Com o país ao seu lado

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ZANDVOORT, NETHERLANDS - SEPTEMBER 05: Race winner Max Verstappen of Netherlands and Red Bull Racing celebrates in parc ferme during the F1 Grand Prix of The Netherlands at Circuit Zandvoort on September 05, 2021 in Zandvoort, Netherlands. (Photo by Clive Rose - Formula 1/Formula 1 via Getty Images)

Nigel Mansell teria dito que a força da torcida lhe dava um segundo de motivação e foi com que ela que o britânico venceu corridas memoráveis em Brands Hatch e Silverstone, promovendo cenas impressionantes da torcida inglesa no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, mesma época em que Ayrton Senna finalmente se livrou da zica que tinha em sua corrida caseira e conseguiu duas vitórias icônicas em Interlagos. A torcida brasileira, com o seu ‘Olê, olê, olá, Senna, Senna’, parecia completar as marchas que faltavam em 1991. Essa ligação piloto-torcida foi vista poucas vezes na história da F1 e nesse domingo voltamos a ver essa conexão. A torcida holandesa acompanhava Max Verstappen em todo o globo e em todas as arquibancadas havia uma mancha laranja para torcer pelo jovem piloto da Red Bull.

Com todo o sucesso de Max e sua fiel torcida pelo mundo, foi costurado a volta do tradicional circuito de Zandvoort ao calendário da F1 após 35 anos de ausência, mas a pandemia adiou mais um ano pela volta às praias holandesas, o que acabou sendo ainda melhor, pois em 2021 Max Verstappen está com o melhor carro de sua carreira. A festa foi toda preparada. A organização chamou a família real no domingo e foi convocada uma cantora para cantar o hino nacional no pódio, quebrando o rígido protocolo desse momento na F1. Só faltava Max Verstappen fazer sua parte.

E Max o fez, com uma corrida irretocável nesse domingo, vencendo a prova com a autoridade de quem tinha um país inteiro ao seu lado, dentro ou fora do circuito de Zandvoort.

Projetado pelo arquiteto Hans Hugenholtz na década de 1940, o circuito de Zandvoort fez parte do calendário por várias décadas na F1, saindo em 1985 por falta de estrutura. O sucesso de Max Verstappen fez com que o circuito retornasse a F1 com uma nova estrutura, seguindo as modernas demandas dos circuitos europeus, além de causar uma procura gigante para a torcida estar presente para torcer por Max, mas que devido à pandemia ficou restrito a ‘apenas’ setenta mil espectadores. O circuito original sofreu poucas modificações, com a reforma das curvas três e catorze trazendo mais emoção numa pista sinuosa e estreita. A curva três trouxe uma trajetória incomum, com os carros indo por fora como nos superspeedways americanos, enquanto a de número 14 foi literalmente inspirada nos ovais e ganhou até nome de um antigo ídolo holandês que se destacou no lado de cá do Atlântico: Arie Luyendyk. Os pilotos adoraram a pista cheia de desafios e que não permitiam erros. Mais uma prova que para um circuito novo (ou retornado) chegar à F1 não precisa obrigatoriamente passar pelas pranchetas de Hermann Tilke. Felizmente!

Mesmo os pilotos terem deixado a pista com um sorriso na boca após dar uma volta em Zandvoort, isso não impediu que a corrida de hoje tenha sido aborrecida em sua maior parte. Com a F1 tendo carros com dimensões de um Landau/1973 e uma potência gigantesca e proporcional a aceleração, aderência e freada, Zandvoort pareceu obsoleto para a F1 atual desde o primeiro momento. A corrida teve poucas ultrapassagens e as que ocorreram aconteceram por uma grande valência entre os equipamentos dos envolvidos. Tudo se decidiu na tática e no posicionamento dentro da pista.

Max Verstappen teve um final de semana praticamente livre de intempéries e quando conseguiu a pole no sábado, sabia que a largada seria o ponto crucial da corrida. O neerlandês caprichou no apagar das luzes vermelhas, rapidamente colocou seu carro à direita da reta e contornou a Tarzan na frente dos dois carros da Mercedes e daí em diante, apenas administrou as estocadas da Mercedes na estratégia. O que a Mercedes fazia com Hamilton, a Red Bull chamava Max a fazer na volta seguinte. Simples assim. As novas curvas inclinadas causaram um bom desgaste de pneus e os líderes foram para uma estratégia de duas paradas. A diferença entre Max e Lewis variou de 1,5s a 4s a corrida inteira, mas havia a sensação de que Verstappen tinha reserva se Hamilton tentasse alguma gracinha. Foi uma vitória de almanaque de Max na frente de sua torcida, que proporcionou uma festa em Zandvoort que nos fez lembrar os áureos tempos de Silverstone (Mansell) e Interlagos (Senna).  Após a corrida, Max se enrolou numa enorme bandeira holandesa e subiu ao pódio com ela, na frente do rei Guilherme Alexandre, garantindo boas lembranças de como a F1 pode conectar um piloto com uma torcida nacional.

