Campo minado

O homem mais rápido sobre rodas
17/07/2015
Quando Jim Clark tentou – e não conseguiu
22/07/2015

O panorama do campeonato mundial de MotoGP pode estar mudando...

No domingo passado, a MotoGP chegou à metade do campeonato 2015 com o Grande Prêmio da Alemanha, no apertado circuito de Sachsenring, em Dresden, uma cidade que sempre foi um ponto chave durante a Segunda Guerra Mundial, vivenciando intensos conflitos entre Aliados e Nazistas.

É claro que essa batalha sangrenta não se compara a uma disputa esportiva, mas novamente o coração da Alemanha viu o renascer de rivalidades na maior categoria de corridas em duas rodas do mundo. A rivalidade que falamos é entre Honda e Yamaha.

Desde que se estabeleceram como as duas principais montadoras de motos do Japão, as duas fabricantes disputam diretamente pelas mesmas fatias de mercado, cada uma abortando a questão com sua própria personalidade.

Maior em número de fábricas e em vendas, a Honda sempre teve uma postura orgulhosa de líder, ainda que isso se reflita em uma personalidade geral mais austera, sóbria e de certo modo, “sem graça”. Em total contraste, a Yamaha é menor como empresa e mais jovem (completa 60 anos em 2015). Curiosamente essa jovialidade se reflete no estilo da marca, sempre mais descolada, vibrante e dinâmica.

Essas diferenças ficam claras na MotoGP. Enquanto a Honda optava por vencer com pilotos de personalidade mais pacata, como Freddie Spencer, Wayne Gardner e Mike Doohan, a Yamaha sempre abraçou os mais “loucos” como Barry Sheene, Randy Mamola e Valentino Rossi.

Rossi, talvez os mais novos não saibam, começou na categoria a bordo de uma Honda. Seus primeiros três títulos foram com a marca da asa, que não gostava muito de seu estilo irreverente de se comportar, principalmente após as vitórias. Eles também não achavam que o italiano seria tão melhor assim que os outros, creditando a maior parte do sucesso à moto.

De saco cheio e ofendido com a indiferença da Honda, Rossi foi procurar apoio na Yamaha, que para receber o italiano montou um supertime, encabeçado por Davide Brivio, Jeremy Burgess e Masao Furusawa, o pai da M1. Rossi fez a sua parte e eles dominaram o restante da década de 2000. Contrastando com a Honda, a Yamaha deixava Rossi fazer o que quisesse indo junto com multicampeão em suas estripulias, que se tornaram históricas.

A Honda sentiu o golpe e precisou se contentar com pilotos mais modestos em personalidade e talento, como Nicky Hayden, Dani Pedrosa e Andrea Dovizioso. Mas, eles entenderam o que precisavam fazer e conseguiram achar uma espécie de “novo Rossi”. Ele se chama Marc Márquez.

Com o mesmo talento bruto e espírito juvenil de Rossi, Márquez é mais comedido em palavras e comemorações. Ou seja, tudo o que a Honda precisava. Em apenas duas temporadas e meia na categoria rainha, o espanhol já é bicampeão, mas 2015 não está sendo tão fácil como no passado.

A última versão da Honda RC213V nasceu rápida, mas arisca, nervosa. As famosas derrapadas de traseira, que antes eram um capricho de pilotagem de Márquez, agora são um testemunho de sua luta para manter a moto alinhada. Em seu afã por ganhar, o espanhol acabou sofrendo acidentes perigosos em Termas de Rio Hondo (veja relato dessa corrida aqui), Mugello e na Catalunha.

Para a Yamaha, tudo está azul como a cor de sua YZR-M1. Depois de alguns anos de dificuldades na ausência de Rossi (que estava na Ducati), a marca dos diapasões voltou aos trilhos certos depois de passar a ouvidos aos diagnósticos do Doutor ao invés do tempestuoso Jorge Lorenzo. O resultado foi uma moto extremamente suave e fluida em curvas: mais uma vez, totalmente o oposto da Honda.

Ao chegar à Alemanha, a Yamaha havia vencido sete das oito etapas realizadas até então, quatro seguidas de Lorenzo e três de Rossi, que proporcionou mais um show em Assen, ao vencer uma dividida com Márquez na última curva do Grande Prêmio da Holanda. E foi justamente essa dura batalha que mostrara que a Honda não havia ficado parada.

