Apesar de você

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Era algo esperado desde que a ótima forma de Max Verstappen combinou com a confiabilidade conquistada pela Red Bull ainda no início da temporada, após um início de ano com algumas quebras. Junto a isso, a Ferrari começou a espalhar a farofa de forma contínua. O bicampeonato de Max era uma questão de ‘quando’ e não de ‘se’. E isso ficou claro quando o próprio Verstappen declarou, antes mesmo da primeira chance de ser campeão em Cingapura, que ele preferia ser campeão no Japão, casa da Honda.

Porém Max Verstappen não esperava comemorar seu bicampeonato numa prova tão tumultuada e cheia de erros inacreditáveis da FIA no mítico palco de Suzuka, o que acabou por deixar a conquista do piloto da Red Bull um pouco em segundo plano, atrás dos problemas crônicos do pneus de chuva extrema da Pirelli, que causam pânico à F1 toda vez que uma precipitação ligeiramente maior do que uma garoa cai numa corrida, além do desatino de colocar um trator no meio da pista encharcada de Suzuka, oito anos depois do infame acidente de Jules Bianchi.

A temporada de Max Verstappen em 2022 é daquelas de almanaque quando se pesquisa um piloto, um carro e uma equipa dominando a F1. A briga fratricida com Hamilton ano passado trouxe ainda mais maturidade para Verstappen, que mais aliviado por ter tirado de suas costas o peso de um título, pôde ser ainda mais seguro em mostrar sua grande capacidade de pilotagem. Max foi sublime o ano inteiro, sempre andando no limite, mas tornando isso tão natural que aparentemente Verstappen nem se esforçava para destruir seus rivais. As corridas de recuperação em Hungaroring e Spa foram exemplos do quão alto está o nível de Max em 2022, assim como a vitória desse domingo em Suzuka, onde o neerlandês simplesmente não teve adversários tanto no seco, como no molhado.

A Red Bull não começou o ano de forma perfeita, tendo que engolir algumas quebras, mas rapidamente os austríacos se recuperaram e deram à Verstappen um carro confiável e rápido para que Max fizesse o que melhor sabe fazer dentro da pista: ir ao limite. Contudo, o tão propalado furo do teto orçamentário feito pela Red Bull (ou não) será divulgado amanhã pela FIA, o que pode causar grandes danos para a equipe e para a própria F1.

O final de semana começou com os anúncios da Alpine e da Alpha Tauri dos seus pilotos para 2023. Após perder Alonso e Piastri em poucas semanas por culpa unicamente sua, a Alpine precisava de uma resposta e encontrou em Pierre Gasly um piloto forte o suficiente para formar uma dupla sólida com Esteban Ocon. Gasly é mais jovem do que Alonso e mais experiente do que Piastri, o que seria um piloto ideal para o futuro da Alpine, porém, há um detalhe que ninguém deixou passar. Ocon e Gasly eram grandes amigos na época do kart, mas depois brigaram e não há uma mínima amizade ali. Os dois não se gostam e isso não é segredo para ninguém dentro do paddock e administrar isso será um desafio para Otmar Szafnauer. A nova dupla francesa da Alpine pode lembrar a lendária dobradinha Prost-Arnoux, mas não na parte das vitórias e poles…

Já a chegada de Nicky de Vries na Alpha Tauri somente aumenta os rumores de que o programa de jovens pilotos da Red Bull está em crise, com nenhum piloto do celeiro comandado por Helmut Marko estando pronto para ascender à F1 no momento. Até mesmo o fato da renovação de Yuki Tsunoda, um piloto ainda muito errático em seu segundo ano na F1, é um sintoma de que a forma pouco ortodoxa de Marko lidar com os jovens pilotos da Red Bull precisa ser repensado.

