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AS CORRIDAS E A VIDA – PARTE 4
14/05/2002

Panda

24 horas passadas do GP da Áustria e de meu primeiro comentário, volto ao tema, me recusando tanto quanto possível a deixar levar-me pela emoção, prendendo-me à razão como é dever – sei que um tanto quanto esquecida – de um comentarista.

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Ok. Vocês querem satanizar alguém pelos acontecimentos de ontem?

Pois então apontem o dedo sem medo para Michael Schumacher. A ordem para deixa-lo passar pode ter partido de Luca di Montezemolo, passando por Jean Todt e Ross Brown mas Schumacher era o único em condições de recusar-se a cumpri-la.

Ele podia simplesmente não ter ultrapassado Rubinho, gritando pelo rádio para deixar o garoto ganhar ou tirando o pé completamente nas últimas voltas já que tinha mais de 15 segundos de vantagem para Montoya, 3o colocado. Mesmo se Rubinho parasse o seu Ferrari na reta de chegada, Schumacher poderia ter feito o mesmo e, com sinais de mão, deixado claro ao brasileiro que a Áustria seria verde amarela.

Mas Schumacher não fez nada disso. Apertou o ritmo nas últimas voltas para estar próximo de Rubinho e ainda fez uma ondinha na reta de chegada, desacelerando só para poder dizer depois que a telemetria mostra que ele tentou não vencer mas que Rubinho o forçou a passar.

Uma ova!

O alemão é esperto. Ele sabia que, da cadeia de comando da Ferrari viria, forçosamente, a ordem para deixá-lo passar. Está lá no contrato dele. Todo mundo sabe. A equipe gira em torno dele. Se quisesse, poderia ordenar até que Rubinho cedesse o 2o lugar a Montoya e depois plantasse uma bananeira no pódium.

Mas agindo da forma como agiu – a cara de tacho, os gestos ambíguos no pódium, as declarações pós-corrida de que não apoiou a decisão da equipe etc. -, ele deixou grande parte do ônus dos acontecimentos de ontem para a Ferrari. Nossos leitores aqui no GPTotal, em sua maioria, não caíram nessa e estão malhando com gosto o alemão.

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Nos momentos seguintes à corrida, enquanto escrevia minha carta anterior, confesso que me senti pouco ofendido com o resultado, que nossos parceiros do www.grandepremio.com.br chamaram de marmelada, lembrando de alguns precedentes envolvendo a Ferrari (Fangio 57, Surtees 64, Salo 99, a própria Áustria 01). Segurar Rubinho, pensei, tinha a sua lógica, por injusta e cruel que fosse.

Mas depois fui mudando de opinião, impressionado com o volume de e-mails de leitores que foram chegando ao longo da tarde e também pensando um pouco mais no papel desempenhado por Schumacher na história toda, como descrevi no trecho anterior.

Já falei aqui várias vezes que considero Schumacher um dos cinco grandes, ao lado de Tazio Nuzolari, Juan Manuel Fangio, Jim Clark e Ayrton Senna. Pois mudei de opinião.

Os dotes do alemão para acerto, estratégia, velocidade pura, competitividade etc. são inegáveis. Não importa que ele pilote carros com recursos eletrônicos inimagináveis mesmo por Senna. Afinal, Schumacher usa estes recursos eletrônicos para fazer seus carros andarem ainda mais rápido.

Mas uma coisa separa implacavelmente Schumacher dos outros quatro superpilotos: Tazio, Fangio, Clark e Senna, cada a um do seu jeito, uns mais outros menos, eram ESPORTISTAS. Schumacher, definitivamente, não o é.

Nós, idiotas mortais que ficamos de boca aberta enquanto ele estraçalha todos os recordes, nos esquecemos que ele ganhou um campeonato jogando o seu carro sobre o de Damon Hill. Esquecemos que ele fez isso novamente contra Villeneuve e seu ferrou, perdendo a disputa pelo título e tendo os pontos do campeonato cassados pelas autoridades esportivas.

Acostumados a sem-vergonhice nacional reinante, a maioria de nós tendemos a considerar isso uma punição retórica, sem efeitos práticos, tanto assim que, mesmo aqui no GPTotal, nas Estatísticas dos Campeões (uma seção do nosso site pouco visitada pelos leitores, que está no pé da tabela Temporada 2002), nós consideramos estes pontos como válidos no retrospecto de Schumacher, ainda que ressalvando que eles lhe tenham sido confiscados. A maioria dos outros veículos de comunicação quando tocam nas estatísticas do alemão normalmente “esquecem” este pequeno detalhe.

Pois o que Schumacher fez ontem, beneficiando-se das ordens da chefia da Ferrari que ele sabia que viriam, foi a mesma coisa que ele fez contra Hill e Villeneuve e, tenho cada vez mais certeza, contra Irvine em 99, boicotando os esforços do companheiro de equipe para chegar ao título.

Por tudo isso, retiro a partir de hoje Schumacher da lista dos meus cinco favoritos, abrindo uma vaga para Graham Hill ou Nelson Piquet, não sei ainda, pilotos que nunca perderam a veia de esportista, o que implica em cavalheirismo, honradez, honestidade etc., qualidades que notoriamente Schumacher nunca teve e provavelmente nunca terá. E só posso pedir desculpas ao leitor por não ter percebido isso antes.

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Agora, descontando toda a confusão dos metros finais da corrida, que banho que Rubinho deu no alemão ontem!

Foi barba, cabelo e bigode, literalmente, depois de ter feito Schumacher suar sangue para tomar a pole de Rubinho nas duas corridas anteriores.

Será que o acerto do novo Ferrari para sair preferencialmente de frente e não de traseira como sempre preferiu Schumacher (veja minha carta de 1o de maio) faz tanta diferença assim? Será que finalmente descobrimos um ponto fraco do alemão. Será que a superioridade de Rubinho na Áustria pode se reproduzir nas próximas provas?

E se isso acontecer, o que fará a Ferrari? Bem, meu caro: creio que as pontes foram queimadas todas na Áustria.

Se Rubinho estiver em 1o e Schumacher em 2o, a equipe nunca mais terá coragem de mandar as posições se inverterem, a não ser que isso valha o campeonato.

Talvez para algumas coisas as vaias e críticas de ontem tenham servido.

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Mais uma coisa para terminar: não considere o episódio de ontem encerrado.

A Ferrari, do alto da sua tradição, pode se ver obrigada a tomar alguma providência para limpar a sua imagem frente a opinião pública italiana e mundial. E isso pode custar a cabeça de alguém, talvez Jean Todt.

Se eu fosse você, ficaria de olho hoje no www.grandepremio.com.br.

Abraços

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

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