Adu

A Williams está morrendo
14/02/2005
UNSER KLEINER RUBENS
18/02/2005

Tem certas coisas que não se pode deixar para “depois”.

Foi essa a sensação que tive quando abri o “Grande Prêmio” e li a notícia da morte de Adu Celso. Nos últimos dois anos, eu pensei várias vezes em ir a Santos e aproveitar a visita à minha terra natal para fazer uma entrevista com Adu. Para isso, porém, precisaria de pelo menos um dia inteiro disponível, e acabei adiando os planos. Agora é tarde: vou ficar sem ouvir as histórias do primeiro brasileiro a vencer um GP válido pelo Campeonato Mundial de Motovelocidade (GP da Espanha, em Jarama, em 1973, na categoria 350 cm³).

Foi graças a Adu que “descobri” o motociclismo, quase ao mesmo tempo que o automobilismo. Nunca o vi correr de moto. Em 1978, ele já estava na Fórmula Volkswagen 1600 (ou Super-Vê, como era mais conhecida e que foi seu nome oficial até 1975). Mas a leitura das revistas de anos anteriores me fez ter enorme simpatia por este personagem singular. Garoto com dez anos de idade, eu me impressionei bastante com a figura de Adu e seu capacete preto com uma cruz vermelha pintada na altura da testa. Aquela composição me transmitia uma imagem guerreira, mas ao mesmo tempo sóbria e elegante.

Adu (Eduardo Celso Santos, na certidão de nascimento) não era o motociclista típico de sua época. De família rica, não andava de moto na rua: no começo da década de 1970, deslocava-se por São Paulo a bordo de um Ford Galaxie. E começou a correr tendo até mesmo um certo apoio familiar. Adu preparava sua moto em uma oficina montada na própria casa onde morava com os pais. Esse apoio só cessou quando as notas do boletim escolar revelaram claramente quais eram as prioridades daquele jovem. O pai não teve dúvidas em trancar a oficina com a moto dentro. Mas Adu, já prevendo o castigo, havia tomado precauções: desmontou sua moto de corrida e escondeu as peças e ferramentas nos armários de seu quarto. Na oficina, ficou uma moto que Adu montou às pressas usando peças velhas.

Em 1970, Adu foi correr na Europa em companhia de outro brasileiro, Luiz Celso Giannini. Não tinham sequer a documentação necessária: a Confederação Brasileira de Motociclismo estava suspensa pela Federação Internacional de Motociclismo devido às confusões ocorridas durante o “GP do IV Centenário”, disputado em Interlagos em 1954. O espanhol Nicolas del Valle, dirigente da FIM, recomendou aos brasileiros que se filiassem à federação da Holanda, na época um dos centros mais avançados do motociclismo europeu. Dessa forma, Adu e Giannini poderiam tomar parte das corridas européias e também do Mundial. Foram tão bem recebidos que durante um bom tempo a moto de Adu ostentou as bandeiras dos dois países, Brasil e Holanda.

Naquela época, o Mundial tinha seis categorias e as principais eram a 500 cm³ e a 350 cm³. Muitos pilotos corriam em ambas, inclusive as feras como Giacomo Agostini, Phil Read e Jarno Saarinen. Adu iniciou sua participação em 1971, disputando as categorias 250 cm³ e 350 cm³. Em ambas, a moto mais utilizada por pilotos particulares era a Yamaha TR – substituída em 1972 pela TZ, um “foguetinho” com a qual era possível percorrer as curvas 1 e 2 de Interlagos a mais de 200 km/h.