No GP holandês a equipe HRC voltou a utilizar o mais maleável chassi de 2014, adaptado com partes do modelo atual, como braço oscilante e o motor mais forte. O conjunto híbrido parece ter ficado muito mais equilibrado, pois Márquez passou a corrida inteira na cola de Rossi.

O bom feeling com a moto foi sentido por Márquez e Dani Pedrosa também nos treinos livres de Sachsenring, com a Honda dominando praticamente todas as sessões. Na largada Lorenzo, que havia partido da terceira posição veio por fora na primeira curva e tomou a liderança em uma manobra maravilhosa. Rossi, como sempre discreto no começo manteve sua sexta posição, mas rapidamente ultrapassou Andrea Iannone e Yonny Hernandez, para se posicionar em quarto, atrás de Pedrosa.

Brigando entre si no limite extremo de suas capacidades, Honda e Yamaha despareceram à distância dos outros competidores, reduzidos apenas a meros coadjuvantes. Uma pena, pois menos de uma década atrás, equipes satélites ainda venciam corridas regularmente. O Grande Prêmio alemão também confirmou que apesar dos benefícios do regulamento ainda faltam alguns degraus para a Ducati disputar de igual para igual com os japoneses.

Lorenzo tentou manter-se à frente, mas logo ficou óbvio que a M1 não tinha o mesmo fôlego da RCV no travado circuito com 10 curvas à esquerda e apenas três à direita. Em apenas quatro voltas, Márquez conseguiu a ultrapassagem e se estabeleceu numa confortável liderança, não muito à frente, mas sem se deixar em condições de ser ultrapassado.

Rossi, a essa altura já estava em terceiro à frente de Pedrosa e também não teve dificuldades em superar Lorenzo, que mais uma vez se viu relegado a uma solitária quarta posição, impotente para qualquer outra disputa. O bicampeão parece que só se torna realmente ameaçador quando encontra o acerto perfeito da M1, ao contrário de seu companheiro de equipe.

Parecia que Rossi caminhava para um ótimo segundo lugar, que lhe garantiria 17 pontos de vantagem para Lorenzo no campeonato. Mas, Pedrosa ainda não havia desistido e conseguiu recuperar a posição, colocando a Honda em primeiro e segundo. O espanhol ainda mostrou que a RC213V estava de fato superior, abrindo três segundos de vantagem nas últimas voltas.

Márquez cruzou a linha de chegada com pouco mais de dois segundos de vantagem para Pedrosa, com um feliz Rossi em terceiro. A alegria do italiano era por ter chegado (bem) à frente de Lorenzo, seu maior rival no campeonato, no momento.

Contudo, ficou claro que a Honda parece ter achado o caminho para retornar às vitórias, o que sem dúvida vai colocar ainda mais fogo em um campeonato que já está sendo histórico. Se o GP da República Checa não for cancelado como se ventilou (o que seria uma tragédia, pois a pista é fantástica) ainda restam nove etapas e muita água ainda vai passar por debaixo dessa ponte. Vai perder essa?

Lucas Carioli
Lucas Carioli
Publicitário de formação, mas jornalista de coração. Sua primeira grande lembrança da F1 é o acidente de Gerhard Berger em Imola 1989.

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    ainda bem que a Honda está reagindo … para o bem do campeonato … pois se tem uma coisa que é pura emoção é poder ver o Valentino Rossi e Marc Marquez duelando nas pistas por posições. Como tudo indicava que a Yamaha poderia estar imbatível, esta reação da Honda em tempo de poder por o Marquez na briga pelo campeonato me parece sensacional e certamente teremos uma segunda metade de campeonato imperdível … Rossi está guiando o fino e com inteligência … Jorge Lorenzo pode estar um pouco abatido pois venceu 4 corridas seguidas e não chegou a liderança do campeonato … com relação a ele Rossi reagiu bem nas duas ultimas corridas … e o Marc Marquez agora me parece estar com uma moto competitiva …
    é aguardar pois vai ter show nas pistas com certeza!!!

    Fernando Marques
    Niterói RJ

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *