Aí está um piloto que sempre gostei: Gerhard Berger.
Quando ele foi pra Ferrari em 1987, e passou a figurar entre os primeiros nas corridas, eu comecei a nutrir grande simpatia pelo austríaco. Claro que em primeiro lugar minha torcida era por Nelson Piquet e Ayrton Senna, mas torcia muito por Berger também. Era meu “estrangeiro” favorito, talvez porque se mostrasse muito rápido, mas sem ser rival dos brasileiros como eram Nigel Mansell e Alain Prost.
Estreante pela ATS durante 1984, e com uma temporada pela Arrows no ano seguinte com apoio da BMW, Berger se destacou mesmo com aquela linda Benetton-BMW colorida em 1986. Com o carro mais potente da história da Fórmula 1, ganhou o GP do México e chamou atenção de Enzo Ferrari, que queria aquela revelação pilotando para si.
Berger juntava-se a Michele Alboreto e à Ferrari, que contratara John Barnard, o mago da McLaren, numa uma cartada pra cima de Williams, McLaren e Lotus. É bom lembrar que em 1986 a Ferrari fez uma temporada muito abaixo de seu nível de um ano antes, quando Alboreto disputou o título de pilotos, palmo a palmo, contra McLaren de Prost.
Foi com enorme alegria que eu vibrei com suas vitórias no Japão e Austrália naquele ano de 1987. Foram vitórias com grande domínio e já era possível colocar Berger entre os favoritos para 1988, pois já mostrava muito mais velocidade que Alboreto. Mas aí veio a McLaren e varreu todo mundo.
No entanto, na única corrida que Senna, Prost e McLaren deixaram escapar das 16 provas do calendário, lá estava Berger para vencer. E foi justamente em Monza, terra da Ferrari, apenas algumas semanas após o falecimento do Comendador. Qualquer chance de título passou bem longe. Mas a apoteose de Monza valeu pelo ano todo – principalmente porque Berger ganharia da Ferrari o carro vencedor do GP. Um presentão.
Quando a pré-temporada de 1989 teve início no tradicional (na época) e hoje saudoso autódromo de Jacarepaguá, com um regulamento novo de motores aspirados, eu particularmente acreditava que aquele talvez pudesse ser um grande ano para Berger. John Barnard desenhou uma Ferrari novinha do zero, e o time retomava a tradição de usar motores V12 com aquele som maravilhoso. Quem no mundo entenderia mais de motores V12 do que a Ferrari?
Naquela altura, Berger havia engolido Alboreto dentro da equipe Ferrari, e sendo assim, o italiano estava sendo dispensado para que Nigel Mansell fosse contratado em seu lugar.
(Aqui cabe um parêntese: Em sua biografia, Berger fala que foi o último piloto a ser contratado pelo velho Enzo. No entanto, Mansell fala em sua bio que ele foi o último a ser escolhido pessoalmente por Enzo Ferrari. Cada um com sua interpretação…)
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A Ferrari tinha no novo modelo 640 outra característica importante: o revolucionário câmbio semi-automático, com atuadores eletro-hidráulicos acionados por borboletas atrás do volante. Hoje, um monte de sedãs médios brasileiros tem esse sistema como opcional. Mas em 1989 aquilo era uma inovação bem chocante.
Como toda novidade, aquele sistema estava dando dor de cabeça. Os testes na pista carioca, com Mansell, são desastrosos e preocupantes. O inglês desconversava toda vez que lhe perguntavam do tal câmbio novo.
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Com muito esforço, a Ferrari conseguiu melhorar quando o fim de semana de GP chegou. Na classificação, Berger consegue o terceiro posto, enquanto Mansell alinha em sexto. O austríaco, portanto, começava o ano melhor que seu novo companheiro de equipe, com um tempo meio segundo mais rápido.
Mas depois da luz verde veio aquele acidente triplo, entre Berger, Senna e Riccardo Patrese.
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A história do GP todos já sabem: Mesmo com toda a desconfiança de que o câmbio novo não aguentaria, Mansell veio de sexto para conquistar uma vitória histórica. Berger, caso não tivesse se envolvido naquele acidente, certamente teria lutado pela vitória naquela tarde de muito calor. Talvez até pudesse fazer uma dobradinha italiana em solo carioca.