Em 1973, o grande ano: Adu venceu o da Espanha, em Jarama na categoria 350 cm³. Largou em 16º lugar, estava em quinto após poucas voltas e assumiu a liderança na 26ª das 38 voltas. Terminou em 8º lugar na 350 cm³ e em 12º no da 250 cmº no da 250 cm³. Demoraria exatos 20 anos para vermos um brasileiro voltar a vencer no Mundial – Alexandre Barros, na 500 cm³, coincidentemente em Jarama e na etapa de encerramento do campeonato de 1993. Também foi em 1973 que Adu tomou uma das decisões mais felizes de sua vida: disputar a 500 Milhas de Interlagos e não o GP da Itália, que aconteceu no mesmo dia em Monza. A corrida da Itália acabou sendo uma das mais trágicas da história do Mundial: um acidente acontecido na segunda volta da corrida da 350 cm³ envolveu mais de vinte pilotos e terminou com a morte de Jarno Saarinen e Renzo Pasolini, dois dos melhores pilotos da época.

Em 1974, Adu continuou na 350 cm³ e passou a disputar também a 500 cm³ com uma moto adaptada (uma Yamaha 350 com a cilindrada aumentada). Em ambas, destacou-se pelas suas largadas-relâmpago – e largar bem era algo mais difícil naqueles tempos, pois as motos só podiam ser ligadas após a bandeira abaixar. Em julho, Adu fraturou as pernas em um acidente de carro em uma estrada na Holanda. Ficou fora das pistas até o final do ano. Em fevereiro, Adu havia disputado a Taça Centauro, na época uma das competições mais importantes do motociclismo brasileiro. Foi vice-campeão depois de muitas disputas com o sueco Kent Andersson, bicampeão mundial na categoria 125 cm³. Durante sua estada no Brasil, Andersson ficou hospedado na casa de Adu e ambos prepararam suas motos na mesma garagem.

Depois disso, Adu passou a se dedicar mais às competições brasileiras e latino-americanas, embora prosseguisse no Mundial até 1976. Estreou na Super-Vê no ano seguinte, quando já havia voltado definitivamente para o Brasil. Sua última corrida oficial de moto foi a Taça Centauro de 1979. Vi, pela televisão, as duas vitórias que ele conquistou no automobilismo, já com a Super-Vê transformada em Fórmula 2 Brasil: em Interlagos, em 1982, numa prova que foi disputada pelo anel externo, e em Tarumã, na abertura do campeonato de 1983. Por coincidência, um de seus preparadores nessa fase era João Alfran, morto no começo deste ano e a quem dediquei minha primeira coluna deste ano.

Adu parou de correr no final de 1984 e passou a cuidar de seus empreendimentos imobiliários. Mereceu pelo menos duas homenagens antes de morrer: em 1998, participou do Centenial TT, em Assen, na Holanda, como convidado da FIM, e no ano passado, quando um empresário paulista finalizou a restauração de uma das Yamaha TZ 350 usadas por Adu Celso em sua carreira. Pelos relatos desse empresário, Adu vivia muito bem e tocava sua vida sem qualquer traço de saudosismo em relação ao passado.

A morte de Adu, ocorrida no dia 6 de fevereiro (em pleno domingo de carnaval), foi descoberta por um leitor do site www.motosclassicas70.com.br, e noticiada apenas por esse site e pelo nosso companheiro Flávio Gomes, do Grande Prêmio, que escreveu/falou sobre Adu nos veículos para os quais trabalha. Os outros órgãos da mídia esportiva não dedicaram uma linha a este pioneiro. Deviam estar muito ocupados tentando descobrir detalhes do casamento de Ronaldo Nazário e Daniela Cicarelli.

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Felizmente ainda existem pessoas com bom humor no automobilismo. Estive ontem (terça-feira, 15 de fevereiro) na entrevista coletiva com a dupla brasileira que vai disputar a nova categoria GP2, sucessora da F-3000: Nelsinho Piquet e Xandinho Negrão, que correrão na mesma equipe, a Hitech Piquet Sports. Além dos dois “meninos”, a mesa era composta pelos pais Nelson e Xandy, duas figuras que não perdem uma oportunidade para fazer uma gozação.

