A partir de 2014, os motores "turbo" retornam à Fórmula 1. Mas será que de fato havreá algum resquício daquela maravilhosa fase dos anos 70 e 80?
Nem bem chegamos à metade do campeonato e vou aqui antecipar algumas linhas de 2014. Ansiedade? Não, esta não seria esta a palavra correta. É mais uma precaução mesmo. Teremos mudanças, e a criação de naturais expectativas. Deste modo, é melhor refletirmos a respeito do que vamos encarar mais para frente, para entendermos os cenários futuros e para nos livrarmos de possíveis mal-entendidos. Esclarecer é sempre bom.
A partir da próxima temporada, mudam as regras de construção de motores. Teremos de volta os propulsores turbo. Muitos então se questionam se teremos uma nova Era Turbo na F1, como aconteceu entre o fim dos anos 70 e fim dos 80, em que tivemos uma incrível geração de pilotos, GPs de tirar o fôlego e uma corrida à potência jamais vista na história do esporte. Seguindo minha proposição metodológica de separar a F1 em sete eras, será que após a vigente Era dos Pneus teremos a Nova Era Turbo?
Para quem acompanha meus textos, sabe da minha enorme simpatia pela Era Turbo – simplesmente meu período favorito. A palavra ‘turbo’ parece trazer uma aura mágica, que remete imediatamente à ‘potência’. O regresso da Honda como fornecedora de motores em 2015, justamente para a McLaren, só coloca um tempero a mais neste ar nostálgico. E tem mais: motores turbo, que agora serão de 1,6L, aumentam a eficiência energética e são menos poluentes, sendo, portanto, mais econômicos e amigáveis. A palavradownsizing está em voga.
Pois bem: se inspirar em um período que certamente foi dos mais notórios da F1 não soa nada mal, né? Mas temos que considerar o cenário atual e perceber que, se quisermos apreciar este novo período de propulsores turbocomprimidos, temos que saber o que essas mudanças realmente significam para a F1.
Vale lembrar: no período entre 1977 e 1988, tivemos dez construtores diferentes de motor turbo: Renault, Hart, Ferrari, BMW, Alfa Romeo, TAG Porsche, Honda, Zakspeed, Motori Moderni e Ford. Alguns eram 4 em linha, outros V6 e até V8. E daqueles que usavam configuração em V, encontrávamos diversos ângulos de bancada. Cada um com diâmetro e curso diferente, válvulas diferentes, sistema de gerenciamento, materiais etc. Era o livre pensamento de como arrancar potência de um bloco de 1,5L.
Para 2014, motores de Ferrari, Mercedes e Renault (e futuramente Honda) – sim, serão apenas quatro fornecedores – terão que ser necessariamente V6. Ângulo de bancada, altura de virabrequim, tamanho e quantidade de válvulas (que não poderão ter tempo variável), diâmetro e curso dos pistões e material de produção dos componentes são todos pré-determinados. Até o regime do motor é limitado (15 mil rpm). A liberdade de criação é mínima, para não dizer nula.
Não haverá diversidade de engenharias. Não se chega ao ponto de só mudar o nome na tampa do motor, mas cada uma vai fazer seu motor seguindo uma mesma receita de bolo, assim como com os atuais V8 2,4L aspirados, que são equalizados para não serem diferencial de desempenho entre os carros. A Nascar usa recurso parecido para seus motores.
Os novos propulsores serão, como já é de se supor, voltados para a durabilidade. O peso de cada unidade aumentou (agora serão 155 kg, o que significa robustez) e a milhagem também: terão que durar o dobro em relação aos atuais. Isso tira qualquer possibilidade de termos uma corrida pela potência. Configurações de qualificação com mais de mil cavalos? Não, não teremos um remake dos anos 80.
E por falar em potência, claro que, seguindo uma mesma e restrita receita, as estas também deverão ficar niveladas, enquanto que o a meta nos anos 80 era de subir cada vez mais a cavalaria, numa corrida armamentista que certamente não se repetirá. A potência dos motores 2014 deverá ficar na casa de… 600 cavalos.
Antes que fiquem chocados com a pífia quantia equina nos novos propulsores, este valor ainda terá acréscimo de 160 cavalos advindos de uma nova geração de KERS, rebatizado ERS-K. Ao todo, uns 760 cavalos – como hoje em dia. As centrais eletrônicas, que nasceram nos anos 80 justamente para refrear o ímpeto ébrio dos turbocomprimidos, também seguem padronizadas.
Os câmbios serão necessariamente de 8 marchas e igualmente deverão durar por várias corridas. O “fator quebra”, portanto, continuará de fora das competições, pois os carros não são exigidos em seus limites a cada prova.
Com tudo limitado, o turbo não poderia deixar de estar. A pressão do turbo não é limitada, como nos tempos de válvula pop-off, mas a pressão do combustível sim: não adianta nada empurrar quantidades generosas de ar se não há gasolina para ir junto. A mistura ar-combustível exige um mínimo de riqueza. E repararam? Eu disse ‘turbo’ no singular: os motores serão monoturbo, e a entrada de ar ficará exatamente onde é hoje: logo acima do piloto. Não teremos os charmosos, porém datados, periscópios laterais.
A nova era turbo, portanto, não é uma Era. E nem é nova. Os parâmetros de engenharia mudaram, mas continuam bastante restritivos, e as demais regras também permanecem as mesmas. Tudo se encaminha para uma continuação da Era dos Pneus – os mesmos de sempre e que se manterão como grande elemento de dinâmica das corridas.
Não é tão ruim, se imaginarmos que, apesar de regras estúpidas, é possível gostar do atual momento da F1, sobretudo com tantos campeões a disputar as vitórias. Mas não poderemos criar expectativas: tudo aquilo que nos encheu os olhos vinte ou trinta anos atrás não voltará a acontecer.
