No final das contas, brilhou a estrela do campeão.
Numa corrida livre de acontecimentos fortuitos, Michael Schumacher fez valer a ínfima diferença conquistada nos treinos de sábado e que lhe garantiram não mais do que meia dúzia de metros de vantagem no grid – meia dúzia de metros que lhe permitiram fechar a primeira volta na frente e, daí em diante, controlar a vantagem sobre Montoya, cujos problemas no final não alteraram o resultado da corrida. Schumacher venceu porque foi mais rápido nos treinos e pilotou com
perfeição.
Foi o bastante para Monza mas não necessariamente para o campeonato, que permanece mais aberto do que nunca.
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Vai ganhando corpo a tese de que o Williams BMW leva vantagem natural sobre o Ferrari em Indy mas eu (me corrija se estiver errado, Bob Sharp) não vejo diferença técnica substancial entre Alemanha, Monza e a pista americana.
As três mesclam longos trechos em aceleração plena, freadas fortes e retomadas. Como a Williams massacrou na Alemanha e a Ferrari reagiu em Monza, só posso concluir que haverá equilíbrio forte em Indy. E nem me atrevo a qualquer previsão para Suzuka.
O campeonato, repito, segue abertíssimo.
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Mas a situação de Kimi Raikonenn complicou-se – e muito.
Acabaram-se as garrafas vazias para vender do velho McLaren
e a Kimi (nas chances de quem este colunista pensou seriamente em apostar o seu último real) resta torcer por sortes e azares e isso me parece pouco numa luta contra Schumacher
e a Williams.
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Pobre Ralf!
Ele foi tão bem no começo do campeonato mas a sorte o abandonou a partir do GP da Inglaterra e, principalmente, na Alemanha, onde aquela batida logo na largada pode ter reescrito a história do campeonato.
Para mim, Ralf foi melhor do que Montoya e não merecia ver a
disputa pelo título tão de longe.
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A primeira volta do GP da Itália, ou melhor: o primeiro terço da volta, foi inesquecível.
Schumacher e Montoya largaram com perfeição, diria que o colombiano ainda melhor porque estava do lado sujo da pista, e
o alemão não teve problemas em chegar à frente na primeira
chicane e depois adotar uma trajetória defensiva na aproximação da Roggia, forçando Montoya a uma tentativa desesperada de ultrapassagem por fora.
Quase deu certo.
Schumacher, por dentro, teve de frear antes, permitindo a Montoya chegar com um metro de vantagem à primeira perna da chicane. Mas o alemão recuperou-se de forma brilhante e corajosa durante o contorno da segunda perna, apoiando o Ferrari inteiramente sobre a zebra e forçando Montoya a ficar na pior posição na aproximação para a primeira curva de Lesmo.
Um jogo de xadrez com 1 800 cavalos como coadjuvantes.
Sinceramente não sei dizer como os dois pilotos conseguiram controlar os seus carros e evitar um toque. Inesquecível e, talvez, venha a ser lembrada no futuro como a manobra que decidiu o campeonato.
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Alguém viu Rubinho por aí? Corrida opaca, sem inspiração,
danificada logo no início por mais uma largada capenga. Para sorte dele, Trulli, autor de mais uma brilhante largada, ficou logo na primeira volta e os McLaren não davam para o gasto.
Mas o 3º lugar foi importante para Rubinho em termos de Campeonato, cuja 4ª colocação está sendo tão disputada
quanto a própria liderança.
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A cena: Rubinho, sexta-feira, Jornal Nacional, ar de homem sério, ligeiramente entediado, dizendo algo do tipo: “como empregado da Ferrari, tenho de ajudar a equipe” e coisa e tal.
Perdoem a psicologia de galinheiro mas Rubinho me sugeriu saber de algo que nós não sabemos.
Você e os leitores não acham estranho a Sauber ainda não ter
confirmado Felipe Massa como piloto da equipe? Eu achei e fiquei pensando se seria possível à Ferrari embarcar em tamanha aventura, trocando Rubinho por Massa já na próxima temporada.
Parece loucura, é loucura, será loucura se acontecer mas a Ferrari vem emendando tantos erros e provocações sem explicação em relação a Rubinho que não me surpreenderia com uma decisão dessas para arrematar o campeonato.