Imola, 23 de abril, segunda etapa. Ao abrir a quarta volta da prova, Berger segue reto com sua Ferrari #28 em plena Curva Tamburello. A colisão é forte, e assim que o carro para, explode em uma aterrorizante bola de fogo.
Eu, que até então nunca havia visto um piloto morrer na F1, fiquei com muito medo. Acidentes assim matavam aos montes uma década antes, e para os mais velhos, ver Berger envolto em chamas certamente lembrou o acidente de Niki Lauda em Nürburgring 1976. Era mais um austríaco lutando pela vida em uma Ferrari engolida pelo fogo.
Felizmente os tempos eram outros. Apesar de o acidente ter sido gravíssimo, Berger sai praticamente ileso. Não apenas os carros eram muito mais resistentes a colisões como o socorro debelou o fogo com grande rapidez, mesmo que para quem estivesse assistindo ao vivo pela TV, como eu, parecesse uma eternidade.
Muito foi falado na ocasião de que Berger estava sob pressão, por causa do acidente na primeira curva do GP Brasil, e, claro, pela vitória do recém chegado Nigel Mansell logo na sua primeira corrida. O acidente e Imola, contudo, foi claramente uma falha mecânica. Ou foi por quebra da asa dianteira, ou uma falha no engate do volante – problema que, aliás, já havia acometido Mansell no GP do Brasil.
Berger ausentou-se da terceira etapa em Mônaco. Mas, 35 dias após seu grave acidente, ele já estaria de volta à Ferrari para o GP mexicano. Aliás, foi nesse GP este em que a Ferrari estreava uma nova entrada de ar. Entretanto, o grande problema do time continuava a ser o câmbio. Aquela vitória do Rio havia sido uma grande exceção e as corridas seguintes foram todas de abandono. Qualquer chance de rivalizar contra a McLaren-Honda pelo título tinha desaparecido.
No México, o câmbio de Berger quebrou na volta 16, e de Mansell, na 43. Na etapa seguinte, nos EUA, sob forte calor, o que derreteu foi o alternador – e de ambos os carros vermelhos. A velha rotina de câmbio quebrado voltaria à Berger no Canadá, quando não durou na pista mais do que 6 voltas, numa corrida em que Mansell foi desclassificado.
Foi quando a Ferrari finalmente solucionou o principal problema do câmbio. O sistema quebrava porque a bateria que estavam usando não garantia energia suficiente para a corrida toda. A partir do GP da França, Mansell voltou a pontuar regularmente, com várias presenças no pódio. Mas o pobre Berger, para quem eu tanto torcia, continuou colecionando infortúnios.
Na França, a embreagem quebrou na volta 29. Uma semana depois, na Grã-Bretanha, perdeu tempo para resolver uma pane elétrica, e abandonaria no fim da corrida, já sem chance de pontos. Na Alemanha, mais um acidente: um pneu furou na freada de uma das chicanes. Sem poder frear direito, Berger passou reto e decolou na zebra. Felizmente o carro não capotou e a visão do acidente pela câmera onboard (outra boa novidade de 1989) é bem assustadora.
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Na Hungria, o câmbio resolveu voltar a quebrar, o que aconteceu na volta 56. Pra piorar sua situação, Mansell, que largou em décimo segundo, venceu de maneira histórica, com uma bela ultrapassagem sobre Senna. O placar entre os dois estava favorável para o inglês em 34 a… zero.
Chegando à Bélgica, sob chuva, Berger sofre com outro abandono na nona volta da prova, quando rodou sozinho. Era seu primeiro erro desde a primeira etapa. Mansell novamente pontua, colocando pressão infernal em Prost pelo segundo lugar, numa batalha histórica. Mas no fim, termina o GP em terceiro lugar.
A essa altura do campeonato, com o duelo na dupla da McLaren cada vez mais nervoso e particular, minha atenção obviamente estava toda em Senna, por quem torcia e muito naquele ano na busca pelo Bi. Berger cada vez mais acabava passando batido GP por GP, pois seus crônicos abandonos eram algo que eu já havia me acostumado.
A etapa seguinte, em Monza, marca uma virada de jogo. Na pista onde havia vencido um ano antes, ele finalmente pontua. Berger cruza a linha de chegada em segundo lugar, apenas atrás de Prost, terminando o seu primeiro GP da temporada. O austríaco voltou a ficar no meu radar, mas um pouco ofuscado por conta da falta de sorte de Senna, que perdia pela segunda vez no ano um GP a poucas voltas da bandeirada por quebra no V10 da Honda.