A certa altura, uma repórter perguntou a Piquet o que ele achava de Nelsinho ter declarado que seu estilo era mais parecido com o de Ayrton Senna que com o do próprio pai. Resposta: “Você interpretou mal. O que o Nelsinho quis dizer é que ele é educado como o Senna e não como eu, que vivo mandando todo mundo tomar no cu a toda hora…”. Risadas gerais.

Encerrada a coletiva, os quatro entrevistados ficaram à disposição dos repórteres. Juntei-me ao grupo que rodeava Nelson e fomos ouvindo suas respostas sobre vários assuntos (claro, a F 1 era o assunto predominante). Piquet falou também sobre os boatos de sua participação no Campeonato Brasileiro de Fórmula Truck. Disse que ainda não havia nada definido e que seu objetivo maior era divulgar a Autotrac, sua empresa de rastreamento por satélite. “Mas é claro que, se eu for correr lá, quero ser competitivo.” Foi aí que, entre curioso e provocador, o colega Betto D’Elboux, da revista Racing, perguntou: “Nelson, você não acha que correr de caminhão, em uma categoria que tem até radar na pista, pode prejudicar sua imagem?”.

Piquet não se fez de rogado. Com um sorriso maroto, pôs a mão no ombro de Betto e respondeu: “Olha, eu vou te falar uma coisa: eu tô CAGANDO para a minha imagem. Nunca dei importância a esse tipo de coisa, não é agora que vou começar a me preocupar com isso…”. Mais risadas na rodinha… E a certeza de que a cabeça de Nelson vai muito bem, obrigado.

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Já passou tanto tempo que, aparentemente, não há nada mais a comentar sobre a escolha da Williams-BMW, que preferiu Nick Heidfeld e não Antonio Pizzonia para formar dupla com Mark Webber na temporada de 2005. Aqui no GPtotal, poucos leitores demonstraram inconformismo com a decisão. As reações variaram entre a aceitação serena dos fatos e um certo desdém (que considero injusto) por Pizzonia.

Mas há algo que me intriga. No começo de 2004, já estava confirmado que Juan Pablo Montoya seria da McLaren em 2005, e qualquer um sabia que Ralf Schumacher também não permaneceria na Williams. Frank e Patrick contrataram primeiro Mark Webber e, depois, Jenson Button. Em outubro de 2004, a FIA analisou o contrato de Button com a BAR e confirmou que o inglês não poderia guiar para a Williams em 2005. Somente aí a Williams considerou a hipótese de colocar Pizzonia como titular, mas não sem antes chamar Anthony Davidson (piloto de testes da BAR) e Nick Heidfeld para um tira-teima com o brasileiro. Como a BAR não liberou Davidson, sobraram apenas o brasileiro e o alemão.

Leio e ouço, aqui e acolá, que Frank Williams e Patrick Head têm Pizzonia em alta conta. Devem ter mesmo: afinal, eles defenderam o brasileiro e lhe deram guarida após a demissão da Jaguar. Então, pergunto (e por favor notem que a pergunta continuaria válida mesmo que Pizzonia tivesse sido escolhido depois do confronto contra Heidfeld): por que a Williams deixou de confirmar Pizzonia como titular quando havia não uma, mas DUAS vagas em aberto?

Sobre a “pressão da BMW” pela escolha de Heidfeld, faço duas observações: 1) Tal pressão é absolutamente legítima diante das dezenas de milhões de dólares que a BMW dispende no desenvolvimento dos motores que equipam a Williams; 2) A BMW não falou uma palavra quando a Williams anunciou a contratação de Button – sequer esboçou-se a lembrança de que, com Webber e Button, a equipe não teria um piloto alemão. A BMW só exerceu seu direito de voto na definição do segundo piloto quando a escolha ficou limitada a dois que estavam claramente no mesmo nível.

Ou seja: não existe uma, mas várias razões para Pizzonia não ter sido escolhido. A preferência da BMW é apenas uma delas. Talvez nem seja a mais importante.

Luiz Alberto Pandini
GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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