São Paulo, 05 de janeiro de 2004
Edu e amigos leitores,
De volta à ativa! Espero que o final de 2003 tenha sido tão bom para todos vocês quanto foi para mim. Dei uma bela renovada nas energias e creio ter conseguido o pique necessário para pilotar o GPtotal até o começo de fevereiro, quando o Edu voltará de suas merecidas férias.
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Muitas coisas aconteceram neste mês e meio em que estive de folga do GPtotal. Mas nenhuma chamou tanto a minha atenção quanto o teste de Nelson Angelo Piquet na Williams, em Jerez, no final de novembro, e as declarações de Nelson Piquet.
Primeiro, Piquet pai declarou no Brasil, ainda antes do teste, que seu filho já tinha assinado um contrato de sete anos com a Williams – o que foi prontamente desmentido pela equipe. Pegou mal, já que Piquet falou de um acerto que, mesmo que exista, não foi assinado. Acabou fazendo a notícia se antecipar ao fato, o que não é nada bom.
Em seguida, ao comentar a possível comparação que o teste provocaria entre seu filho e Nico Rosberg, filho de Keke Rosberg (campeão mundial de 1982), Piquet atacou com uma virulência ainda maior que a de quando estava na F 1: “O que o Nico já fez na Fórmula 3? Coisa nenhuma. É a mesma coisa que me comparar com o pai dele”. (Para informar aos leitores, Nico terminou em 8º lugar no Campeonato Europeu de F 3 de 2003; o austríaco Christian Klien, novo piloto da Jaguar, foi vice-campeão nesse mesmo campeonato. Nelson Angelo Piquet foi vice-campeão do Campeonato Britânico, que tem nível técnico semelhante ao do Europeu mas muito mais tradição e visibilidade.)
Fiquei surpreso com essas declarações de Piquet, pois ele sempre mostrou-se sereno e ponderado ao falar sobre as habilidades e a carreira do filho. Para mim, acendeu-se uma luz amarela. Tomara que Piquet retome o estilo mais discreto que vinha adotando nos últimos anos e, principalmente, que não caia na tentação de muitos outros pais de pilotos, assessores de imprensa e empresários/managers, que enterraram a carreira de jovens promissores ao querer criar ídolos e/ou ganhar dinheiro antes da hora.
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Se por um lado Piquet teve momentos infelizes, por outro ele ganhou mais um motivo para cultivar seu desprezo por órgãos de comunicação e jornalistas.
Uma revista de automóveis, cujo nome prefiro omitir, saiu no final do ano com a seguinte chamada na capa: “Piquet: ‘Meu filho será melhor que Ayrton Senna’”.
Depois de tudo o que já foi citado acima, achei por demais infeliz uma declaração dessas. Ao ler a tal entrevista, porém, percebe-se que a tal chamada nada tinha a ver com as declarações de Piquet. As declarações reproduzidas internamente são mais ou menos estas: “O Emerson venceu na fase dele. Depois veio eu e em seguida o Senna. Eu espero que os resultados do meu filho sejam melhores que os do Senna”. Mais adiante, a pedido do entrevistador, Piquet comenta as diferenças entre ele e Senna: “Eu sempre me preocupei apenas com o que acontecia dentro do carro. O Senna também se preocupava com outras coisas, como o preparo físico e o marketing”. Tudo respeitoso, sem ofensas nem deméritos. Uma boa entrevista, cuja chamada de capa infelizmente serve para vender revista e não para informar.
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Voltando ao teste de Piquetzinho: pouco posso dizer sobre ele porque não tive acesso a informações mais profundas sobre o que rolou em Jerez. No primeiro dia, Nelsinho (detesto chamá-lo assim, mas estou quase me rendendo ao modo como todos estão se referindo a ele) foi exatamente 3 segundos mais lento que Ralf Schumacher, o mais rápido (só a Williams testou). No segundo, Piquetzinho (soa um pouco – só um pouco – melhor…) não testou e Nico Rosberg, filho de Keke Rosberg, ficou a 1s7 de Ralf. No terceiro dia, sob clima instável, Piquetzinho foi 1s6 mais lento que Marc Gené (o mais rápido entre os pilotos da Williams) e 1s6 mais rápido que Nico. Mais detalhes podem ser obtidos com nossos parceiros do Grande Prêmio (www.grandepremio.com.br).