Veio então o GP de Portugal. O traçado do Estoril pela primeira vez no ano permitia à Ferrari estar no mesmo nível da McLaren. Segundo no grid, Berger faz uma largada tão perfeita que pra mim queimou a luz verde. O pole Senna não teve como segurar a ponta.
Berger não havia liderado nenhuma volta naquele ano, e resolve sentar a bota em ritmo fortíssimo. Anos mais tarde, o próprio Berger confessou que exagerou na dose e destruiu seus pneus. Tanto que acabou alcançado e superado por Mansell em menos de 30 voltas.
Mas este seria o GP das trapalhadas seguidas do Mansell. Passou reto nos boxes, engatou ré, tomou bandeira preta, ignorou a advertência e bateu com o Senna. Após esse acidente maluco acho que se iniciou minha maior torcida pelo Berger no ano todo. Ele precisava chegar na frente do Prost, pro francês não abrir ainda mais vantagem na tabela de pontos. Caso Berger perdesse a ponta, as chances de Senna de um bicampeonato praticamente acabariam ali no Estoril.
Minha torcida foi recompensada, e a Ferrari #28 finalmente recebia a quadriculada em primeiro lugar! Deve ter sido um alívio tão grande pro Berger vencer novamente que ele até tirou as luvas e o capacete na volta de desaceleração. Todos puderam ver o rosto do vencedor satisfeito, e suas mãos ainda cheia de ataduras, das queimaduras de Imola.
Há algum tempo foi parar na internet a gravação da câmera onboard inteira do GP de Portugal na condução de Berger. São quase duas horas de pilotagem com bravura ao som do V12.
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Na Espanha, chega em segundo, atrás de Senna e à frente de Prost. Parecia que sua maré de azar finalmente havia passado. Tinha 21 pontos, contra 38 de Mansell. Era quase impossível passar o companheiro, mas pelo menos tentaria ficar mais próximo. Mas sua temporada terminaria com dois abandonos. No Japão, onde todas as atenções estavam com Prost e Senna, permaneceu em terceiro até o câmbio quebrar na volta 34. Ou seja, estava à frente de Alessandro Nannini, que, com a desclassificação de Senna na terrível trama com Jean-Marie Balestre, acabou sendo declarado vencedor. E o ano complicado de Berger terminou com uma rodada no dilúvio do GP da Austrália.
O campeonato chegava ao fim, e das 16 etapas, Berger terminou apenas três GPs. Ao menos, em todas as vezes ficou no pódio: Itália (2ª), Portugal (1º) e Espanha (2º). O curioso é que Mansell também ficou no pódio todas as vezes que terminou suas seis corridas. Ou seja, a Ferrari 640 era um belo carro em performance. Uma pena que quebrava tanto.
Num campeonato que prometia ficar muito mais embolado pelos motores aspirados, deu McLaren de novo. Por sinal, trocado com Prost, Berger acabou indo para a equipe campeã em 1990. Por mais que fosse legal juntar dois pilotos que eu gostava, eu achei uma péssima ideia porque sabia que Berger seria engolido por Senna. E não deu outra!
Berger nunca mais foi aquele piloto que eu pensava ser capaz de disputar título.
Em sua biografia Linha de Chegada, Berger disse que em metade de 1990 tinha que se render e admitir que Senna era melhor. Ele elencou três pontos: Senna prestava mais atenção em detalhes técnicos, tinha mais força e resistência física, e tinha uma concentração mental mais forte.
Mas fico me perguntando… Será que a Tamburello tirou sua velocidade?
Abraço!
Mauro Santana
11 Comments
A sua pergunta final é de difícil resposta, meu amigo.
Certamente Berger teve grandes momentos depois da Tamburello – Alemanha 97 certamente foi o maior deles – mas concordo que seu desempenho médio parece ter caído.
Porém aí também temos que a partir de 89 ele passou a correr contra companheiros muito mais fortes, e a gente passa a trabalhar com duas variáveis.
Análise difícil, provocada por uma coluna cujo tema foi muito bem escolhido.
Obrigado pelo retorno, amigo Márcio.
Pois é, você descreveu bem, e com certeza ele enfrentou companheiros de equipe bem fortes a partir de 89.
