A LARGADA DE ALONSO VALEU O GP

NÃO AQUI, MAS NA CHINA
10/03/2004
WITH A LITTLE HELP FROM OUR FRIENDS
15/03/2004

Meu videocassete voltou a funcionar, de forma que pude ver e rever a largada do GP da Austrália. E, digam o que quiserem, mas a largada de Fernando Alonso valeu o GP.

Rememorando: apagadas as luzes vermelhas, Alonso, largando atrás de Montoya, ameaça por um breve momento jogar seu Renault por dentro. O colombiano – é possível ver isso com perfeição a partir da câmara on board – mantém seu Williams em linha ligeiramente convergente em direção ao centro da pista, numa manobra defensiva e sem mostrar qualquer preocupação em alcançar a liderança da prova.

Alonso como que adivinha a manobra ou, talvez, aquilo fosse apenas uma isca e então joga o Renault todo para a esquerda. Nesta altura, já devia estar a bem mais de 100 km/h, colocando as duas rodas na grama e mal balançando apesar da inimaginável diferença de tração a que sujeitou seu pobre carro.

Montoya ainda tentou cortar-lhe a frente tão logo notou a manobra, torcendo o volante do Williams para a esquerda. Não foi rápido o bastante.

Alonso, nesta altura, deveria estar feliz em escapar inteiro de manobra tão ousada mas não – ah! a audácia dos verdadeiros pilotos. Era preciso agora concluir a humilhação sobre Montoya, um dos seus dois maiores rivais nos próximos dez anos de Fórmula 1. Deve ter dito entre dentes: “não tenho medo de você, seu colombiano babaca!”

Como arrojo, lança seu carro sobre o de Montoya, cruzando a pista praticamente inteira, da esquerda para a direita, espremendo Montoya na corrida, no campeonato e, quem sabe, na carreira.

Acontece que Montoya não estava ainda pronto para jogar a toalha e tinha a lhe empurrar um motorzinho BMW mais ou menos, de forma que quase consegue, com coragem e potência, recuperar a posição. Mas ficou emparedado por Alonso tempo demais na parte interna da pista, a pior possível para a tomada da Curva Um e o colombiano simplesmente perde o ponto de freada e tangência, tendo de recorrer à grama para segurar o Williams.

Já Alonso, como toque final de mestre à sua manobra, antecipa o momento exato de cortar a pressão sobre Montoya e retomar a trajetória ideal para a curva, voltando para a esquerda, conseguindo de quebra abortar qualquer tentativa como a de Trulli, por exemplo, de tomar-lhe a frente.

Brilhante, corajoso, impecável! Valeu o GP.

Se houvesse justiça na vida, Alonso ganharia um Ferrari e mediria forças com Schumacher, em uma disputa eletrizante.

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Belo, muito belo, ver os pilotos entrando juntos na Curva Um sem se tocar e lutando para ganhar posições. Trulli, por exemplo, promoveu alguns pequenos milagres para segurar seu Renault naquele espaço exíguo, atulhado de carros e pilotos ferozes.

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E mais uma observaçãozinha sobre a largada, gentileza do meu videocassete: Rubinho foi o primeiro a movimentar seu carro em todo o grid após a largada, dando a impressão de que iria jantar Schumacher. Depois, como que hesita por um momento, permitindo ao alemão ganhar velocidade e chegar à curva na frente.

Será que o nosso garoto deu uma aliviadinha de nada, o exato necessário para livrar a cara de Schumacher e a dele próprio? Sim, porque mais tarde seria ultrapassado ou teria de dar passagem para o primeiro piloto da equipe.

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E, a despeito do fim do controle automático de largada, não vimos pneus fumegantes na Austrália.

M…

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Panda, Ico e os leitores foram bastante benevolentes com a corrida de Felipe Massa.

Não se nega aqui que ele tenha feito uma corrida agressiva, insinuando-se no pelotão da frente nas primeiras voltas mas todo e qualquer elogio decorrente da sua valentia cai por terra diante dos pobres resultados conseguidos por ele: basicamente duas saídas de pista e uma rodada, em todos os casos, se é que a TV não nos pregou peças (ou não deixou de mostrar outras escapadas), quando andava sozinho. E não me venham falar da ultrapassagem sobre Raikonnen porque o motor Mercedes já havia entregado a alma naquela altura.

Não é assim que se faz, não, Massa, muito menos numa equipe que já o botou para fora sem maiores considerações exatamente por comportamento como este.

Ninguém quer aqui que você se conforme em correr em 14o lugar como fez Fisichella mas de nada adianta forçar o carro além do possível e faze-lo rodar na pista. É preciso ousar, sim, mas sem errar. Veja o exemplo de Alonso. Ousar apenas para cair em erro é flertar com o ridículo e perder conceito aos olhos do mundo. O jornalista Mike Lawrence sentenciou, impiedoso: “Massa ainda pilota com muita raiva e a raiva não é um bom modo de ser rápido”.

Outra observação sobre o brasileiro: seu carro, pelo menos no começo da prova, era o mais rápido no final da reta. Será que ele não se sentiu tentado a tirar apoio aerodinâmico demais do carro, forma fácil de ganhar velocidade, e exagerou na dose, tendo por isso tantos problemas nas curvas?

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Ah, a capacidade dos dirigentes esportivos de fazer bobagens!

Além da tentativa de matar a sexta-feira e aplainar caminho para as vinte corridas por ano, quais teriam sido os motivos de Bernie & Cia para adotar um caminho tão esdrúxulo, idiota mesmo, para os treinos de sábado?

Teriam sido maquinações envolvendo milhões de dólares? Ou uma forma maquiavélica de reequilibrar a competitividade entre as equipes? Ou ainda uma forma genial porém obscura de multiplicar a audiência das emissoras de TV?

Sei não. Ficamos aqui urdindo tramas complexas e nos esquecemos daquela Verdade Lapidar proclamada por Dilbert, o personagem de HQs: “Os piores são promovidos à chefes”.

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Duas notas publicados pelos amigo do grandepremio.com.br nos últimos dias e que merecem destaque:

1 – do diretor do GP da Austrália, Ron Walker, comentando declarações de Bernie Ecclestone sobre a não renovação do contrato de Melbourne como sede do GP.

“Meu querido amigo, que eu amo prestimosamente, que enche minha vida de alegria. Depois de 20 anos de negociação com Bernie, vejo que as coisas constantemente mudam. Nesta manhã, às 10 horas, encontramos duas caixinhas de cigarro no chão e a corrida foi cancelada. Agora está de volta de novo. Então ele queria US$ 40 milhões para a corrida do próximo ano porque ele tem uma oferta melhor de um circuito da Patagônia. Tudo faz parte do jogo”.

2 – David Coulthard não acredita mais que possa deixar a McLaren com um títulomundial. “O carro não é rápido o bastante”, declarou o escocês.

Os leitores fiquem, então, confortados: o bom David conformou-se.

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Depois de carros iguais, temos estratégias iguais de corrida, algo que eu havia intuído antes do início do campeonato do ano passado. As duplas da Ferrari, Williams, Renault e Bar seguiram estratégias de corrida idênticas. Apenas a McLaren, com resultados latrinários, arriscou-se em duas paradas.

E este é mais um motivo de chatice da Fórmula 1 atual…

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Será que Ralf Schumacher e seu empresário Willi Weber acham que vão dobrar Frank Williams e força-lo a desembolsar sei lá quantos milhões de dólares de salário com esta cascata de Toyota e Renault?

Bom final de semana a todos (EC)

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

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