Para a Mercedes só restou tentativas de jogar com a estratégia, já que Verstappen corria sem o apoio do seu companheiro de equipe. Bottas foi um fator em alguns momentos, como quando atrasou sua parada na tentativa de segurar Verstappen, mas acabou engolido pelo piloto da Red Bull com pneus mais novos. Numa demonstração de que está mesmo praticamente com um pé fora da Mercedes, Bottas desobedeceu a equipe ao marcar a melhor volta da corrida, que na ocasião era de Hamilton, quando o nórdico foi chamado para trocar pneus no finalzinho da prova. Hamilton foi chamado já na antepenúltima volta para colocar pneus macios e superar a volta de Bottas e ficar com o precioso pontinho. Boatos em Zandvoort diziam que a equipe da Netflix foi chamada de supetão pela Mercedes para gravar a assinatura do contrato com George Russell e ser mais uma atração da próxima temporada de Drive to Surviver.

Sem condições de atacar, Lewis Hamilton fez o papel que lhe cabia na ocasião e garantiu o máximo possível de pontos com o segundo lugar para diminuir os danos no campeonato. Além de ser bastante diplomático frente a uma torcida bastante hostil a ele. A vitória de Verstappen em casa fez com que o neerlandês voltasse a liderança do campeonato, mas Lewis está, como se diz no Ceará, de mutuca, apenas aguardando algum escorregão de Max.

Sergio Pérez foi escolhido o piloto do dia e com certeza se divertiu bastante durante a corrida, mas isso não livra a cara do mexicano, que foi contratado para ser um escudeiro para Verstappen e garantir bons pontos no Mundial de Construtores para a Red Bull e Checo fracassou de forma retumbante nesse final de semana em ambas as missões. Com o mesmo carro do pole, Pérez foi apenas décimo sexto no grid, motivando a Red Bull a trocar partes da sua unidade de potência e fazendo Sergio largar dos boxes. Pérez acabou com seu jogo de pneus duros no começo da corrida numa tentativa infrutífera de ultrapassar Mazepin, forçando uma parada prematura. As boas e belas ultrapassagens de Pérez na corrida aliviou um pouquinho sua barra, mas desde que renovou contrato Checo vem devendo.

Enquanto isso, Pierre Gasly chegou num sólido quarto lugar com o carro da Alpha Tauri…

Os cinco primeiros que completaram a primeira volta receberam a bandeirada nas mesmas posições, dando a exata noção de que a corrida foi bastante estática. E Carlos Sainz, que era sexto na primeira volta, só perdeu a P6 para Fernando Alonso na última volta.

Nessa semana Kimi Raikkonen anunciou que 2021 será seu último ano na F1. Mais conhecido por mim como Seu Lunga Nórdico, por ser mais grosso com os seus engenheiros do que parede de igreja em Helsinque, Kimi foi uma figura peculiar, cujo início de carreira mostrou-se um piloto extremamente rápido e talentoso, mas que muitas vezes parecia despreocupado em evoluir para conseguir melhores resultados. Quando ele conseguiu seu título em 2007, Kimi passou a viver de sua personagem imperfeita, bem diferente dos pilotos certinhos dos últimos anos, fazendo Raikkonen ganhar mais e mais fãs pelo seu jeito descolado. Tendo estreado vinte anos atrás, Raikkonen é um dos últimos pilotos de uma geração diferente da atual, onde além de andar rápido, muitos dos jovens pilotos se preocupam com a imagem e do que querem passar nas redes sociais, muitas vezes se esquecendo de viver uma vida real. Kimi Raikkonen só queria andar rápido e viver uma vida real.

