A Jaqueta

Tu vens
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Sorocaba, SP, qualquer mês frio de 2004. Acabava de estacionar na garagem, voltando da faculdade. Fui até a cozinha quando meu falecido pai falou algo como “acenda a luz lá de fora e veja o que está secando no varal”.
Era ela. Inacreditável.

Volta um ano no tempo, bora pra 2003. Caminhava com meu pai próximo da minha casa, na zona leste. Vimos um cara qualquer ao longe, esprememos o olho e estava escrito “Copersucar” na jaqueta dele.

Nossa reação foi até caricata. Um virou pro outro, incrédulos, mudos e olhos arregalados. Quando conseguimos finalmente falar alguma coisa, saiu um “uau, essa nunca mais vamos ver”.

E não é que vimos de novo, no ano seguinte? Quer dizer, meu pai viu. Em mais uma andança, viu que o dono da jaqueta era um guardador de carros da Santa Casa de Sorocaba, daqueles em situação meio precária, vivendo de bico e passando frio. Não teve dúvidas: foi rapidamente pra casa, pegou duas jaquetas mais pesadas de inverno (que não dávamos a mínima bola), voltou e fez um “rolo” com o cara, que de seu modo saiu feliz…

Já o meu nível de felicidade…

Lá no varal, secando após cuidadosa lavagem, estava uma jaqueta original da Equipe Copersucar Fittipaldi de F1!

E em muito bom estado! Virei a internet procurando dados. Hoje há mais informação, mas na época era algo alienígena perante o mundo online. Raras eram as fotos de época e buscas no Google com o termo “jaqueta Copersucar” eram infrutíferas.

Através do CGC (antiga nominação do CNPJ) costurado numa etiqueta interna, porém, confirmamos a autenticidade. O número de registro batia com o nome da fabricante, escrito na etiqueta principal. Era uma confecção paranaense chamada Manchester, fundada em 1973 e há muito sem atividade.

Toda em off-white sintético, com persponto nos ombros e com releitura da gola estilo bomber, segue o mesmo desenho do macacão usado em 1975 e 1976 por Wilson Fittipaldi Junior, Emerson Fittipaldi e Ingo Hoffmann: o Colibri colorido que contorna uma das mangas e vai até as costas, onde está o nome Copersucar.

Uma raridade dessas, claro, só se usa em ocasiões especiais. No fim de 2008, estive no paddock de Interlagos na etapa final do campeonato de GT3. Eu precisava entrevistar o Emerson para uma pauta especial. No primeiro dia por lá, sexta-feira, eu era um anônimo qualquer, não consegui conversar com o homem, não tinha acesso a lugar algum. Pois no sábado, resolvi apelar. Fui com a jaqueta.

De um dia pro outro, passei de homem-sem-sombra para atração naquele paddock. Nem se eu tivesse um passe VIP Platinum-Ultra-Super-Duper-Extra-Large eu teria mais acesso a tudo e a todos naquele fim de semana. Mecânicos me empurravam para dentro dos boxes das equipes, só pra mostrarem “a jaqueta do açucareiro” para as pessoas. Só faltou me permitirem andar de cueca no meio da pista…

Consegui mostrar a relíquia para o Wilson Fittipaldi Junior, que estava lá naquele fim de semana. Caramba, que momento. Tive a tremenda satisfação de vê-lo abrir um sorriso imenso toda vez que passava por mim. Falei da importância da equipe e que sempre haveria gente para preservar a memória de toda aquela empreitada.

Consegui, enfim, falar com um assediadíssimo Emerson no fim da tarde do sábado, mas ele já estava de saída.
Na ocasião, ele me perguntou se queria que assinasse a jaqueta. Eu não tinha caneta para tecido, estava com medo do desastre. Mas fiquei com a promessa meia-hora na manhã do domingo. E assim aconteceu, a entrevista foi muito bem sucedida. Voltando para casa no domingo, eu só pensava “missão dada, missão cumprida”.

Entretanto, ainda faltava assinar…

Em 2014 veio a oportunidade. Em novembro, o Emerson apareceu no Iguatemi de Sorocaba para divulgar as 6H de São Paulo, etapa da WEC que ele estava promovendo. Fui como imprensa, representando o GPTotal, site que nasceu em 2001 e que colaboro como colunista e editor desde 2008. Na pauta, o desafio era fazer com que Emerson fosse além do “não” quando alguém perguntasse se ele, além de promover, também iria correr em Interlagos.

