A jornada do herói

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2014 chegou ao fim com o merecedíssimo título de Lewis Hamilton.

E no fim deu a lógica. Ao cabo de uma temporada na qual teve apenas um rival efetivo, Lewis Hamilton fez valer seu talento para, seis anos depois do thriller caótico de Interlagos em 2008, superar Nico Rosberg e conquistar seu aguardado e merecido segundo título mundial. Com o feito, Lewis passa a fazer parte do seletíssimo grupo de pilotos que conseguiram vencer campeonatos por ao menos duas equipes diferentes. Junto a ele, apenas os genais Fangio, Brabham, Graham Hill, Emerson, Lauda, Piquet, Prost e Schumacher.

Importante destacar também o amadurecimento de Hamilton, devidamente evidenciado pelo fato de ter alcançado o título com uma vitória – a 11ª no ano, e a 33ª na carreira. Para quem se lembra da forma como a pressão havia afetado sua pilotagem nas corridas finais de 2007 e 2008, a serenidade na reta final da disputa não deixa de representar uma grande vitória pessoal.

Da mesma forma, há que se destacar a maneira como Nico Rosberg valorizou a conquista do companheiro de equipe, e trabalhou duro para garantir um mínimo de emoção e suspense até a última corrida do ano. De modo curioso, o alemão saiu-se pelo segundo ano consecutivo melhor do que Hamilton nas qualificações, superando o rival justamente naquele que até então era seu ponto mais forte. A julgar somente pelos anos de Mercedes, vejam só, Lewis Hamilton teria de ser visto como um piloto ascendente – algo completamente impensável apenas dois anos atrás, e que sugere um certo desgaste da alcunha de “piloto mais rápido do grid atual”.

Igualmente louvável foi a postura final de Rosberg, negando-se a encostar o carro nas voltas finais, mesmo quando não havia mais nada a ser ganho e as condições de dirigibilidade eram as piores possíveis. Em essência, e respeitando-se o distanciamento das condições, Nico mostrou ali o mesmo espírito que moveu a suíça Gabrielle Andersen nos inesquecíveis metros finais da maratona feminina nos jogos olímpicos de 1984, em Los Angeles.

Nico Rosberg e Lewis Hamilton foram os dois primeiros campeões da GP2, em 2005 e 2006, respectivamente. Observe que foram necessárias dez temporadas até que dois pilotos vindos da categoria de base protagonizassem a briga por um título na categoria principal. A conquista de Hamilton, aliás, foi a segunda ao mais alto nível de um piloto que tenha passado pela GP2. A anterior, claro, foi assinada pelo mesmo Hamilton, em 2008.

Já faz algum tempo que a GP2 tem sofrido para conseguir simplesmente encaixar seu campeão na F1 na temporada seguinte, e se até hoje apenas um piloto da categoria chegou a dominar o esporte, o que esperar das chances de Felipe Nasr a médio prazo?

Sendo realista, os prognósticos não são nada animadores. Nasr passou três longas temporadas na GP2, sem jamais repetir por lá o grande sucesso das categorias inferiores. Este ano, na reta final ele ainda acabou perdendo o vice-campeonato, e só fez o salto ao degrau seguinte graças aos poderosos interesses que representa.

É verdade que ele continua a ser a maior esperança nacional por um futuro na F1 pós-Felipe Massa, mas temos visto muitos casos nos últimos anos de pilotos talentosos que conseguiram vaga em equipes pequenas graças ao suporte financeiro que apresentaram e, na maioria das vezes, nem sequer tiveram a chance de correr por mais de um ano.

Espero estar errado, mas acredito que, hoje, Nasr seja visto muito mais como um bom negócio do que como um futuro campeão mundial.

A largada foi fundamental para os rumos do GP.

Se tivesse feito a 1ª curva na liderança, restava a Nico a esperança de fazer valer a mesma estratégia tentada por Jorge Lorenzo na decisão da MotoGP em 2013, na pista de Valência: liderar, andando o mais devagar possível. É bem verdade que qualquer toque entre os pilotos da Mercedes daria o título a Hamilton, mas ainda assim era essa a melhor aposta do filho de Keke para evitar que o companheiro tivesse vida fácil na segunda posição.

Sendo superado no arranque inicial, no entanto, Nico tinha as chances praticamente reduzidas a uma eventual pane mecânica no carro do rival. Afinal, ainda que ele conseguisse alcançar Hamilton, e mesmo que conseguisse uma ultrapassagem limpa, sabendo que o rival jamais cederia um centímetro que fosse para evitar uma batida, a essa altura os dois já estariam quilômetros à frente de qualquer um que pudesse ter ambições de se colocar entre os dois.

Toda essa teoria, no entanto, teve em Abu Dhabi uma feliz exceção. Após dez voltas de perseguição franca entre as Mercedes, Felipe Massa ainda aparecia a apenas cinco segundos dos líderes e convertia-se num fator a ser considerado. Principalmente porque, naquele momento, ele começava a virar mais rápido que todos os demais. Foi o desempenho do brasileiro, por exemplo, que levou a Mercedes a antecipar as primeiras paradas de seus pilotos.