Nesse final de semana Kimi ficou de fora da corrida por ter testado positivo para o Covid, sendo substituído por Robert Kubica, que fez um trabalho notável ao conseguir ir até o final da corrida após dois anos fora de uma prova de F1 e ainda chegar apenas uma posição atrás de Antonio Giovinazzi, que mais uma vez provou ser ótimo nas classificações, mas completamente sem consistência em ritmo de corrida. Provavelmente Giovinazzi estará fazendo suas últimas corridas na F1 também, mas Kimi fará muito mais falta!

Coitado de Günther Steiner. Não bastasse a Haas ter o pior carro do grid, seus pilotos não se entendem. No sábado Mazepin xingou Mick Schumacher por ter atrapalhado sua volta na classificação, mas o russo deu o troco na corrida com uma fechada de criminosa na reta dos boxes. Vai ser duro Steiner segurar seus pupilos…

Qualquer escolha feita em Spa semana passada seria polêmica e desagradaria alguém. Porém, colocar os carros para darem duas voltas atrás do Safety-Car para validar a corrida conseguiu desagradar todo mundo. Foi patético! Porém, os dirigentes da FIA e da Liberty Media foram superados nesses termos no dia de hoje pelos dirigentes da AFA, CBF, Anvisa e Conmebol. Completamente inacreditável o que aconteceu em São Paulo com o cancelamento do clássico Brasil e Argentina. Será que a Anvisa irá cismar com a F1, que tem boa parte da sua origem na Inglaterra, em novembro?

A falta de emoção da corrida de hoje foi ligeiramente compensada pela bela festa feita para Max Verstappen vencer em na frente de sua torcida, seguindo forte em sua luta pelo título com Lewis Hamilton. A temporada 2021 segue cheia de surpresas e reviravoltas nessa luta entre Verstappen e Hamilton. Que mais capítulos emocionantes aconteçam, mas que seja também dentro da pista!

Abraço!

João Carlos Viana

 

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

4 Comments

  1. wladimir disse:

    Red Bull deu as melhores asas a Verstappen em 2021, mas Hamilton está longe de ser vencido. Temos um duelo comparável a Senna vs Prost ou Piquet vs Mansell (estou sempre aberto a réplicas). Quanto à despedida de Raikkonen fez lembrar a do próprio Piquet pelo clima de saída discreta. Só não mais comparo Kimi a James Hunt porque nosso “iceman” finlandês, que eu saiba, nunca foi canalha e caluniador com nenhum colega de profissão como fez o inglês com Riccardo Patrese ( vide o excelente artigo “sonhos frustrados” por Manuel Blanco) para se safar da fatalidade em Monza/78.

  2. Olá Fernando!
    Escrevi o texto domingo à noite, antes do esperado anúncio da saída do Bottas e escrevo esse comentário antes do provável anúncio de George Russell pela Mercedes.
    O que chama atenção sobre o incidente do jogo de ontem foi que os argentinos estavam irregulares por ter vindo da Inglaterra e como é sabido de todos, boa parte da F1 vem da Inglaterra.
    Já estão vendo isso?
    A verificar.

  3. Fernando Marques disse:

    JC Viana,

    nada a contestar sobre seu belo relato do que foi o GP da Holanda, da festa da torcida para o merecido vencedor Verstappen, e da bela pista pista que Zandvoort ficou (muito melhor que os traçados do HT) e de como ficou sensacional a curva 3 … aliás de repente ficou faltando comentar aquela tentativa de ultrapassagem por dentro do Ocon sobre o Alonso e de como era mais rápido e contorna-la de forma incomum ao que estamos acostumados a ver …

    Fantástico a sua comparação da FIA e Liberty Midia com a AFA, CBF e Conmebol e o ridículo vexame que o futebol brasileiro mostrou ao mundo novamente. Infelizmente aqui no Brasil os dirigentes se acham de por o futebol acima das leis. Mas o pior é ver como a fiscalizção do uso das leis são precárias e ineficientes aqui no Brasil.
    Se a delegação da Argentina fosse barrada no aeroporto quando chegou ao Brasil, por não concordar com a quarentena, bastava a Policia federal mandar eles de volta pra casa e que depois eles se resolvessem com a FIFA … Simples e eficiente … mas não aplicaram a lei como deveria e no momento certo e depois fizeram o mundo assistir um tremendo teatro de horrores …

    Voltando a Formula 1, curioso pra ver como será o rendimento das RBR’s daqui pra frente … muitas etapas pela frente … sem poder trocar suas unidades motrizes sem sofrer punições …

    Botas anunciado oficialmente piloto Alfa Romeu em 2022

    Fernando Marques

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