Claro que nesta nova oportunidade de encontrá-lo eu tinha que ir com a jaqueta, mesmo com um sol de Cuiabá. Ao entrarmos no shopping, um ar-condicionado ardido felizmente me permitiu usar a relíquia sem passar calor. Emerson chegou para o evento (11h), pegou um café (tinha uma mesa para os jornalistas e convidados). Conversou rapidamente com os assessores e tirou foto ao lado da maquete em tamanho natural do Porsche 919, carro que viria a ser campeão de Le Mans anos depois.

Quando Emerson aprontou-se para começar a coletiva, ELE caminhou na minha direção (e não o contrário, pois eu estava parado, meio distraído), apertou meu braço com uma mão, e estendeu a outra pra me cumprimentar, abrindo um surpreendente sorriso. Eu, claro, fiquei bastante atônito. Eu definitivamente não esperava aquilo.

– Este casaco eu conheço. Esse é bonito.

Fui, portanto, o primeiro a ser cumprimentado pelo homem! Depois de passar por mim, ele assinou umas camisetas e miniaturas, e em seguida, finalmente colocou sua assinatura na jaqueta, momento que foi devidamente registrado.

De quebra, consegui do Emerson em primeira mão a confissão que ele queria correr. A ideia era compartilhar um carro com o neto Pietro, mas a superlicença não saiu a tempo. Mas ele acabou correndo, com uma Ferrari laranja da AF Corse. Eu estive em Interlagos para ver esse momento…

Pula agora para abril de 2019. Exatamente um ano atrás, meu irmão Márcio Madeira conseguiu promover uma visita, junto dos meus amigos de GPTotal, ao escritório do Emerson em São Paulo. Para a ocasião, fiz um enorme pôster em mosaico, para comemorar seus 50 anos de carreira internacional. Peguei mais de mil fotos da carreira do Emerson e todas elas formam a Patrick-Penske na vitória de 1989 em Indianápolis, que também tinha sua milestone própria: completava 30 anos.

O encontro acabou sendo estendido para um almoço na casa do meu amigão Mário Salustiano. Emerson tinha outros compromissos, mas levamos conosco para o rango um convidado pra lá de especial: Alex Dias Ribeiro.
Não custa lembrar que o Alex, o homem que fez milagre no GP de Nürburgring de F2 de 1978, também foi piloto Copersucar. Nas duas últimas corridas de 1979, ele compartilhou a equipe com o Emerson. Depois de um delicioso almoço, a já conhecida jaqueta ganhou mais um autógrafo…

Próximo objetivo? Assim que a pandemia passar, acho que preciso fazer uma visitinha a um tal de Tigrão…

Abraços a todos os amigos,

Lucas Giavoni

[Texto publicado originalmente em 02/05/2020 no Grupo de Facebook Copersucar Fittipaldi. A repercussão do texto foi muito positiva, chegando inclusive ao Wilsinho, que gostou bastante]

P.S.: Agradecimento especial ao Roberto Hackmann, grande amigo que me encorajou a escrever o texto.

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

6 Comments

  1. Tomás Muricy disse:

    Que história fantástica, imagino a sua emoção com o Emerson e anos mais tarde o Alex Dias assinando a sua Jaqueta, e que jaqueta.

  2. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    morando aqui em Niterói RJ eu jamais teria tido a sua sorte … mas morando em São Paulo, apesar da grandeza da metrópole, as chances aumentam consideravelmente …
    vou contar uma historinha rápida … tenho um primo e erámos vizinhos nos anos 70 … o avô materno dele, morava e trabalhava em São Paulo … não sei como falaram pra ele que eu adorava a Formula 1 e obviamente que era fã do Rato … pois bem numa destas vindas deste avô a Niterói ele trouxe de presente pra mim um poster do Emerson devidamente autografado … fiquei muito feliz … e o poster ficou pendurado na porta do armário de meu quarto por muitos anos … acho que até eu casar e sair de casa … dei mole e não guardei o mimo como deveria … ele o poster se perdeu …

    Guarde estes momentos com carinho e parabens por ter compartilhado a historia conosco …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. Muito feliz ter feito parte um pouco dessa história sensacional! Parabéns Lucas, você merece!

  4. Leandro disse:

    Sem palavras. Boa sorte na próxima missão!

  5. Rubergil Jr. disse:

    Maravilhoso, tanto o texto como a Jaqueta e as histórias envolvidas.

  6. wladimir disse:

    Lucas, o “Indiana Jones” do automobilismo brasileiro! Só faltou uma compilação das charges sobre a escuderia brasileira. Apesar de depreciativas também fazem parte da história. Assisti um vídeo com o saudoso Chico Anysio comentando a copa do mundo de 1978 e fazendo troça: “prometeram dar um Copersucar de presente para cada jogador.”.

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