Pelos tempos, pode-se tirar poucas conclusões, até porque – já escrevi isto várias vezes aqui no GPtotal – tempos de testes servem muito pouco para fazer análises. A diferença inicial de Piquet em relação a Ralf foi bem maior que a de Nico, mas é preciso ressaltar que este já havia testado um Williams no final de 2002 – e admitiu o quanto essa experiência foi valiosa agora. Sobre o tira-teima direto no último dia, tampouco se pode tirar maiores conclusões, já que o clima instável impediu os dois pilotos de pegarem a pista nas mesmas condições. Nelsinho, por exemplo, teria feito seu melhor tempo com a pista menos molhada do que Nico.
Resta então trabalhar com outras informações. Tive acesso a duas, uma animadora e outra não. A primeira: os técnicos da Williams teriam gostado do garoto pela sensibilidade e pela capacidade de transmitir informações. A segunda: o preparo físico de Piquetzinho ainda não é adequado para os rigores de um F 1. Soube-se que ele não agüentava dar mais de 10 voltas seguidas sem cansar – e teria sido esta a razão de ele dizer, muito sinceramente: “Ainda não estou pronto para a Fórmula 1”. Esta sinceridade é um bom sinal, mas sinceridade conta muito pouco no ninho de cobras que é a Fórmula 1.
A resposta definitiva sobre o futuro de Piquetzinho só será conhecida ao longo de 2004.
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Vale uma curiosidade: tanto Piquetzinho quanto Nico nasceram na… Alemanha. Piquetzinho tem dupla nacionalidade (brasileira por parte do pai e holandesa por parte da mãe, Silvia). Já Nico é alemão mesmo: não adotou a cidadania finlandesa de Keke (que, por sinal, nasceu em Estocolmo, na Suécia…). Da língua do pai, arranha umas poucas palavras e olhe lá.
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Embora tardia, faço minha homenagem a Cândido Garcia, veterano jornalista que nos deixou no começo de dezembro. Tive o prazer de conhecê-lo melhor durante o ano de 1993, quando estivemos juntos em vários GPs de F 1. Em um deles, o da Alemanha, esse convívio foi maior, pois estávamos no mesmo hotel, fomos para a pista várias vezes no mesmo carro e voltamos juntos a Frankfurt para pegar o avião de volta ao Brasil. Ouvi ótimas histórias vividas e/ou presenciadas por ele em corridas, Copas do Mundo e Olimpíadas passadas.
Minha última conversa com o Candinho, como alguns de nós o chamávamos carinhosamente, aconteceu em outubro ou novembro de 2003. Participamos do programa de rádio do site F 1 na Web (www.f1naweb.com.br), ancorado por Ricardo Perrone. O assunto principal foi a temporada de F 1, que havia terminado pouco antes. Cândido, já doente, continuava com a mesma capacidade de análise, temperada por seu senso de humor bastante peculiar. O programa pode ser conferido acessando os arquivos do F 1 na Web.
Cândido foi um dos primeiros repórteres de rádio a reconhecer, no jovem que disputava as categorias menores, o talento de Ayrton Senna. E foi ele quem protagonizou um episódio que já contei aqui no GPtotal. Durante o GP do Brasil de 1992, Cândido estava entre os repórteres que entrevistavam Ayrton Senna. Ao afastar-se, fechava o boletim com uma frase do tipo “Estas foram as palavras de Ayrton Senna” quando ouviu um sonoro “Cale essa boca!” proferido pelo piloto brasileiro.
O episódio foi tão marcante que o radialista Milton Neves contou-o em seu programa (de futebol!) ao render suas homenagens a Cândido Garcia. Ironia do destino, era Cândido o repórter presente a Imola no fatídico GP de San Marino de 1994. A Rádio Bandeirantes, onde Cândido trabalhava na época, reproduziu vários de seus boletins ao noticiar sua morte.
Esteja com Deus, Cândido. Por aqui, continuaremos com as lembranças.
Um grande abraço e um ótimo 2004 a todos,
Luiz Alberto Pandini