É muito simbólico, aliás, que Felipe Massa tenha brigado com Lewis Hamilton pela vitória nos Emirados Árabes. Afinal, desde aquele fim de semana chuvoso em Interlagos seis anos atrás, tanto ele quanto Hamilton embarcaram em viagens pessoais – de escalas bastante diferentes, é verdade – que emularam a chamada “jornada do herói” e tiveram a propriedade de ensinar a ambos, através de uma sucessão de frustrações, o real valor de um título mundial, uma vitória, um pódio.

Felipe fez em Abu Dhabi – esse arremedo de circuito, encravado no espaço que lhe sobrou num dos complexos mais espetaculares do mundo – provavelmente sua melhor exibição na F1 desde que teve a própria vida ameaçada pela mola que o golpeou na Hungria, em 2009.

Ao fim da corrida, Massa afirmou ter acreditado que iria vencer a corrida, até os pneus perderem aderência a quatro voltas do fim. Mas, afinal, ele teve realmente chances de vencer essa corrida?

Não. Felipe andou muito bem, entregou volta após volta num ritmo forte e sustentável, poupando muito bem pneus e combustível, mas só chegou tão perto porque Hamilton administrou o ritmo, principalmente no período da corrida que se passou entre o princípio da pane no carro de Rosberg, e o tempo necessário para o rival cair para além da sexta posição, tirando dos ombros de Hamilton a necessidade de completar a corrida.

Sim. Ao se tornar a terceira força na reta final do campeonato, Massa e a Williams se colocaram na mesma posição que rendeu três vitórias a Ricciardo ao longo do ano. Caso o problema mecânico de Rosberg tivesse surgido um pouco depois, ou tivesse sido solucionado em algum momento, Felipe teria se tornado o favorito à vitória.
As duas respostas estão corretas.

O pit stop a 11 voltas do fim custou a vitória ao brasileiro?

Difícil dizer ao certo, uma vez que é impossível prever a curva de desgaste a que os pneus estariam sujeitos. No momento em que parou, Felipe perdia cerca de um segundo por volta, e Hamilton já não precisava completar a prova para ser campeão. Provavelmente iria alcançar Felipe, com grandes chances de ultrapassagem.

Ainda assim permanecer na pista poderia ser uma boa aposta, mas é igualmente verdade que na sequência de voltas mais rápidas durante a perseguição a Hamilton o brasileiro baixou o ritmo em aproximadamente 2 segundos por volta, que, multiplicados pelas 11 passagens restantes, representam tempo muito próximo àquele gasto numa incursão aos boxes.

Por mais apertada que tenha sido a decisão, é provável que a troca não tenha afetado o resultado.

No fim das contas, acabou sendo um grande alívio que a aberrante pontuação dobrada não tenha acrescentado um eterno asterisco ao resultado deste ano. Da mesma forma, é reconfortante que Hamilton já estivesse à frente quando a Mercedes de Rosberg abriu o bico.

No frigir dos ovos, é sempre melhor que as coisas se resolvam na pista.

Nas posições inferiores, no entanto, houve sim pequenas alterações. Conforme a pontuação normal, Magnussen teria somando mais pontos do que Pérez e Räikkönen. Já com a pontuação dobrada ele ficou a quatro tentos do mexicano e empatou com o finlandês, ainda que tenha ficado à frente deste pelos critérios de desempate.

A quem interessar possa: eis a classificação do mundial, sem o artifício da pontuação dupla: Hamilton – 359, Rosberg – 316, Ricciardo – 226, Bottas – 171, Vettel – 163, Alonso – 159, Massa – 116, Button – 116, Hülkenberg – 88, Magnussen – 55, Räikkönen – 54 e Pérez – 53.

No início do ano, eu afirmei aqui mesmo que nada que acontecesse na pista este ano seria tão importante quanto o desenrolar da batalha silenciosa de Michael Schumacher por retomar sua vida plenamente.

É muito triste agora olhar para trás e ver que essa luta continua longe do final que gostaríamos, e que minhas declarações também estavam erradas. O ocorrido com Bianchi, afinal, foi tão importante quanto, da mesma forma como a morte trágica do mito Andrea de Cesaris.

Esperemos que em 2015 nossa paixão possa ser muito menos testada do que foi – e tem sido – este ano.

Uma ótima semana a todos.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

6 Comments

  1. Rodolfo César disse:

    O ano que marcou um carro dominante na F1. Olhando para os números, Hamilton em uma temporada apenas conquistou 1/3 de suas vitórias até o momento, é impressionante! E Hamilton não tem uma carreira curta, já são 8 temporadas no grande circo.

    Apesar de dominante, um dos recordes que esse carro não bateu foi o de voltas lideradas… No inicio da temporada eu imaginava (ingenuamente) que a Mercedes superaria todos os recordes, mas não ocorreu. O MP4/4 continua sendo o único carro a superar a marca das 1.000 voltas lideradas, o modelo de 1988 foi realmente impressionante.

