AH, ESSES INGLESES…

As dez maiores corridas de todos os tempos
18/02/2002
e tome lista (inclusive as minhas)
22/02/2002

São Paulo, 20 de fevereiro de 2002

Edu,

Não esquente a cabeça com a arrogância dos nossos coleguinhas ingleses. Pelo contrário: compreenda a frustração deles. Afinal, a maioria das equipes de F 1 é de lá, mas eles nunca produziram um piloto que possa, sem maiores favores, ser colocado como um dos cinco maiores de todos os tempos. Para escapar do vexame de ter menos títulos mundiais de F 1 que o Brasil, eles apelam para o mesmo recurso das Olimpíadas: consideram-se “britânicos” e, com a ajuda dos cinco títulos dos escoceses Clark e Stewart, consideram-se 11 vezes campeões de F 1. Nas Copas do Mundo, eles fazem o contrário: Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales podem ocupar quatro vagas – e não apenas uma…

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Não sei se você sabe, mas a Inglaterra foi um dos países mais atrasados do mundo em termos de aceitação do automóvel. Durante muito tempo (isso é coisa do século 19, começo do século 20 no máximo) vigorou a “Lei da Bandeira Vermelha”: os carros só podiam circular precedidos por um homem andando a pé e segurando uma bandeira vermelha. Oficialmente, era uma maneira de “assegurar a segurança dos pedestres”. Na verdade, tratava-se de lobby dos donos de carruagens e de companhias ferroviárias, que – com acerto – perceberam a forte concorrência que o automóvel faria a seus negócios. Durante muito tempo, a “Lei da Bandeira Vermelha” foi motivo de vergonha para os automobilistas ingleses.

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Quer dizer que os coleguinhas ingleses (ou britânicos, tanto faz a esta altura…) incluíram algumas corridas domésticas de Fórmula Ford entre as 100 maiores corridas do mundo, é? Interessante… Pois aqui no Brasil eu vi ou soube de muitas corridas extremamente disputadas disputadas em várias categorias.

Em algumas dessas, vi verdadeiros shows de pilotagem que, pelas disputas, por espetáculos individuais de pilotagem ou por situações inusitadas, certamente mereceriam estar no lugar de algumas das 100 corridas escolhidas pelos ingleses. Fiz uma pequena seleção:

1) Em 1975 a 25 Horas de Interlagos teve uma disputa memorável entre um Maverick pilotado por José Carlos Pace, Paulo Gomes e nosso amigo Bob Sharp e um Opala de Ingo Hoffmann, Alfredo Guaraná e Alex Dias Ribeiro. Como se vê, dois trios barra pesada… De noite, sob chuva, o Maverick ficou sem limpador de pára-brisa e assim continuou até de manhã. Imagine guiar um carro de corrida nessas condições… Pois bem: Pace, Paulão e Bob seguraram a barra e se mantiveram firmes na disputa com o Opala. Este também teve seus percalços, inclusive uma capotagem no meio da corrida. Consertado, voltou para a pista e seus pilotos recuperaram o tempo perdido. Faltando uma hora para a bandeirada, os dois carros estavam lutando pela vitória – que ficou para o Maverick.

2) Ainda o Paulão. Em 1983, ele venceu uma corrida de Stock Car em Brasília pilotando um Opala com motor falhando e freios praticamente sem ação…

3) Corrida de Fórmula Super Vê em Cascavel, no Paraná, em 1974. Na última volta, Nelson Piquet era o 2º, pressionando fortemente o líder Júlio Caio de Azevedo Marques. Na última curva, Júlio Caio deu uma vacilada e Piquet tentou uma manobra arrojada para vencer. Júlio Caio resistiu e os dois acabaram batendo. Piquet recebeu a bandeirada rodando na terra, com a suspensão traseira direita quebrada. Júlio Caio, com o carro destruído, rodou para dentro dos boxes (não havia mureta separando-os da pista propriamente dita) e ficou parado a metros da linha de chegada. Foi a primeira vitória de Piquet na Super Vê.

