicação que me ocorre foi formulada muito tempo atrás pelo poeta William Butler Yeats: “aos bons falta convicção, enquanto que os maus estão cheios de fé e entusiasmo”.

Boa semana a todos

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

4 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    O esporte em geral virou um grande negocio … vejam que as Olimpíadas há tempos deixou de ser disputada por atletas amadores …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Caros Edu e Manuel, compartilho de vossos sentimentos. Mas isso não acontece apenas no esporte, e sim em todo empreendimento que busca lucros numa escala impossível de ser atingida sem comprometimentos, pelo simples fato de que interesses e gostos divergem entre as pessoas. Quando o faturamento passa pelo objetivo impossível de agradar a todos, a realidade deixa de ser boa o bastante, e o espetáculo torna-se apenas “baseado em fatos reais.” E, nesses casos, quem pagará a conta será sempre o espectador fiel, pois este, mesmo com a profanação de seu cânone, ainda continuará prestigiando (consumindo?) o espetáculo.
    Soluções? Duas, talvez. 1) O abandono irrestrito ao que se tornou artificial, atacando o bolso de quem só é sensível a esse tipo de linguagem; ou 2) trabalhar na formação de uma base maior de apreciadores críticos, atentos ao que de fato importa no esporte, para além de vazios apelos nacionalistas.
    Acho que, na medida do possível, o GPtotal vem fazendo sua parte nesse segundo caminho.
    Abs!

    • Carlos Chiesa disse:

      Mais uma vez, que colunistas!
      Você tocou em um ponto complexo, Edu. Um problema que tem muitos angulos. Talvez o debate (embora veja convergencia de opiniões) deva ser estendido a outras colunas.

  3. Manuel disse:

    Querido Edu, belo texto… novamente !

    A resposta a seus “porque” certamente nao é facil, ainda que a cita de Butler Yeats me parece bastante apropriada.

    Nós, os torcedores, somos os únicos que poderíamos lutar contra essa realidade tao bem descrita em seu texto mas… nos falta convicçao e vontade.

    Assim, nao posso deixar de pensar que, no fundo, temos o que merecemos pois, no fim das contas, “engolimos tudo o que se nos enfia na boca ” e, se o negócio funciona bem assim… para que mudar ?

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