    Abraços!

  2. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    o grande salto da Willians foi no menor desgaste dos pneus … o que comprova que eles conseguiram um bom equilibrio no conjunto …

    Não vejo problemas para a equipe com a saida do Banco do Brasil. O desempenho deste ano deve atrair novos parceiros com certeza …

    Fernando Marques

  3. Lucas dos Santos disse:

    Uma pequena análise sobre o desempenho da Williams esse ano – depois eu comento sobre o campeonato como um todo.

    A Williams só foi superada pela Red Bull no campeonato de construtores porque esta começou a temporada em melhor forma. A partir de Monza, a Williams cresceu e o cenário ficou mais equilibrado.

    Nas primeiras doze corridas foram 150 pontos da equipe inglesa contra 254(!) da equipe austríaca. Isso significa uma eficiência de 12,5 pontos por corrida para Williams contra 21,2 pontos por corrida para a Red Bull.

    Da Itália a Abu Dhabi, a equipe marcou 170 pontos contra 151 da segunda colocada. Isso daria uma média de 24,3 pontos por corrida para a Williams contra 21,6 pontos para a Red Bull nas últimas sete corridas. O fato, porém, da corrida de Abu Dhabi ter pontuação dobrada, acaba dificultando esse tipo de conta. Para deixar as médias mais justas, poderíamos considerar Abu Dhabi como sendo duas corridas, o que resultaria numa média de 21,3 contra 18,9. Se desconsiderássemos totalmente a pontuação dobrada no final, ficaria 19,6 contra 19,3. Não havendo pontuação dobrada, seriam 137 pontos da equipe de Grove contra 135 da equipe de Milton Keynes nesse período.

    Analisando esses números friamente, podemos concluir que a eficiência da Williams, nas sete últimas corridas, se equiparou à da Red Bull. Tivesse a equipe apresentado essa eficiência desde o começo da temporada, poderia ter lutado pela segunda colocação no campeonato. Parece que na próxima temporada o regulamento técnico não deve mudar de forma muito expressiva, o que significa que poderemos ter uma Williams competitiva e com resultados bastante consistentes. Resta saber o quanto a perda do patrocínio do Banco do Brasil, em consequência da saída de Felipe Nasr, deverá impactar o orçamento da equipe para o ano que vem. Quero acreditar que a Martini dará conta do recado.

  4. Fernando Marques disse:

    Vamos esperar como o Felipe Nasr vai andar na Sauber … aí sim saberemos se o futuro dele na Formula 1 poderá ser longo …

    Fernando Marques

  5. Fernando Marques disse:

    MArcio,

    parabéns pelo texto …
    Face a pontuação dobrada em Abu Dhabi, muitas foram as hipóteses de como deveriam-se comportar o Hamilton e o Rosberg na pista. Foram vários os comentários no decorrer da semana até segundos antes da largada.
    Só que ninguém previu a possibilidade do Rosberg largar mal e ali a poucos metros da 1ª curva o campeonato estar decidido a favor do Hamilton. Ninguém imaginou esta narrativa.
    Hamilton foi realmente melhor e mereceu o titulo.
    O Rosberg, para mim, estava sob suspeita após os “erros” de Monaco, Spa e Monza. Para mim ele deu uma de Dick Vigarista. Só que a conduta esportiva dele em Abu Dhabi a meu ver muda toda esta impressão. Principalmente por ele ter ido até o fim com um carro cheio de problemas e ao fim reconhecer publicamente a superioridade do Hamilton na temporada. Foi um comportamento digno de um campeão. Ele foi humilde.
    A pilotagem de Felipe Massa no Brasil e Abu Dhabi foram as melhores dele pós acidente Hungria. Lembrou seus tempos áureos na Ferrari (2007 e 2008). Fica uma esperança para que em 2015 o Brasil volte a vencer ao menos na Formula 1.
    Quanto ao Schumacher fica a minha torcida para que ele sobreviva ao menos de forma digna. Vale o mesmo para o J. Bianchi.

    No mais agora nos resta esperar pela temporada de 2015 para sabermos como vai ser o Vettel na Ferrari, Alonso na Mclaren, se as Mercedes serão as dominantes ou se terá uma sombra forte das Willians … e se teremos ainda o Jason Button no circo …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  6. Mauro Santana disse:

    Belo Texto Márcio, Parabéns!!!

    E parabéns ao Hamilton, fez por merecer, mostrou estar muito mais maduro e com a cabeça no lugar.

    Também gostaria de parabenizar o Rosberg por saber perder com dignidade, pois assim tem que ser o esporte, e na vida também, ter humildade para reconhecer as derrotas e as vitórias.

    E parabéns a Williams, Massa e Bottas, pois fizeram grandes provas e tomara que em 2015 esse trio possa vir ainda mais forte.

    Abraço!!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

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