A forte chuva que marcou a sexta-feira em Suzuka, no seu retorno à F1 após dois anos por causa da pandemia, voltou com força no domingo, porém, a F1 é uma pessoa de 72 anos traumatizada, principalmente pelos ocorridos recentes. Ninguém queria uma repetição de Spa no ano passado e mesmo com a pista muito molhada e uma visibilidade próximo do zero, a largada aconteceu na hora marcada.

Porém, bastou Carlos Sainz aquaplanar e bater para ficar claro que a corrida seria interrompida. Foi então que um grande trauma foi revivido. Em 2014 o Grande Prêmio do Japão era ameaçado por um tufão, mas na época se falava que a F1 tinha que correr de qualquer jeito. ‘Ah, que antigamente….’ Não faço parte daqueles que romantizam tudo o que acontecia no passado, incluindo na F1. Uma foto com um carro de F1 na beira do precipício e a pessoa coloca ‘ah, isso que era F1, isso que era piloto’ vai de encontro aos meus princípios. Pensar na morte como algo ordinário no automobilismo é não ter empatia ao próximo e ligar pouco para a vida, mesmo com algumas décadas de atraso. Porém, com esse mote falava-se que dever-se-ia correr de qualquer forma oito anos atrás e mesmo com a pista encharcada, deu-se a largada ao Grande Prêmio do Japão daquele ano. Já no final daquela corrida Adrian Sutil bateu e um trator foi colocado na caixa de brita para tirar o carro do alemão. Foi então que tragicamente Jules Bianchi aquaplanou e entrou direto no trator, custando a vida do jovem francês meses depois após uma longa agonia. A F1 passou ter muito cuidado com pista molhada, inclusive não deixando largar em Spa ano passado. As críticas foram gigantescas em 2021 com a não-corrida em Spa. Hoje deu-se a largada, Sainz bateu forte após o hairpin e o que apareceu na pista com os carros ainda rodando? Um trator. Talvez do mesmo modelo que matou Bianchi. Pierre Gasly, amigo de Jules e que estava passando no momento com uma visibilidade baixíssima, esbravejou pelo rádio com toda a razão. Como a FIA tem vários cuidados para usar procedimentos com pista muito molhada e simplesmente deixa acontecer o mesmo erro de 2014? Logo com os metódicos japoneses? Foi uma cena marcante para essa corrida em Suzuka, mostrando que a FIA estava mais perdida que uma freira num baile funk.

Porém, as trapalhadas da FIA ainda não tinham terminado. Quando foi dada a bandeirada para um imponente Max Verstappen, 26s na frente do segundo colocado, todos pensavam que Verstappen iria para Austin com uma vantagem ainda maior para ser campeão nos States, onde não faltaria pirotecnia e chapelões texanos. Entretanto ninguém se atentou que por causa da corrida ‘Viúva Porcina’ em Spa no ano passado, alguns procedimentos foram mudados. Mesmo com a corrida encurtada para não exceder o tempo limite do evento, os pontos seriam dados completos, pois a prova terminaria e os pontos só seriam dados pela metade se a corrida fosse suspensa e não voltasse mais. Enquanto Verstappen dominava na frente, Leclerc tinha problemas de pneus e era pressionado por Sergio Pérez nas voltas finais quando saiu da pista na última volta na famosa chicane Causio, cortando caminho e cruzando na frente de Checo. Uma clara violação e Charles foi rapidamente punido pela manobra temerária.

Naquele momento, ninguém tinha percebido que a pataquada de Leclerc (mais uma) tinha sido decisiva para o campeonato. Até mesmo Verstappen e a Red Bull não sabiam que o campeonato estava no papo. Outro ponto negativo para a FIA, que muda tanto de regras que acaba se perdendo nelas. Porém, isso não tira o merecimento da vitória e do título de Max Verstappen. Em toda a temporada o neerlandês se mostrou um degrau acima dos rivais e somado ao carro da Red Bull, esse conjunto se mostrou imbatível. E ainda mostrando um reflexo do que foi 2022, Leclerc errou na hora H para facilitar as coisas para Max.

