*por Mauro Santana
Sabe quando seu time de coração entra em campo para uma final de campeonato jogando em casa, com um gigantesco favoritismo, e, acaba sendo derrotado com um único gol ilegal, e você passa o resto do domingo sem acreditar em tal barbaridade?!
Pois é, foi exatamente o que eu senti naquele 27 de março de 1994…
O replay que fora mostrado por várias vezes durante o Fantástico e no Globo Esporte na segunda feira, do lance que decidiu a corrida, era algo que eu, e muitos fãs de Senna não conseguíamos acreditar e aceitar.
Claro que, na época, naquele momento, ninguém imaginava que foi um “gol ilegal”, mas, as poucas imagens que tínhamos eram as que a TV nos mostrava, sem direito a Internet e Youtube, nos restou guardar na memória, o gosto amargo do Benetton #5 de Schumacher parando depois em seu pit stop, e saindo antes do Williams #2 de Senna, assumindo a ponta, para não mais perdê-la, rumo a uma vitória que, 24 anos depois, continua com aquele gosto amargo que nunca irá passar.
Bom, voltemos um ano antes nesta história, quando Senna, finalmente consegue assinar com a Williams. Sim, o favoritismo tomou conta da nossa torcida, pois qual o problema se o seu time vencer o campeonato de maneira invicta, dando um baile de bola nos adversários?! Pois é, as especulações que corriam pela imprensa eram que Senna poderia vencer as 16 etapas do ano, devido a tal combinação perfeita da melhor equipe com o melhor piloto.
Quando vimos o carro pela primeira vez, com as cores da Rothmans, como os antigos Porsche 956/962C de Le Mans e das motos Honda NSR500 de caras como Freddie Spencer, Wayne Gardner, Eddie Lawson e Mick Doohan… era lindo!
Porém, ao público de grande massa, ao qual eu me incluía, não tinha a menor ideia de que, quando Senna iniciou os testes para a temporada seguinte, estava amarrado a uma verdadeira cadeira elétrica, cuja história todos já conhecem. Com o banimento dos dispositivos eletrônicos para a temporada de 94, todos os pontos fortes da Williams foram embora e o que sobrou era um carro muito difícil de pilotar, bem diferente do que tinha dado a Alain Prost o título de 1993.
Ninguém tinha consciência disso quando eu e milhares de torcedores começamos a acompanhar os treinos para o GP Brasil, que começaram na sexta-feira. O clima era de enorme festa e euforia. Naquela época, a Globo transmitia os treinos classificatórios de Sexta e Sábado, ambos na parte da tarde, e, por ser o GP Brasil, era a única ocasião que o treino de sexta era transmitido.
Sexta-feira pela manha, e Senna, em parceria com a Globo, narra uma volta pilotando o FW16, e tal novidade é soltada à tarde quando ele sai para uma volta lançada, para delírio de nós brasileiros que assistíamos a tudo pela TV. Ou seja, a festa estava mais que montada, era o caminhar para a terceira vitória no GP Brasil, ainda mais porque ele termina o dia com a volta mais rápida.
Sábado a tarde, com a forte chuva que cai em Interlagos, a maioria dos pilotos, que estavam melhorando seus tempos não têm mais chance alguma de subir as posições. Assim, aquele grito de gol pela volta voadora que lhe daria a pole no último momento, igual ocorreu em 91, acaba não acontecendo. Mesmo assim, o favorito iria largar na frente, aumentando ainda mais as expectativas para o domingo, pois quem ama o automobilismo, quer ver sempre os carros andando no limite numa pista de corrida.
E chegamos ao domingo, o grande dia!
Muitos foram os GPs Brasil que tive o privilégio em assistir com toda a família reunida, fazendo aquele churrasco com todos de olhos vidrados numa TV de 20 polegadas National ou Telefunken (que hoje parece bem ridículo, mas que na época era um tamanho enorme de tela…). Fora assim nas vitórias brasileiras de 86, 91 e 93, e em 94 não seria diferente, com a família reunida na casa de um dos meus tios.
Ao meio dia, a Globo inicia a transmissão com Galvão Bueno mencionando que Ayrton Senna estava a bordo do melhor carro do planeta, e isso para nós soava como “já ganhou, já ganhou”.
https://www.youtube.com/watch?v=1PrjJK4KQY4&feature=youtu.be
Às 13h, quando as luzes vermelhas deram lugar às luzes verdes, e após a largada Senna contorna o S do seu sobrenome em primeiro, pronto, a vibração foi geral a todos nós que assistíamos o GP.
Mas…
1994 marcava a volta do reabastecimento, algo que tinha sido banido em 1984. Não tínhamos a menor idéia de como seria a corrida, se isso iria ou não interferir numa vitória de ponta a ponta de Senna.
Mas o caso é que, Schumacher, após se livrar da Ferrari de Alesi, encosta rapidamente na Williams de Senna, deixando uma certa aflição a todos nós torcedores, muito parecido com o que Mansell fizera na edição de 91. Os dois dispararam na frente, já livrando mais de 20 segundos para Alesi, que era de longe perseguido por Hill.
