Cara Spa-Francorchamps
Parece que, em 2003, você estará mesmo fora do campeonato. Já ouvi um rumor ou outro de que os políticos belgas poderiam votar uma lei em caráter de urgência e liberar a publicidade de fumo, atendendo à principal reivindicação da Fia e tentando te salvar mas, quer saber? Acho que não vale a pena.
Primeiro porque não se deve mesmo incentivar os jovens a fumar (não adianta enfiar a cabeça na areia: é isso mesmo que a Fórmula 1 faz e é em grande parte por causa da propaganda de fumo que ela se tornou tão rica, complexa e também tão detestável nos últimos anos).
Segundo porque acho que as equipes estão ansiosas por reduzir custos – quaisquer custos – e uma corrida a menos é sempre uma boa notícia. Já que vão todas tomar de novo um banho da Ferrari, para que prolongar a agonia?
Terceiro porque a saudade talvez ajude a reavivar os seus encantos, cada vez mais ofuscados pelas traquitanas eletrônicas dos carros. Depois do GP deste ano, Jacques Villeneuve e outros pilotos saíram dizendo que você já não oferece os mesmos desafios de pilotagem do passado, que o novo asfalto, detalhes do traçado e o controle de tração banalizaram um pouco Curvas como a Eau Rouge, por exemplo.
Pois é. Novos tempos, novos tempos.
Lembro o dia em que Pedro Paulo Diniz traçou a lendária Eau Rouge pela primeira vez com o pé na tábua. Ele próprio não acreditou na própria coragem e saiu contando para todo mundo. Pobre Pedro. Hoje, qualquer pilotinho de primeira viagem manda ver direto – desde que o controle de tração esteja funcionando, bem entendido. Pois é: não Fórmula 1 atual, até a coragem está se tornando desnecessária. (Li em algum lugar que o segredo da Eau Rouge é dominar o próprio medo e compreender que a simples pressão que a subida seguinte à curva exerce sobre o carro é suficiente para mantê-lo no traçado)
Aliás, sempre acho um pouco de graça quando as pessoas te elogiam, dizendo que você é o mais extraordinário dos autódromos.
Claro que é mas, aqui entre nós, você é hoje apenas uma sombra do que era o circuito usado até o final dos anos 60 quando o velho Spa-Francorchamps percorria não os 7 km atuais mas quase 15 km.
Na última corrida de Fórmula 1 que usou o seu traçado original, vencida por Pedro Rodrigues com um BRM, a média horária da melhor volta foi de 244 km/h. De média! Trinta anos depois, com o circuito mais curto, a média da melhor volta gira em torno de 220 km/h. Imagine os Fórmula 1 atuais rasgando a reta Masta, com aquela traiçoeira curva Malmédy pelo meio.
Não posso, em sã consciência, xingar Bernie Ecclestone&Cia por ter acabado com o velho percurso. Era muito perigoso. Público e pilotos morriam em quantidade. Como o velho circuito era formada por estradas abertas ao público e pontilhado por casas de família, a travessia da pista por pedestres era inevitável. Graham Hill chegou mesmo a conhecer uma velhinha que não se abalava em atravessar sossegadamente a pista para jogar o lixo fora, independemente do fato de estar rolando por ali uma corrida de Fórmula 1.
Por favor, não me entenda mal. Não acho que o circuito atual seja ruim. Apenas digo que ele não se compara ao antigo em termos de desafio, empenho, coragem. Mas quem precisa disso atualmente?
Fica aqui minha singela homenagem a você, na forma de algumas fotos do velho traçado, e meus votos de que você esteja de volta em 2004 e 2005.
Sinceramente
Eduardo Correa