Hoje não o melhor dos dias para a Ferrari, que viu Verstappen garantir o título por um erro do seu piloto e ainda foi praticamente a única a sair no prejuízo pelo clima inclemente nipônico, com a forte batida de Carlos Sainz. Já pensando em 2023, a Ferrari necessita de uma grande reflexão. Inclusive se Leclerc é mesmo o piloto da Ferrari no futuro. A ultrapassagem que levou de Verstappen na largada foi daquelas de se fazer pensar se o monegasco tem mesmo estofo para bater de frente com o antigo rival no kart nesse momento. Já a Mercedes teve uma corrida medíocre, onde Hamilton tinha mais ritmo do que Ocon, mas simplesmente não conseguiu a ultrapassagem pelo grande arrasto do carro nas retas, impedindo o avanço de Lewis. Já Russell foi atrapalhado no momento do pit-stop, quando praticamente todo o grid foi aos boxes colocar pneus intermediários, em outro antigo drama da F1. Com a restrição de testes por motivos financeiros, a Pirelli fica praticamente de mãos atadas para corrigir um problema crônico: os pneus de chuva extrema. A F1 camufla como pode esse problema, postergando largadas com pista muito molhada para que as equipes coloquem os pneus intermediários, por sinal, o tipo de pneus que todos largaram quando as cinco luzes vermelhas apagaram, mesmo com a pista encharcada. Porém, a pista não comportava esse tipo de pneus e como os pilotos fogem dos pneus ‘extremos’ como o diabo foge da cruz, ocorreu um verdadeiro impasse. Hoje, tivemos mais de duas horas de impasse, na bandeira vermelha. A direção de prova obrigou a todos a relargarem com pneus de chuva extrema, mas bastou a bandeira verde dar as caras para que todos rapidamente procurassem os pits para colocar os intermediários, que mesmo com a pista nitidamente molhada, eram mais rápidos. A Pirelli já se defendeu dizendo que são as próprias equipes que acham que testar pneus de chuva forte é uma perca de tempo e sem dados, nada pode fazer para melhorar os chamados pneus azuis, que hoje tem a mesma serventia na F1 de mostrar a beleza da catedral de Notre Dame a um jumento…

A Alpine se recuperou dos pontos perdidos em Cingapura, usando táticas diferentes para seus dois pilotos. Largando muito bem, Ocon se fixou na quarta posição e segurou o rojão de Hamilton a corrida toda, preferindo uma estratégia mais conservadora, que se mostrou acertada.

SUZUKA, JAPAN – OCTOBER 09: Esteban Ocon, Alpine A522, leads Sir Lewis Hamilton, Mercedes W13 during the Japanese GP at Suzuka on Sunday October 09, 2022 in Suzuka, Japan. (Photo by Andy Hone / LAT Images)

Não tendo saído tão bem, Alonso foi para táticas mais arriscadas e não podemos dizer que ‘El Plan’ deu errado. Inicialmente Alonso arriscou ficar mais tempo com os pneus de chuva extrema, na esperança de que uma pancada mais forte de chuva terminasse a corrida a qualquer momento, mas como São Pedro não estava alinhado com os táticos da Alpine, Alonso perdeu tempo e caiu para sétimo, atrás de Vettel, que foi o primeiro a colocar pneus intermediários após rodar na primeira curva e sair de último para sexto. Sem conseguir ultrapassar Vettel, Alonso arriscou novamente ao fazer uma segunda parada. Mesmo com pouco mais de trinta minutos numa pista longe de secar, os pneus intermediários acabaram e alguns pilotos foram aos pits colocar pneus novos, entre eles, Fernando, que perdeu apenas duas posições, ultrapassou Norris, Latifi e Russell, recebendo a bandeirada ao lado de Vettel. Mais especificamente, onze milésimos atrás do alemão da Aston Martin. Como falado, a McLaren perdeu toda a vantagem no Mundial de Construtores que tinha, sofrendo uma nova virada da Alpine, com Norris ainda salvando uns pontinhos e Ricciardo fazendo outra corrida medíocre. Em sua última corrida em Suzuka, sua pista favorita, Vettel terminou num honroso sexto lugar ao arriscar colocar pneus intermediários antes de todo mundo após rodar na primeira curva, aposta que lhe rendeu uma digna despedida de Suzuka. Russell fez belas ultrapassagens quando perdeu tempo em seu pit-stop, mas é inegável que ficou o final de semana inteiro atrás de Hamilton. Latifi conseguiu seus primeiros pontos da temporada ao emular a tática de Vettel, que lhe pagou com um belo nono lugar, mas não apagando sua presepada de sexta-feira, quando simplesmente errou a entrada dos boxes na chuva. Tsunoda foi um dos heróis do final de semana, como todo japonês em Suzuka, mas o nipônico nem de perto lembrou performances como a de Suzuki, Sato ou Kobayashi. A Alfa Romeo ficou outra corrida sem pontos, mas garantiu a melhor volta com Zhou, a primeiro do chinês.