Aquele abraço!
11 Comments
Lucas,
a Formula 1 promete então mudanças que na pratica não serão mudanças … hehehehe
mas tenho duas pergiuntas:
1) Mesmo sendo figurados para terem longa duração, poderemos ter quebras principalmente no turbo nas primeiras provas face as restrições ao testes de pré temporada? (OBS: Faço esta pergunta pois quando iniciou-se a Era Turbo os primeiros motores sofriam principalmente com a sua falta de durabilidade e quebras dos turbos em si)
2) Se não houvesse tais restrições como propõe o regulamento, não haveria o risco da volta de inúmeros acidentes (inclusive até fatais) como ocorreu em 1984, face a elevada potencia dos motores?
Fernando Marques
Niterói – RJ
Oi Fernando!
Claro que a questão da segurança está sendo levada em consideração. Com a tecnologia e recursos de hoje, se tivéssemos liberdade de construção de motores como havia em 186, não duvido que motores pudessem atingir mais de 1500 cavalos, em configuração de corrida. Basta vermos que em 2005, último ano dos V10 3.0L, tínhamos motores com mais de 950 cv em versão corrida.
Como tecnologia “nova”, sim, teremos quebras no começo do ano. Mas o acerto da durabilidade não deve demorar a ser conseguido. Principalmente porque não haverá, como relatei, um compromisso com aumento de potência.
No passado, a subida de performance de um motor era como uma escada. Uma perna era a potência, a outra, a durabilidade. Você não consegue subir escada usando o mesmo pé duas vezes – você vai cair.
Era por isso que motores turbo explodiam tanto: às vezes, o passo da potência era maior que o da durabilidade e buuuuum… fumaça branca nos céus. Hehehehe.
Abração!
Lucas Giavoni
Me pergunto o porque de algumas equipes não usarem seus segundos pilotos como “coelhos”, pelo menos em uma prova ou outra. Me lembro que a McLaren usava muito isso, especialmente Berger e Rosberg.
Oi Ronaldo!
Não há coelhos por impossibilidade técnica. Hoje, sabemos o quanto os pneus são importantes para o andamento das corridas. A (imbecil) regra de fazer com que pilotos larguem com pneus de treinos restringe possibilidades de variações táticas. Todos acabam fazendo o mesmo jogo, marcando um mesmo compasso de corrida – mesmo que por vezes esse compasso não seja o correto.
Para se ter coelho, é necessário ter um desempenho incrível no começo. Mas pilotos sofrem para fazer pneus durarem três ou quatro voltas a mais. Tá muito farofa.
Antigamente, quando trocas eram por obrigação, e não por imposição regulamentar (uma imbecilidade), era possível jogar com isso. Hoje não tem como. Se alguém bancar o coelho, destrói os pneus em cinco voltas e toda e qualquer chance de fazer isso dar certo.
Abração!
Lucas Giavoni
Amigo Lucas, bela coluna !
Perante tantas restriçoes, me pergunto se se trata de uma ” nova era turbo” ou se a “nova turbo… era”
um abraço.
Hehehehe…
É uma “nova turbo… era”, sem dúvida. Quando falo em precaução, é a de não cairmos em conversa afiada (de gente como certo narrador que se define como “vencedor de emoções”), a querer nos vender essa mudança de configuração de motor como uma nova Era Turbo. Precisamos estar vacinados quanto a isso. A realidade de hoje é completamente outra.
Abração, meu querido amigo, e obrigado pelo elogio.
Lucas Giavoni
É, depois desta, só espero que os carros sejam mais lindos que os atuais.
Será que eles vão mudar bastantes do que são hoje?
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR
Xi, amigo Mauro, não podemos ser otimistas quanto à beleza dos carros…
Em 2014 eles terão que ter narizes mais baixos, por questão de segurança. Só que a asa dianteira continuará grande e feiosa, dando ao carro esse aspecto de louva-a-deus.
Periscópios também não vão rolar: a entrada de ar do turbo vai ser acima da cabeça do piloto, porque o turbo fica alojado logo depois do bloco do motor, instalado de maneira transversal (perpendicular ao virabrequim).
Mais uma vez o que vemos é continuidade…
Abração!
Lucas
Para quem tiver curiosidade, segue link para o pdf das regras técnicas de 2014 da F1.
http://argent.fia.com/web/fia-public.nsf/EBD2ABC9403C5610C1257A85005017D1/$FILE/2014_F1_TECHNICAL_REGULATIONS_-_Published_on_20.07.pdf
Abração!
Lucas Giavoni
Pensando friamente, a durabilidade forçada por regulamento está tornando a F1 uma grande corrida de endurance, com uma parada obrigatória de duas semanas a cada duas horas de prova. Se for assim, prefiro acompanhar os endurances de verdade.
À respeito dos motores turbo, um regulamento mais inteligente para “forçar” o downsizing seria limitar ainda mais a quantidade de combustível utilizada em cada GP (ou até mesmo o nível de CO2 emitido, emulando as legislações dos carros de passeio). Isto tornaria mais próxima uma relação que já foi bastante estreita entre os F1 e os veículos de rua.
No fim, é uma pena que uma geração excelente de pilotos tenha de correr limitada por um regulamento de m…
Abraços
Ballista.
Bela analogia com as endurances, Ballista. Acaba sendo bem por aí mesmo!
O novo regulamento de 2014 já vai trazer mais restrições ao combustível e às emissões. Mas duvido muito que exista possibilidade de situações em que um piloto consiga salvar mais combustível e consiga enfiar o pé no final, com boost total, crescendo em cima dos adversários.
Vamos ver. Minha previsão é de continuidade…
Abração!
Lucas Giavoni