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As imagens dos treinos de sábado foram pródigas em mostrar os pilotos mordendo impiedosamente as zebras de Monza.
Vistas de perto, elas são de dar calafrios: é com o se uma ponte de madeira se retorcesse apenas em um dos lados. Se você as toca de leve, encontra pequenos degraus cujo ângulo vai se abrindo mais e mais até o lado externo. Nesta altura, se você jogou seu carro sobre elas, é como estar passando em alta velocidade sobre estes obstáculos de estacionamento. Nada agradável, nada bom para pneus e suspensão.
Palavra de quem experimentou (a bordo de um prosaico Citroen BX) e logo percebeu que, se quisesse sair de lá com o carro inteiro, teria de adotar estratégias mais conservadoras de corrida.
Os meus tempos de volta, naquela tarde fria de Monza, 1990, não foram grande coisa.
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Com Ronnie Peterson em mente, fiquei atento durante os treinos de sábado a carros entrando de lado nas curvas de Monza.
Só com muita atenção é possível perceber pequenas deslizadas, quase que imperceptíveis, bem ao contrário das entortadas radicais, fartamente exibidas pelo sueco e outros pés-pesados da época (e também por Nelson Piquet na Hungria 86).
Por que elas não acontecem mais?
Primeiro porque a aderência, capacidade de tração e frenagem dos carros cresceu em escala logarítmica a partir do final dos anos 70; em segundo, porque as curvas de alta velocidade, onde as derrapagens eram mais frequentes, foram impiedosamente perseguidas e eliminadas em prol da segurança e, em terceiro, porque fazer as curvas de lado pode ser bonito mas significa tempos mais lentos de volta. Para um piloto ou chefe de equipe, trata-se de um erro de pilotagem, um desgaste de pneus e freios que pode ser evitado.
Duro de se ouvir e aceitar, mas é isso.
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Não sei como isso não havia me ocorrido antes mas, no sábado, uma lâmpada acendeu-se em minha mente febril e constatei: os treinos de uma volta só estão para a Fórmula 1 assim como os reality shows estão para a vida: uma simplificação brutal da realidade, de certa forma estúpida, apenas para aparecer pretensamente melhor na TV.
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E ainda sobre os treinos de sábado, Galvão Bueno criticou duramente a Renault por não ter chamado Alonso aos boxes, depois de vê-lo rodar. Assim, ele poderia largar dos boxes e não da última posição do grid. Galvão estava certo ou errado em sua crítica?
Dias desse, lendo um artigo do jornalista Peter Windsor, descobri, estarrecido, que as equipes (pelo menos as grandes) dispõem de softwares capazes de simular em computador o que acontecerá numa largada. Com elee, as equipes podem avaliar quão rápido os carros dos seus concorrentes se deslocarão, de forma a poder ajudar o piloto a traçar uma tática de largada.
Quem já largou para uma corrida (vale video game) sabe que é preciso ter em mente antecipadamente o que fazer, de forma a
ganhar posições e chegar à curva em melhor posição ou simplesmente evitar ser ultrapassado.
E um software capaz de antecipar os movimentos da oposição
pode ajudar em muito. Pense no caso do GP da Alemanha.
Kimi, vindo de trás, sabia que chegaria à curva muito próximo de
Rubinho e que o centro da pista provavelmente estaria congestionado por Ralf e os Renault. Assim, Kimi optou por jogar seu McLaren totalmente para lado externo, abrindo espaço e garantindo uma tomada mais favorável. Esta era a teoria mas, na prática, foi o que se viu (ainda sobre o software, fiquei pensando se aquelas fechadas criminosas que Schumacher costumava aplicar nos adversários nos tempos em que largava da pole não eram simplesmente uma manobra
de defesa, usando mal a palavra).
Mas voltando ao comentário de Galvão, a Renault esteve totalmente certa em manter o seu piloto na pista, pois ele podia ganhar muitas posição antes de chegar à primeira curva. Mas aí vem o lado eventualmente errado da estratégia: quem larga dos boxes provavelmente passará incólume pelos perigos da largada e da primeira curva e Alonso pagou o preço de tê-los
afrontado.
Assim, ainda que por linhas tortas, Galvão acertou em sua crítica à iniciativa da Renault.
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Tenho certeza que teremos todos uma excelente semana. São os votos do
Eduardo Correa