Agora, Alemanha 1997, como você e o amigo Lucas costumam dizer, aquela vitória foi Faca na Caveira!
Abraço!!!
Pra mim é um piloto excelente que só não tem o respeito que merecia porque ou não tinha carros bons ao seu dispor ou, quando tinha, era companheiro de um fora-de-série. Podia não ser o cara mais constante do mundo, mas Mansell também não era e foi campeão.
Ah, e faltou comentar sobre a impressionante vitória dele com a Benetton de 97.
Lucas
A ideia central era descrever e tentar entender, seu desempenho na temporada de 1989.
E certamente, 1997 merece uma coluna, principalmente sua vitória na Alemanha daquele ano.
Abraço!!
Mauro,
sempre achei o Berger um piloto relativamente rápido mas muito inconstante.
E penso, mesmo superado pelo Senna na Mclaren, que ele poderia ter obtido melhores resultados em relação ao que obteve. O Berger na Mclaren foi para mim uma decepção. Faltou até espírito de luta tal era a submissão.
Agora, ele era um boa praça e bem querido no circo, até hoje bem como é assim o Felipe Massa.
Show de bola pro amigo, pois sinceramente não esperava uma coluna a respeito do G.Berger aqui no Gepeto.
Fernando Marques
Niterói RJ
Que bom que gostou Fernando!!
Então, ele na Mclaren era nitidamente o segundo piloto, isso era claro, e ele nunca fez algum tipo de caras e bocas bem ao estilo Barrichello.
Porem, quando ele foi pra lá em 1990, ele tinha consigo, que poderia sim andar na frente do Senna, que poderia vencer o brasileiro.
Mas, na época o tempo nos mostrou que ele não tinha toda esta força, e o seu acidente na Tamburello sempre me deixou intrigado quanto a isso.
Abraço!!!
Mauro,
estive pensando numa comparação entre Berger e Barrichello.
Barrichelo ganharia de 2 a 1. Como?
Quesito constancia – ponto pro Rubinho
quem obteve melhores resultados quando na condição de pilotos 1B? Rubinho ( 2 pontos)
quem foi menos chorão: ponto Berger
Berger na Mclaren e Barrichello na Ferrari tiveram nas mãos os melhores carros da Formula 1 em suas mãos. O Rubinho só durou na Ferrari por que ninguem mais na Formula 1 queria ser beque de Schumacher, assim como Berger foi para Senna … por isso a Ferrari aturava o chororô do Rubinho e do GB …
e aí concorda comigo?
Fernando marques
Concordo contigo Fernando, Barrichello vence Berger por 2×1.
Outro que entraria nesta lista é o Patrese, um baita escudeiro e que praticamente nunca reclamou de tal missão.
Só não sei se concordo muito quanto a dizer que “Berger e Barrichello tiveram nas mãos os melhores carros da Fórmula 1”. As melhores McLarens com que o Berger correu, em 90 e 91, eram excelentes carros, mas de forma alguma dominantes (Ferrari em 90 e Williams em 91 eram pelo menos comparáveis, e em termos de velocidade pura poucos discordam que a Williams estava até à frente em 91 – em 92 então nem se fala). Já Barrichello pegou cinco anos em que a Ferrari era claramente o melhor carro, dois deles de forma absolutamente dominante (algo só comparável com as McLarens dos dois anos *antes* do Berger ir pra lá).
Por outro lado, o regime de segundo piloto de Berger nem de longe se compara ao de Barrichello. Era extremamente comum ver a Ferrari dando ao Barrichello (ou ao Irvine antes dele) estratégias que claramente não lhe dariam vantagem nenhuma (muitas vezes inclusive os prejudicavam) mas que serviam para otimizar a corrida do Schumacher, algo bem diferente do Berger na McLaren. Não me refiro nem às infames trocas de posição, mas àquelas corridas em que a estratégia de posicionamento do segundo piloto visa atrapalhar os adversários e não otimizar seus próprios resultados. Não que eu acredite que o Barrichello pudesse fazer frente ao Schumacher em igualdade de condições, mas certamente teria resultados bem melhores.
Pô Mauro, que coluna de estréia cara!
Grande texto, grande história. Gostava do Berger também, sempre simpático e rápido.
Abraço!
Obrigado Rubergil!
Berger é um cara super gente fina, e nos anos em que correu na F1, fazia um bem danado ao Circo.
Abraço!!!