4) Fórmula Ford em Cascavel, 1978. O gaúcho Amedeo Ferri, um veterano que liderava o campeonato, parecia estar eliminado da corrida após a realização de baterias eliminatórias. Pelos resultados, ele era o primeiro reserva e só poderia largar se algum dos classificados desistisse. Para piorar a situação, seu carro ficara bastante danificado em um acidente. Mesmo desclassificado, Ferri se pôs a consertar seu carro (detalhe: a “equipe” era formada por ele e sua mulher) na esperança de conseguir correr. Pois aconteceu: alguém desistiu da corrida e Ferri pôde alinhar em último. Largou, ultrapassou todo mundo que encontrou pela frente e venceu. No final do ano, seria campeão brasileiro.

5) De 1987, lembro de uma corrida de Fórmula Ford disputada nas ruas de Florianópolis. O Gil de Ferran largou na pole, liderou e depois, com o carro dando problemas, deu uma de Ayrton Senna no GP da Austrália de 1985: na tentativa de superar “no braço” as deficiências técnicas de seu carro, saiu da pista umas três vezes – em uma delas, chegou a escalar o guard-rail de ré. Mesmo assim, ficou em 3º. Anos depois, Gil me disse que essa foi uma das corridas mais marcantes de sua carreira.

Aconteceram outras corridas memoráveis no Brasil. Estas são apenas as que vieram à minha mente no momento de escrever.

Sim, o automobilismo inglês tem muitas histórias, mas o nosso não fica atrás nesse quesito. Já a qualidade dos cartolas e a inteligência dos promotores é outra história…

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Ainda a arrogância dos ingleses… Manchete de um dos principais jornais da “ilha” (não me lembro qual era) quando da inauguração do túnel sob o Canal da Mancha, há alguns anos – alguma coisa como “A Europa finalmente se liga à Inglaterra”. Em alguns momentos, a soberba deles é hilariante…

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Já que eles gostam de sacanear com os outros, vou sacanear com eles dando uma chupadela em algumas coisas que foram publicadas na edição da Autosport que chegou ontem em casa:
1) O motivo de Christian Fittipaldi ter feito os testes de pré-temporada da CART com um carro pintado de verde, amarelo e branco não tem nada a ver com o Brasil. São as cores do laboratório farmacêutico que aguarda autorização das autoridades estadunidenses para vender um novo medicamento com as mesmas propriedades do Viagra;
2) Prosseguindo a leitura, deparo com uma matéria sobre Maurício Gugelmin e percebo que nenhum de nós dois teve a decência de registrar aqui no Gptotal que ele decidiu parar de correr. A decisão foi tomada após uma temporada miserável em 2001. Gugelmin sofreu dois acidentes sérios e ainda passou por um momento pessoal dificílimo: a perda de um de seus filhos (Giuliano, de sete anos, um menino que teve saúde muito frágil desde seu nascimento).
Para quem não lembra, Gugelmin foi uma das boas promessas do automobilismo brasileiro nos anos 80. Foi campeão inglês de F 3 e, no mesmo ano, venceu o concorrido GP de Macau da categoria. Chegou à F 1 e teve algumas atuações marcantes (a melhor delas no GP do Brasil de 1989: foi 3º colocado). Depois, em 1993, estreou na CART. Venceu apenas uma corrida (Toronto, 1997), mas andou entre os primeiros em quase todas as temporadas que disputou.

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Por último. Os ingleses adoram considerar os sul-americanos como selvagens e subdesenvolvidos. Mas se esquecem que ali ao lado, na Irlanda do Norte, existem pessoas (em número considerável, por sinal) que não sentem exatamente orgulho de serem súditos da rainha Elizabeth II. O resultado disso? Atentados, explosões, distúrbios de rua, mortes de lado a lado, “Sunday Bloody Sunday” (um dos primeiros sucessos da banda U2, referência às mortes ocorridas durante uma manifestação na Irlanda do Norte em 1972).

Abraços,

LAP

GPTotal
GPTotal
A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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