Ano de penta

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Quando comecei a acompanhar as corridas, o número de cinco títulos mundiais parecia intocável. Nos distantes anos 1950, Juan Manuel Fangio conseguiu essa façanha e era muito comum se falar que o recorde do argentino permaneceria intacto. No Mundial de Motociclismo já havia os oito títulos de Giacomo Agostini na categoria 500cc, enquanto na Indy AJ Foyt venceu seis vezes o título da antiga USAC.

Devemos sempre lembrar que até a década de 1980 a segurança não era um item muito avançado no esporte a motor e por isso as carreiras dos pilotos eram mais breves do que hoje em dia.

Na medida em que carros e motos foram ficando mais seguros, na mesma medida em que os circuitos ao longo do mundo foram melhorando, as carreiras dos pilotos, cada vez mais preparados fisicamente, foram se alongando, mesmo sendo comum na Indy pilotos de até mesmo 50 anos ainda competindo.

O ano de 2018 será marcante por ver três pilotos chegando ao pentacampeonato das principais categorias do esporte a motor. Mais cedo no ano, Scott Dixon se sagrou pentacampeão da Indy e na madrugada de sábado para domingo Marc Márquez conseguiu o quinto título da MotoGP (sem contar os dois nas categorias menores). Era esperado que Lewis Hamilton conseguisse completar a trinca de pentacampeões na tarde do domingo de Austin, mas o inglês acabou batendo na trave numa das melhores corridas dessa temporada.

Se Scott Dixon e Lewis Hamilton já podem ser considerados veteranos, o fenômeno Marc Márquez ainda tem muito tempo de pista para mostrar seu talento sobrenatural em cima de uma moto. O espanhol é dono de um estilo ultra-agressivo, ao mesmo tempo em que tem um controle de sua Repsol Honda que lhe foi capaz de ‘salvadas’ espetaculares.

Tendo ainda 25 anos, Márquez conquistou seu quinto título em seis temporadas na MotoGP, derrotando pilotos tarimbados como os não menos lendários Valentino Rossi e Jorge Lorenzo, e isso sem contar com a melhor moto da temporada, que é da Ducati. Mas enquanto os demais pilotos caem, Márquez segue vencendo e com três corridas de antecedência, conquistou o título desse ano exibindo uma melhora contínua de sua pilotagem.

Márquez mantém a mesma velocidade feroz de quando entrou na MotoGP, mas vai ganhando mais experiência e senso estratégico, principalmente no campeonato, onde exibiu uma consistência tão grande, que o fez ser campeão facilmente. Com uma montadora gigante atrás dele (Honda) e sem jovens talentos do seu nível, Márquez vai caminhando para mais uma dinastia no Mundial de Motovelocidade.

É deliciosa a tentação de comparar Marc Márquez com Lewis Hamilton em cada uma de sua especialidade. Hamilton está correndo como nunca em 2018 e vai fazendo a diferença na briga entre pelo título ele e Vettel, na Ferrari, o mesmo ocorrendo com Márquez na MotoGP. Porém, Márquez e Hamilton vivem momentos diferentes na carreira e é igualmente delicioso ver dois gênios estar nos presenteando com seus talentos. Isso sem contar Dixon.

Hamilton não saiu de Austin campeão, mas basta um sétimo lugar na próxima semana no México para o inglês garantir o quinto título. Uma tarefa que surge meramente protocolar, vide o que está acontecendo ao redor de Hamilton. Vettel segue cometendo erros que não condiz a um tetracampeão como ele. Pela terceira vez nos últimos dois meses, Vettel se envolveu num incidente na primeira volta e caiu para as últimas posições, estragando uma possível vitória. O alemão já pode até pedir música no Fantástico!

Trazido para a Ferrari como o sucessor de Michael Schumacher, como a ponta de lança em outra dinastia ferrarista, Vettel vai decepcionando amargamente e dando cada vez mais munição aos seus críticos, que sempre colocaram na conta do lendário projetista Adrian Newey a sequência de títulos que Vettel arrebatou no começo dessa década.

Mesmo largando na pole, Hamilton foi superado por dois pilotos inspirados e que nos no trouxeram uma corrida com um final emocionante. Kimi Räikkönen saiu de sua letargia das últimas provas para vencer após cinco anos, não sem antes ultrapassar Hamilton na largada, segurar o inglês com pneus desgastados antes de sua única parada e administrar a pressão exercida por Max Verstappen e Hamilton nas voltas finais.