Apesar de todo o atraso, os erros inacreditáveis da FIA, culminando na punição à Gasly por ter andado rápido demais enquanto tirava uma fina de um trator, Max Verstappen cumpriu sua meta de assegurar o campeonato no Japão, casa da Honda, que voltou a estampar sua marca no carro da Red Bull nesse final de semana dando claros sinais de que irá voltar à F1 em breve, além de mostrar de mostrar a importância da montadora à fase atual da Red Bull e de Verstappen, que se mostrou um piloto grandioso e digno de se igualar à Alberto Ascari, Jim Clark, Emerson Fittipaldi, Mika Hakkinen e Fernando Alonso como bicampeões mundiais. E pela idade e pelo talento, Max pode conquistar ainda mais!

Abraços!

João Carlos Viana

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

3 Comments

  1. I don’t think the title of your article matches the content lol. Just kidding, mainly because I had some doubts after reading the article.

  2. Olá Fernando!

    A corrida se transformou numa Sprint Race de 40 minutos, onde não teve muitas ultrapassagens, mas garantiu a tensão que toda corrida no molhado sempre traz. O título foi decidido quando Leclerc saiu da pista na última curva, porém, ninguém sabia disso. Infelizmente a FIA conseguiu estragar o final de semana do título de Max.

  3. Fernando Marques disse:

    JC Viana,

    Pra quem não assistiu ou sequer viu os melhores momentos do GP do Japão, o que foi o meu caso, vamos as minhas considerações sobre a corrida e o campeonato:

    1) Imagina o sujeito acordar de madrugada para assistir o GP do Japão e ao ligar a TV fica sabendo que a corrida estava temporariamente suspensa … e que levaria duas horas para começar de verdade … felizmente não passei por essa decepção, não acordei de madrugada e vou ser sincero até esqueci que tinha tido corrida no domingo pela manha … te pergunto: perdi alguma coisa?

    2) Max Verstappen bi campeão mundial de Formula 1. Fato … em 2022 com toda certeza merecedor de todos méritos e elogios (2021 tenho minhas duvidas deivido a sua pilotagem dick vigarista), só que mais uma vez um titulo decido sob a batuta da FIA, que como voce mesmo disse na coluna e concordo plenamente, não sabe usar e muito menos sabe aplicar o regulamento que ela mesmo criou para a Formula 1 … incrível a coincidência né?

    3) A temporada de 2022 a questão não era o “se” e sim o “quando” o holandes ia faturar o titulo … Verstappen esse ano guiou o fino, sem aquelas traquinagens que fazia na pista e ninguém pode contestar que ele realmente foi disparado o melhor …

    4) Agora o que eu não admito de forma alguma é saber que uma corrida de Formula 1, o grande destaque do fim de semana não foi o piloto campeão e sim a FIA e suas trapalhadas …

    Ainda bem que nãoa acordei de madrugada

    JC a sua coluna está excelente

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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