E, quando na volta 21 Senna entra nos boxes, seguido por Schumacher, para a primeira rodada de pit stop, e como o primeiro box era o da Williams, Senna para primeiro. Porém, para surpresa de todos, o alemão mesmo parando depois, arrancou na frente, e como naquela época não havia limite de velocidade nos box, ambos saem numa disparada em retorno a pista.
Por um momento, num corte de câmera, Senna aparece a frente da Benetton na pista, e Galvão menciona que Senna já ultrapassara Schumacher, ao mesmo tempo nós também tivemos a mesma sensação, mas infelizmente era Jos Verstapen o tal Benetton, para desânimo geral.
O que vimos a partir de então, foi uma caçada impiedosa de Senna, cujo o amigo Márcio Madeira descreve muito bem em sua coluna Obra Inacabada. A exemplo do seu time de coração quando precisa desesperadamente do gol, e bota uma pressão infernal ao adversário, Senna faz o mesmo, fazendo o seu torcedor jogar junto com ele ainda mais.
O ritmo de Schumacher e Senna durante todo esse tempo foi forte o suficiente para que ambos dessem uma volta em todos os outros concorrentes, incluindo Alesi, e o terceiro colocado, Hill, que dispunha do mesmo equipamento de Senna.
Mas aquele era um ritmo que nem mesmo Senna conseguia sustentar. Na volta 55, surgia na tela da TV o Williams atravessado na subida da Junção, com Senna de braços erguidos de maneira desesperada, solicitando aos fiscais que o empurrassem para fora da pista, para que ele tentasse ressuscitar no tranco o V10 da Renault, em vão.
O churrasco em família ficou bem menos saboroso nesse dia. Schumacher seguiu para a vitória mais do que tranquila, com Hill e Alesi a permanecer uma volta atrás. Nem o bom quarto lugar de Rubens Barrichello, com a Jordan, melhorou o ânimo.
Aquele acabou sendo um período de muitas mudanças, e tenho certeza que nenhum torcedor estava preparado para isso, já que os prognósticos eram de um futuro brilhante da junção de Senna e Williams. Nenhum de nós, naquele momento, tinha a menor ideia de que aquele era o último GP Brasil de Senna. Também, quem poderia?
Senna iria ainda abandonar de novo na corrida seguinte, em Aida, atingido na largada pela McLaren de Mika Häkkinen, mas isso não seria nada comparado ao que o 1º de maio nos traria.
A coisa ficaria ainda pior nos meses seguintes, quando com aquele incêndio no carro do Verstappen, na Alemanha, descobriram que a Benetton tinha retirado os filtros do sistema de reabastecimento, o que fazia a gasolina ir mais rapidamente aos tanques. Como não desconfiar dessa artimanha naquele pit stop de Interlagos?
O fato é que os GPs do Brasil nunca mais seriam os mesmos após este de 94 pra mim, mesmo que depois tivéssemos como torcer por Barrichello e Massa, que também venceria em Interlagos duas vezes, sendo a última a dolorosa perda do título.
Tudo mudou: mudou a F1, mudariam a quantidade de estrelas na camisa da nossa seleção brasileira de futebol, que, desacreditada, vencia a copa dos Estados Unidos.
E mudaria eu.
Toda vez que os carros passam pela subida da Junção em Interlagos, eu vejo aquela Williams atravessada na pista, com Senna agitando os braços desesperadamente, um fantasma residual, repetido, a povoar minha cabeça.
Todos nós temos nossos próprios fantasmas, né? Tal imagem, que nunca vou esquecer, me faz sempre lembrar dessa que foi uma das derrotas mais difíceis de engolir.
5 Comments
Bela matéria Mauro! Concordo com o Fernando Marques, o FW16B foi melhor que o Benetton B194, principalmente depois que descobriram as falcatruas, como no bocal de gasolina, controle de tração e outras no carro do alemão… Mas nada é por acaso.
Parabéns pela matéria! Descrita e rica em detalhes!
Cristina Maria
Maravilhosa coluna Mauro !!!
obrigado !
Grande Fernando!!
Agradeço os elogios!
Pois é, cadeira elétrica era pelo banimento da eletrônica.
Mas, não tivesse existido Ímola 94, e com certeza o Senna teria melhorado o carro com o andar do campeonato.
Grande abraço!!
Mauro
Meu amigo Mauro,
aquele GP do Brasil de 94 foi magnificamente bem descrito por você. Williams e Senna juntos não poderia se imaginar outra coisa a não ser vitórias e mais vitórias. A combinação melhor piloto na melhor equipe era a certeza disso. A temporada começou, só que as esperadas vitórias não aconteceram e o pior e mais inesperado ainda acabou acontecendo em Ímola.
Só vou discordar de você numa coisa. Chamar a Williams de “Cadeira Elétrica” pode dar a entender que o Senna tinha um péssimo carro nas mãos e o que não era verdade. A Williams com a proibição dos recursos eletrônicos não era mais aquele carro de outro planeta mas era um carro muito bom e competitivo e tanto que no Brasil, Aida e Imola Senna foi pole. O Piquet disse isso naquela entrevista no programa Roda Viva, se não me engano.
Se não fosse a tragedia de Ímola, possivelmente Senna´brigaria pelo título com Schumacher.
Parabéns pela coluna
O amigo está tão craque na escriba quanto na batera
Fernando Marques
Niterói RJ