O holandês, por sinal, fez outra corrida magistral ao sair do meio do pelotão para o pódio, menos de 2s atrás de Räikkönen e ainda segurando muito bem um ataque de Hamilton na penúltima volta. Verstappen pode muito ser chamado de ‘Médico e o Monstro’ por causa de sua pilotagem agressiva, exuberante errática. Hoje, Max foi o Médico, para a nossa alegria.

Apesar de sua ótima fase, Hamilton foi traído por uma aposta errada da Mercedes, que o trouxe aos boxes quando o Safety Car virtual deu as caras para retirar o carro quebrado de Daniel Ricciardo. Como a corrida ainda estava no começo, uma segunda parada de Hamilton foi inevitável, até por causa das bolhas nos pneus traseiros do inglês. Lewis não deixou de dar ser show e se aproximou de Räikkönen e Verstappen nas voltas finais com pneus mais novos, deixando o final da corrida bem empolgante, mesmo que os três não tenham trocado de posição.

Vettel ainda salvou um quarto lugar ao ultrapassar Valtteri ‘poste’ Bottas. O finlandês teve outra corrida pálida e esquecível, onde levou um undercut de Verstappen na única rodada de paradas dos líderes (com exceção de Hamilton) e ainda foi ultrapassado por Vettel na penúltima volta, não ajudando a causa do seu companheiro de equipe.

É por essas e outras que Esteban Ocon terminará 2018 como o piloto mais injustiçado do pelotão. Mesmo mostrando velocidade e superando o seu já experiente companheiro de equipe Sergio Pérez na Force India, Ocon está quase fora do grid em 2019, em que é nítido que o francês tem condições de fazer um trabalho melhor do que o de Bottas na Mercedes, montadora que Ocon tem forte ligação, e ainda será substituído por um piloto-pagante horroroso como Lance Stroll, que hoje foi chamado de amador por Fernando Alonso, quando o espanhol foi tirado da prova pelo canadense na primeira volta. Para completar, Ocon ainda foi desclassificado da corrida de hoje por irregularidades técnicas. Que fase!

No Ceará houve um personagem chamado seu Lunga, que era conhecido como ‘o homem mais ignorante do mundo’. Dono de um temperamento irascível, seu Lunga tinha um pequeno comércio na cidade de Juazeiro do Norte e de lá distribuía patadas a quem lhe perguntasse alguma obviedade.

Suas históricas de respostas brutas entraram para o folclore anedotário cearense e a realidade algumas vezes se misturou algumas vezes com a ficção. Mesmo conhecido por sua brutalidade, seu Lunga se tornou uma figura extremamente popular em toda a região. As pessoas iam ao seu comércio apenas para levar uma patada.

Kimi Räikkönen sempre foi um piloto de poucas palavras e de algumas respostas ríspidas. Seu comportamento politicamente incorreto, como o do seu Lunga, o fez conquistar inúmeros fãs na F1 e por isso a vitória de Kimi foi uma das mais populares dos últimos tempos, além da possibilidade de ter sido seu canto do cisne, pois dificilmente ele ganhará corridas pela Sauber em 2019. Porém, assim como seu Lunga, a diversão em receber uma resposta atravessada de Räikkönen permanecerá por mais algum tempo.

Num ano emblemático, três pilotos entrarão para a história ao conquistar cinco títulos em suas respectivas carreiras. Hamilton teve o seu título adiado num dia que foi de Kimi Räikkönen. Ainda não é possível encaixar Scott Dixon, Marc Márquez e Lewis Hamilton na história do esporte a motor, mas é um privilégio ver esses três monstros sagrados ao mesmo tempo nas pistas.

Abraços!

JC Viana

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

2 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    JC,

    Não vi nada da Indy este ano … mas achei legal o Scott Dixon ter faturado seu 5º título … será que o Will Power (para mim o melhor da Indy na atualidade) chega lá também?
    Já com relação ao Marc Marquez, creio que sua dinastia já era esperada desde que ele chegou na Moto GP. Ele sobra na turma. Pena que ele e o Doctore Valentino não sejam da mesma geração. Seriam duelos épicos e certamente mais emocionantes em relação ao que eles já tiveram na pista.
    Quanto ao Hamilton, ninguém guiou melhor que ele este ano. Vettel e Ferrari até assustaram mais do que no ano passado, mas o ingles sobrou na turma também.
    O penta está em boas mãos!!!

    Fernando Marques
    Niterói-RJ

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